quinta-feira, 2 de novembro de 2017

O mito da decadência portuguesa nos mares: a Armada que Napoleão queria para si

Foto de Nova Portugalidade.


Da força dos portugueses no mar se diz, normalmente, que se foi dilatando e fortalecendo até ao século dourado de Quinhentos e, logo, estagnando e minguando para a banalidade e a insignificância. Trata-se de outra falsidade, infirme e precária como as restantes; um pouco de estudo, uma gota de leitura e uma pitada de amor à verdade e imediatamente se esfuma. A realidade não se limita a encontrar-se distante dessa mentira; com efeito, está-lhe nos antípodas.

Tomaremos por elemento de análise o Portugal de 1807. Nesse ano, a Metrópole deprimida, pobre e atrasada que retrataria Herculano era centro de um império que atingia a sua máxima extensão territorial. De presença sólida na América, na Europa, na África e na Ásia, Portugal vivia do mar, e dele dependia para a protecção de, e comunicação entre, as diversas parcelas da Monarquia. Ao contrário do que se dera no século XVI, não era potência hegemónica em parte alguma do globo. Contudo, nem por isso se fizera pouco significativo. Visitando Lisboa em 1806, o almirante inglês Conde de São Vicente - que fizera o nome e obtivera o título ao bater, no homónimo cabo algarvio, uma frota francesa durante a Guerra dos Sete Anos - registou ter visto no Tejo 15 navios de linha de segunda, terceira, quarta e quinta classe. Liderando a armada surgiam o Príncipe Real e o Príncipe do Brasil, um de 110 peças e outro de 84. Ambos seriam pouco menores que o espanhol Nuestra Señora de la Santíssima Trinidad, até 1805 o maior vaso de guerra do mundo. Entre outros navios mais pequenos ou de apoio à frota principal, viu várias dezenas de embarcações.

Convirá, para perceber a escala da força que Portugal possuía na boca do Tejo - e a armada atlântica do país não se limitava, como sabemos, aos navios sediados em Lisboa, uma vez que lhe era confiada a protecção das águas do Brasil, de Angola e restantes entrepostos portugueses desse oceano - compará-la à de outras potências europeias. A frota russa do Báltico - que em 1807 protagonizou, comandada pelo vice-almirante Dmitry Senyavin, curioso incidente frente a Lisboa - compunha-se de 7 navios de linha; em Trafalgar, onde Nelson desbaratou franceses e espanhóis, a força britânica compunha-se de 27 navios de linha, a espanhola de quinze e a francesa de 18.
Bem se percebe, pois, que o Imperador Napoleão pretendesse abocanhar a frota portuguesa. Perdidas as da França e da Espanha, sua aliada, em 1805, a entrada de Junot em Lisboa destinar-se-ia, entre outros propósitos, ao de render a Paris o controlo da armada de Portugal. Deu-se mal, como sabemos, pois a cobiçada frota saiu de Lisboa, rumo ao Brasil, dias antes da entrada triunfante do general francês na capital. Com ela se escapou o braço forte de Portugal e, por isso, a última esperança de que a França viesse ainda a disputar o controlo dos mares com a Inglaterra.

Rafael Pinto Borges

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