domingo, 18 de setembro de 2016

Os santos também vão para o inferno

Não era médica, nem enfermeira, nem assistente social, mas mãe: a ‘madre’ Teresa de Calcutá. As suas casas não pretendem ser hospitais, nem centros sociais mas, para quem a não tem, casa de família.


Vai longe o tempo em que os santos iam para o céu; agora não, são condenados ao inferno. Não ao de Lúcifer, que está para além do limiar da morte, mas ao do desprezo social e da crítica mediática, onde pontificam outros belzebus, não menos sulfurosos, nem menos avessos à santidade cristã.
Assim foi, com efeito, o que agora aconteceu com a madre Teresa de Calcutá: ao mesmo tempo que o papa Francisco a canonizava, na praça de São Pedro, no passado dia 4 de Setembro, na presença de milhares de fiéis de todo o mundo, uma certa imprensa encarregava-se de fazer de advogada do diabo, denegrindo a memória da santa fundadora das missionárias da caridade. Desses infames ataques deu-se conta aqui, no Observador (Madre Teresa. A santa que nem todos aceitaram) bem como, no dia seguinte, no Público (Santa Teresa de Calcutá, um exemplo da Igreja para os pobres, de onde procedem as citações abaixo reproduzidas).
Tudo feito, claro está, em prol da ‘independência’ e ‘qualidade’ da informação, segundo o conhecido dogma jornalístico: não há bela sem senão. Portanto, uma reportagem sobre alguém, mesmo que seja um santo, tem que ter, em nome da isenção e objectividade, alguma nota negativa, mesmo que falsa. Caso contrário, talvez seja publicidade, mas jornalismo não é. Ou seja: mente-se, para que a notícia pareça mais verdadeira.
Uma recorrente acusação contra Santa Teresa de Calcutá é – pasme-se! – a sua pobreza. Um médico dessa cidade indiana, Aroup Chatterjee, lamentou, em livro da sua autoria, o que, muito significativamente, denomina “cultura da frugalidade”, seguramente porque desejaria o contrário, ou seja, a cultura da opulência. Pelos vistos, se há quem afirme que a Igreja é rica demais, também há quem a considere pobre em excesso.
S. Teresa de Calcutá é igualmente criticada por ter sido proselitista, pois queria “converter ao cristianismo os mais pobres dos indianos, maioritariamente hindus”. Que os queria converter, não há nenhuma dúvida, porque ninguém pode ser verdadeiramente cristão sem ter ânsia de partilhar a fé. Mas isso é evangelizar e não fazer proselitismo, que é o que fazem os agnósticos e ateus que pretendem impor as suas convicções.
Ao contrário do que se insinua, a madre Teresa nunca impôs a nenhum não-católico a sua fé, de que não era fanática mas sim coerente. Também nunca discriminou ninguém: embora tivesse toda a legitimidade para apenas acolher cristãos, a verdade é que as suas casas sempre estiveram abertas a todos os pobres mais pobres, sem distinção de credos ou de raças. Só assim se entende, precisamente, que se tenha estabelecido na Índia, onde, de facto, abunda a pobreza e os católicos são uma escassa minoria. Por certo, não consta que alguém, que tenha sido acolhido pela madre Teresa ou pelas suas religiosas, tenha sido forçado à conversão.
Também houve quem acusasse a fundadora das missionárias da caridade de não ter sido, na terra de Gandhi… o Che Guevara de sari! É o caso do fervoroso ateu que escreveu Hell’s Angel, um livro e documentário que, como o título indica, diaboliza a madre Teresa de Calcutá, de cuja virgindade até se atreveu, de forma infame, a duvidar. Christopher Hitchens censura-a por não ter lutado contra as causas da pobreza e por se ter aliado ao statu quo “ao instilar nos pobres a ideia de que a sua condição era permanente, em vez de lhes dar armas (sic) para procurar um futuro melhor”. Não é verdade, porque nas sociedades que promovem o aborto, a madre Teresa denunciou corajosamente esse silencioso genocídio, bem como a exploração das mulheres obrigadas a recorrer à contracepção.
Com certeza que o mundo estaria muito melhor se Teresa de Calcutá, em vez de fundar a congregação das pacíficas e sorridentes missionárias da caridade, tivesse criado um partido político revolucionário – um daqueles que falam muito nos pobres, mas que não fazem nada por eles, até porque acham que o voluntariado é uma treta – ou um exército de libertação – a eventualmente designar por guerrilheiras da caridade – que “desse armas”, em sentido literal, para o tão desejado “futuro melhor”! Pena é que Che Guevara e os seus camaradas, em vez do “futuro melhor”, tenham deixado um rasto de opressão e miséria, nos países onde implantaram a ditadura do proletariado.
Mas, não é verdade que as condições clínicas das casas da madre Teresa, nomeadamente no que respeita à assepsia, não eram as melhores? Vale a pena recordar, a este propósito, que a fundadora das missionárias da caridade não era a médica Teresa de Calcutá, nem a enfermeira Teresa de Calcutá, nem a assistente social Teresa de Calcutá, mas a ‘madre’ Teresa de Calcutá. Ou seja, as suas casas não eram, nem pretendiam ser, improvisados hospitais, ou centros sociais, que seriam, de facto, muito insuficientes mas, para quem o não tinha, o seu lar. Não em vão ‘madre’ significa, precisamente, mãe.
A madre Teresa não dava consultas de life coaching, não era mestra em autoajuda, nem prometia curas milagrosas. Mas dava colo a crianças que nunca o tinham tido, acarinhava velhos despejados no monturo das grandes cidades, sorria a quem só conhecia os esgares do desprezo e da indiferença, atendia os descartados, dava paz aos tristes e, até, alegria aos moribundos.
Haverá sempre quem não entenda a sublimidade da caridade, que é o principal mistério cristão, o mistério do próprio Deus. Embora a hipocrisia seja a homenagem que o vício presta à virtude, é lamentável o facciosismo de alguns. Não é preciso ser teólogo, nem cristão, nem crente sequer para reconhecer que a madre Teresa de Calcutá, mesmo não tendo seringas esterilizadas, soube dar, a milhares de pobres anónimos, o mais necessário e valioso curativo: o seu amor de mãe.
Fonte: Observador

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