quarta-feira, 31 de agosto de 2016

O Neoliberalismo é um Fascismo



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Este é um excelente texto escrito por Manuela Cadelli, Presidente da Associação Sindical dos Magistrados Belgas, publicado no site belga Le Soir. Apesar de conter algumas referências à Bélgica (poucas), julgamo-lo como sendo perfeitamente universal, e um retrato de muito que se passa um pouco por todo o mundo. Esta versão em português é uma tradução do RiseUp Portugal.

O Neoliberalismo é um fascismo

O liberalismo foi uma doutrina produzida da filosofia das Luzes, tanto politica como económica, que tinha como objectivo impor ao Estado a distância necessária para o respeito das liberdades e o começo das emancipações sociais. Ele foi o motor do nascimento e da ascensão das democracias ocidentais. O neoliberalismo é essa economia total que ataca cada esfera das nossas sociedades a qualquer instante da nossa época. É um extremismo.

O fascismo define-se como a sujeição de todos os elementos que compõem um Estado a uma ideologia totalitária e niilista.

Eu afirmo, que o neoliberalismo é um fascismo porque a economia sujeitou os governos dos países democráticos, como também cada um dos fragmentos do nosso pensamento.

O Estado, está agora ao serviço da economia e da finança, que o tratam como um subordinado, explorando-o até ao ponto de por em risco a preservação do bem comum.

A austeridade tão desejada nos meios financeiros transformou-se num valor superior que substituiu a política. Sucede que “fazer poupanças” tornou-se uma maneira de evitar qualquer outro objectivo público. O principio da ortodoxia orçamental é de tal ordem, que quer mesmo que seja inscrito na Constituição dos Estados. A noção de serviço público é ridicularizada. O niilismo que agora decorre permitiu mesmo anular o universalismo e os valores humanos mais importantes: solidariedade, fraternidade, integração e o respeito de todos pelas diferenças. Até mesmo a economia clássica tem dificuldades em se realizar. O trabalho era antes um factor de procura e por isso os trabalhadores eram respeitados; a finança internacional fez do trabalho uma variável simples de ajustamento.

Deformação do real

Todo o totalitarismo é primeiro uma desvirtuação da linguagem e assim, como no romance de Georges Orwel, o neoliberalismo tem a sua novilingua e os seus elementos de comunicação permitem deformar o real. Assim, qualquer corte orçamental releva actualmente da modernização dos factores atingidos. Os mais desmunidos deixam de poder pagar cuidados de saúde e renunciam ir ao dentista? Esta é a modernização da Segurança Social. A abstracção domina o discurso público para evitar as implicações sobre o ser humano. Assim, tratando-se de refugiados, torna-se imperativo que o seu acolhimento não crie novas despesas que as nossas finanças não possam assumir. Como acontece com certas pessoas classificadas de “assistidas” porque dependem da solidariedade Segurança Social.

Culto da avaliação

O darwismo social domina e obriga todos e cada um às mais severas prescrições em matéria de performance: enfraquecer é falhar. Os nossos fundamentos culturais são subvertidos: todo o postulado humanista é desclassificado ou desmonetarizado porque o neoliberalismo tem o monopólio da racionalidade e do realismo. Margareth Thatcher indicou-o em 1985: “Não há alternativa”. Tudo o resto é mera utopia, irracionalidade e regressão. As virtudes do debate e da conflitualidade são por isso desacreditadas, uma vez que a História é regida por um imperativo de necessidade.

Esta sub-cultura oculta uma ameaça existencial que lhe é própria. A ausência de performance condena ao desaparecimento, e ao mesmo tempo cada um é acusado de ineficácia e constrangido a justificar-se por tudo. A confiança foi quebrada. A avaliação reina, e com ela a burocracia que impõe a definição e a procura do excesso de objectivos e de indicadores, aos quais nos devemos conformar. A criatividade e o espírito crítico são oprimidos pela gestão. E cabe a cada um a mea-culpa pelos desperdícios e inercias de que é culpado.

