A propósito do Brexit e da resposta que o povo britânico deu a uma europa caduca e germano-dependente, veio-nos à memória um artigo de opinião que publicamos no dia 14 de Maio de 1994, na página 40 do Jornal "O Primeiro de Janeiro" intitulado "Esta Europa? Não, obrigado!".
Volvidos 22 anos, não retiramos uma única palavra ao que então foi escrito. O artigo parece-nos perene de actualidade e se pretendessemos escrevê-lo de novo, apenas fariamos alguns retoques em função do Tratado de Lisboa. Quanto à criação de uma Comunidade Luso-Afro-Brasileira, que na altura proposemos, a actual Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) fica aquém daquilo que defendemos.
Ou a Europa muda ou cai de vez.
Contrariamente a alguns comentários, que ao longo do dia de hoje, temos ouvido da boca de alguns politiqueiros da nossa praça, que atribuem a vitória do sim à "extrema-direita britânica", importa refutar esta afirmação, uma vez foram os britânicos no seu todo que bateram o pé a esta europa totalitária e refém do défict e que directa ou indirectamente chantageou todo um povo, muito ciente da sua soberania. Não se pode esquecer que muitos dos apoiantes do Brexit eram do Labour Party.
A vontade soberana de um Povo triunfou e a democracia venceu!
Convém relembrar que em 2016 completam-se 630 anos da aliança Luso-britânica, a mais velha aliança do mundo celebrada entre dois países. Conheceu altos e baixos, mas foi-se mantendo ao longo dos séculos, desde a crise do séc. XIV, passando pela restauração da independência no séc. XVII, o Tratado de Methuen no séc. XVIII, sem esquecermos a expulsão dos franceses no séc. XIX. Na Primeira Guerra Mundial, tropas portuguesas participaram na Campanha de França, após a solicitação da Grã-Bretanha. Apesar da neutralidade portuguesa, na Segunda Guerra Mundial, a aliança foi invocada para o estabelecimento de bases militares britânicas nos Açores. Durante a Guerra das Malvinas, em 1982, as bases militares nos Açores foram disponibilizadas para a Royal Navy.
O período mais difícil nas relações entre os dois países ocorreu no final do século XIX, quando se deu o episódio que ficou conhecido como o Mapa Cor-de-Rosa. Também durante a ocupação da Índia Portuguesa pela União Indiana, o Reino Unido limitou-se apenas, a mediar o conflito, o que irritou Salazar e o levar a considerar que a aliança estava a atravessar uma crise insanável.
Ao longo dos séculos e apesar da crispação que aconteceu nos séculos XIX e XX, parece-nos que o balanço é positivo para Portugal, que vai continuar as respeitar os acordos celebrados com o país de Sua Majestade Britânica, pelo que nada devemos temer após o Brexit.
Escreviamos então:
Esta Europa? Não, obrigado!
A assinatura do Tratado de Maastricht – acto demasiado importante para todos nós e que, covardemente, foi realizado sem auscultação do povo português – pôs em causa o direito á mais fundamental das nossas liberdades: o direito de decidir o nosso próprio destino.
A União Europeia não pode ser a Uniformização Europeia. Só a diversidade das várias culturas europeias é que define a Unidade da Europa. Esta Cultura terá de assentar na afirmação das comunidades históricas que formam a Europa. Para manter a sua sobrevivência como Nação, Portugal tem de continuar a ser um Estado periférico, além de ibérico, atlântico e universal.
Portugal não pode permanecer insensível ao desaparecimento gradual da sua Cultura e Civilização, integrado como ficará numa região ibérica, como não pode deixar de ser atlântico e marítimo o povo que mais cedo tornou possível a actual Universalidade de Nações e Povos.
O projecto federalista (sistema de governo onde há uma sucessiva transferência de soberania de um Estado Nação para uma entidade supranacional) para o qual aponta o Tratado de Maastricht e no qual têm colaborado as grandes famílias europeias e os seus seguidores em Portugal – PSD e PS – tem antecedentes muito perigosos de Carlos Magno a Hitler, de Filipe II e Napoleão a Estaline.
A União Europeia, tal como vem sendo desenhada pelos eurocratas, põe em causa as nossas liberdades e prerrogativas históricas.
Uma coisa é a interdependência económica, outra a independência – a soberania nacional – sem a qual não poderíamos existir como verdadeiros portugueses. Por isso, não poderemos aceitar uma política que implique transferências da nossa soberania, designadamente nos domínios da Política Económica e Monetária, Defesa Nacional, Justiça e Administração Interna e Negócios Estrangeiros.
