Não tenho palácios, nem títulos, nem anéis, nem pergaminhos. Entro na fila dos plebeus puros.
Se tivesse títulos, não os exibiria mas, também, não os enjeitaria.
Além disso, não sou contra ninguém. Do meu lado, como em todos os lados, há quem justifique aplausos e há quem mereça comiseração.
Um dia perguntaram à Amália se ela era monárquica ou republicana. E ela, com a intuição, a inteligência e a graça que a caracterizavam, respondeu; sou um bocadinho mais monárquica.
Por que republicanos somos todos, é, exactamente, esse bocadinho que me faz, também, ser monárquico. Republicanos no sentido de defensores da liberdade, da igualdade e da fraternidade, princípios que o cristianismo formulou, a revolução francesa adoptou como divisa e a carta dos direitos do homem propõe a todo o Universo, somos todos!
Essa ideia peregrina de absolutismos, de castas, de privilégios, de “sangue azul” que, ainda hoje, aqui ou ali aparece apensa à monarquia, nunca foi minha e creio que, a sério, já não é de ninguém.
Sou monárquico pelo bocadinho que a monarquia acrescenta à república.
É que os nossos Reis nasceram com a Pátria e a Pátria com eles. No caso português, Pátria e Rei fazem parte do mesmo acontecimento fundador. Ambos são, por isso, inerência e factor da identidade portuguesa. Os “genes fundadores” pertencem a ambos.
Pátria e Monarquia arrancam dos mesmos alicerces e a seiva que lhes entrou por raízes comuns percorre-os e alimenta-os conferindo-lhes uma espécie de consanguinidade.
Os Reis são um permanente carimbo de Pátria.
Sei que foi com Reis que fomos grandes.
Sei que um Rei não divide porque, sendo tão indiscutível com a Pátria, pertence a todos como ela.
Sei que o Rei é um símbolo com marca de perenidade.
E a simbologia, não sendo uma realidade substantiva é muito mais que uma fantasia alienante.
Os símbolos dão, alimentam e orientam convicções e por isso, devem ser permanentes. Os símbolos não se mudam.
Os hinos nacionais, as bandeiras das pátrias, não mudam ao sabor dos ventos e dos votos.
O Rei anda mais ligado à noção de Pátria, entidade indiscutível e perpétua, o Presidente da República anda mais perto da noção de Estado, entidade variável no conceito, na organização, no conteúdo.
Quantos Presidentes da República tivemos desde 1917?
Só depois do 25 de Abril foram seis! Alguém viu no Dr. Manuel de Arriaga ou no Dr. Teófilo Braga ou no Marechal Spínola ou no General Costa Gomes um símbolo de Portugal?
Quando muito um símbolo do poder.
Pode alguém comparar o que representa para Portugal D. Afonso Henriques ou D. Diniz ou D. João II ou D. Manuel I ou D. Pedro IV, com algum dos Presidentes da República que já tivemos? Nem poder natural, nem simbologia.
Podem ter cumprido o seu papel de forma inteligente, profícua, digna, mas são cidadãos sem vínculo natural e definitivo à Pátria, cidadãos que passaram e as Pátrias não passam.
O Rei, por ter um percurso histórico paralelo ao da Pátria identifica-se com ela e, por isso, dela recebe e a ela dá carácter.
Mais do que o representante, um Rei é um símbolo; um Presidente da República é, apenas, um representante temporário.
Enquanto que o Presidente da República emana de arranjos ocasionais e sempre fluidos de partidos, sempre de uma só parte dos portugueses, o Rei arranca de um tronco que nos contém e que foi a coluna vertebral da história.
Os presidentes da República andam, como os governos, ao gosto das votações e das políticas. Não permanecem. Um Rei sucede a outro numa linha de continuidade que o torna, mais coerentemente, um símbolo. Pode mudar a pessoa do Rei, mas a sucessão é natural, imediata, fácil, incontroversa, como uma lei da natureza. Muda a pessoa, mas permanece a ligação orgânica, genética às origens, a um sentimento, a uma educação, a uma relação quase familiar, aos sucessos de uma longa história em que foram protagonistas.