A justiça negligenciada

A ideologia neoliberal produz uma normatividade que faz concorrência às leis do parlamento. Desta maneira o poder democrático do direito fica comprometido. Para evitar a concretização que representa as liberdades e os direitos adquiridos, evitando pela mesma ocasião os abusos que impõem, o direito e o procedimento jurisdicional são a partir da agora encarados como obstáculos. Assim como o poder judiciário, que susceptível de contrariar as linhas deste pensamento deve ser dominado.

Até a justiça belga é sub-financiada; em 2015 ela era a última de um ranking europeu que incluía todos os estados situados entre o Atlântico e os montes Urais. Em dois anos, o governo conseguiu tirar-lhe a independência que a Constituição lhe tinha conferido no interesse do cidadão, para ele poder ter o papel de contra-poder. O projecto é forçosamente este: que deixe de haver justiça na Bélgica.

Uma casta acima de outros

No entanto, a classe dominante não se auto administra a mesma dose que prescreve aos outros cidadãos comuns, porque a austeridade bem gerida começa pelos outros. O economista Thomas Piketty descreveu-o perfeitamente no seu estudo sobre as desigualdades e o capitalismo no século XXI. Apesar da crise de 2008 e as evocações éticas que se seguiram, nada se passou para civilizar os meios financeiros e os submeter às exigências do bem comum. Quem pagou? As pessoas comuns, vocês e eu. E enquanto o Estado belga consentiu em 10 anos prendas fiscais de 7 mil milhões às multinacionais, o cidadão comum viu ser-lhe negado o acesso à justiça, através duma sobretaxa (aumento dos custos de tribunal, e aumento de 21% dos honorários do advogado). A partir de agora, para obter uma indemnização, as vítimas de injustiça têm que ser ricos. Isto num país onde o número de cargos públicos desafiam todos os standards mundiais.

Neste sector particular, não existe avaliação nem estudos relativos aos custos de privilégios. Um exemplo: trinta anos depois do federalismo, a instituição provinciana sobrevive sem que ninguém possa dizer para que serve. A racionalização e a ideologia gestora ficaram paradas à porta do mundo politico.

O ideal da segurança

O terrorismo, outro niilismo que revela as nossas fraquezas e a nossa cobardia na afirmação dos nossos valores, é susceptível de agravar o processo, permitindo em breve justificar todos os ataques às liberdades, à contestação, com juizes classificados de ineficazes, diminuindo ainda mais a protecção social dos mais desmunidos, sacrificada a este “ideal” de segurança.

A salvação por aliança

Este contexto ameaça, sem alguma duvida, os fundadores das nossas democracias, mas por isso mesmo condena ao desespero e desencorajamento? Certamente que não. Há 500 anos, no auge das derrotas que fizeram cair a maior parte dos estados italianos, impondo-lhes uma ocupação estrangeira de mais de três séculos, Nicolas Maquievel exortava os homens virtuosos a enfrentar o destino e, face à adversidade dos tempos, preferir a acção e a audácia do que a prudência. Por mais que a situação seja trágica, mais ela pede acção e recusa “o abandono”.(O Príncepe, capitulos XXV XXVI).

Essa lição impõe-se de forma evidente à nossa época, na qual tudo parece comprometido. A determinação dos cidadãos profundamente ligados aos valores democráticos constitui um inestimável recurso que, pelo menos na Bélgica, ainda não revelou o seu potencial de mobilização e o poder de modificar o que é inelutável.

Graças às redes sociais e à liberdade de expressão que estas facilitam, cada um pode agora se manifestar particularmente no seio dos serviços públicos, nas universidades, no mundo estudantil, na magistratura e nos tribunais para levar o bem comum e a justiça ao seio do debate público e ao seio da administração do Estado e das comunidades.

O neoliberalismo é um fascismo. Deve ser combatido e um humanismo total deve ser restabelecido.

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