Portugal corre o sério risco de perder a sua identidade como nação de oito séculos, e de povo primário e principal descobridor do mundo, a troco de uns quilómetros de auto-estradas, de umas Expos ou Capitais de Cultura, de uns milhares de ECU que vão corrompendo a alma lusitana ameaçada pelo moderno europeísmo e outras continentalidades.
A nossa permanência na União Europeia leva-nos cada vez mais á defesa da nossa independência. A nossa liberdade e a consequente vontade de ser português, corre perigo. É necessário defender a pátria portuguesa! É preciso lutar, lutar só ou acompanhado, lutar pelos filhos e pelos avós, lutar com palavras e actos, mas lutar por amor a Portugal!
Só a restauração da Monarquia impedirá a absorção de Portugal pela Europa, pois apenas o Rei dos Portugueses, que não está dependente de interesses político-partidários subjacentes às decisões levianas que têm permitido a venda da nossa pátria, defende realmente a nossa independência e identidade. A restauração da instituição real, porque é o único regime que melhor interpreta o passado e leva à construção de um verdadeiro futuro à altura do nosso país, é um dever que compete à nossa geração, permitindo enfrentar, de igual para igual, os gigantes europeus.
O modelo federalista consubstanciado no Tratado de Maastricht, é repudiado por cerca de 80% dos portugueses. A Nação, onde reside a soberania, não foi consultada. Logo, a aprovação deste tratado não está legitimada, por faltar, aos órgãos que a fizeram, competência para tal. O mesmo erro, não se pode repetir aquando da sua revisão: esta tem de ser referendada.
Se não queremos esta Europa como é a Europa que desejamos? Aquela que consagre estes princípios fundamentais:
1.º - Em termos políticos, que garanta o núcleo básico da soberania. Deve existir o mais possível a regra da unanimidade; e o menos possível a regra da maioria. Quando há decisões por maioria, há sempre países a mandar e outros a obedecer. Deveria consagrar-se o «Princípio da Igualdade dos Estados»: um voto, um país. Por exemplo: a política de controlo de território, que é uma das formas de exercer soberania, passa a ser definida por maioria, como é o caso da política de vistos em relação a estados terceiros.
Também que negue a cidadania europeia. Ser cidadão é ser cidadão de um país, de uma nação. Se há cidadania europeia presume-se que há uma nação europeia, o que não é verdade.
Depois que permita à Assembleia da República o direito de apreciar todos os projectos de regulamentos e directivas comunitárias pois, em cada dez leis portuguesas, nove vêm de Bruxelas. Quem as discutiu? Quem sabe o que dizem?
2.º - Em termos económicos, que respeite o gradualismo: Portugal não pode ter a veleidade de querer adoptar imediatamente todas as decisões comunitárias quando a nossa economia está separada das dos outros países europeus cerca de 40 anos. Além disso, Portugal não deve deixar de ter moeda própria por uma decisão da maioria: uma coisa é ter políticas cambiais por maioria, outra é abdicar de uma das partes integrantes da nossa soberania: cunhar moeda. Um país não é soberano sem moeda própria. Não existe nenhum velho Estado Nação sem moeda própria.
3.º - Em termos institucionais que defina o verdadeiro estatuto da Comissão Europeia, pois se esta é um órgão técnico, tem poderes a mais. Deviam reduzir-se as suas atribuições e competências: nomeadamente retirar-se o poder de iniciativa legislativa e definir os mais estreitos possíveis os seus poderes regulamentares e, no mínimo, o Conselho deveria ter o poder de demitir, o que não pode. Se é um órgão político, então que se submeta às regras democráticas que passam pela sua eleição.
4.º - Em termos estratégicos, que garanta uma mais estreita ligação á América que sempre nos garantiu a paz. Durante cerca de 40 anos a paz na Europa foi assegurada pelos Estados Unidos. Se se avançar com o projecto de um exército europeu, a defesa da Europa ficará entregue à Alemanha, país que ao longo dos séculos nunca foi uma fonte de paz e estabilidade na Europa, antes pelo contrário. A criação de uma brigada franco-alemã a concretizar-se (não está no Tratado de Maastricht, mas poderá evoluir nesse sentido) é um projecto de defesa continental, que nada convém a um país atlântico e periférico como o nosso.
Se Portugal não deve sair da Europa, também não se pode circunscrever nela. Temos de restaurar a nossa dignidade e reassumir a nossa vocação universal. Por isso propomos a criação de uma Comunidade Luso-Afro-Brasileira, que envolva políticas comuns, nos domínios económico e cultural.
in «O Primeiro de Janeiro» de 14 de Maio de 1994, pág. 40.