A monarquia portuguesa é uma instituição que vem do início e com a qual convivemos durante tantos séculos, tem alicerces cavados com a mesma fundura e que seguiram os mesmos sacrifícios dos que foram feitos para criar a Pátria e, por isso , identifica-se com ela.
O Rei é um órgão de uma soberania contínua. Agora, que a Pátria Portuguesa perdeu muita da sua independência, são necessários elementos que liguem o que fomos ao que queremos ser, num querer alimentado por valores eternos.
A ideia peregrina de que somos todos iguais e, por isso, todos temos o direito de poder aspirar a ser Presidente da República é pouco mais que infantil. A probabilidade de alguém via a ser Presidente da República seria, em Portugal, de 0.000 00001% se todos tivessem acesso a essa hipótese longínqua e demagógica. Mas não! De acordo com a nossa Constituição, só os nascidos em território nacional e maiores de 35 anos poderão candidatar-se e, além disso, qual foi o Presidente da República Portuguesa que não foi um político activo emanado das forças políticas organizadas, dos partidos? Quantos são os portugueses nessas condições? Onde é que está a igualdade de oportunidades?
Argumento ridículo.
Fala-se, também, do preço que a monarquia custaria ao País. Quantos Presidentes da República vivem, hoje, à custa do erário público? Vivem e Deus os conserve vivos e felizes durante muitos anos! Mas, vencimentos altos, carros, chauffeurs, staff, a multiplicar por quatro!
O outro argumento republicano recorrente é o de que a lei da hereditariedade pode oferecer-nos um mentecapto, um tarado, um energúmeno, um marcado pela natureza. Ninguém nega uma eventualidade possível. Tivemos, numa história de oito séculos, dois casos: D. Afonso VI e D. Maria I. Contudo, ambas as situações foram ultrapassadas com a normalidade que a história regista. E de quantos casos temos notícia de monstros que, por via não hereditária, chegaram à chefia dos Estados e dos Governos, alguns mesmo pela via do sufrágio universal. Não é um exercício teórico. Não é preciso recuar muito no tempo para encontrar dos mais desgraçados, dramáticos, tenebrosos exemplos de loucura que a história regista. Foi por esta via que os republicanos Ceaucescu, Karadsik e os mais emblemáticos chefes dos nossos dias, Hitler e Estaline, chegaram onde chegaram e fizeram o que fizeram!
Não! Esqueçam, também esse argumento.
Acresce que a implantação da grande maioria das repúblicas ficou ligada a actos de violência extrema: foi preciso matar e matou-se: assim morreram Luís XVI e Maria Antonieta, em França, D. Carlos e o Príncipe Real D. Luís Filipe em Portugal, toda a família de Nicolau II na Rússia. E eu sou contra a violência.
Há, ainda, outro motivo que também conta muito para mim. É que meu Pai comparava, muitas vezes, aquilo que viveu durante os últimos dezasseis anos de Monarquia, com o que passou durante os dezasseis primeiros da República. Eu ouvi-o sempre com a atenção de um filho e, além disso, não posso deixar de comparar, hoje, o que se passa nas monarquias do norte da Europa com o que se vive nas repúblicas do sul.
Finalmente, haverá quem conceba que o vínculo místico que liga um Povo ao seu Rei, ilustrado neste poema imortal de Fernando Pessoa possa, alguma vez estabelecer-se com um Presidente da República?
Aqui ao leme sou mais do que eu;
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo
Manda a vontade que me ata ao leme,
De El-Rei D. João II.
É por tudo isto que também sou um bocadinho mais Monárquico.
Fonte: Real Associação do Porto
Publicado pela Real Associação do Médio Tejo.