sábado, 23 de fevereiro de 2019

Escravos negros, escravos brancos e escravos mouros na Madeira

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas

É altura de desfantilizar o discurso

Muito embora nunca tenha atingido as proporções existentes nas Antilhas, a escravatura na Madeira revelou-se um importante elemento de valorização económica do arquipélago ao longo dos séculos XV e XVI, sobretudo durante o ciclo açucareiro que declinaria em finais de Quinhentos. Em finais do século, 15% da população seria constituída por escravos, pelo que tal população se misturou e ali ainda está. Importa esclarecer em desabono dos falsificadores da História que os escravos chegados às ilhas não provinham apenas da África continental - ou seja, negros - mas que vieram grandes contingentes das Canárias. Assim, os escravos não eram apenas negros; eram guanches brancos, de olhos claros e cabeleira loira e esta foi uma constante até, pelo menos, a inícios do século XVI. Havia, pois, em igual condição de redução à escravatura, escravos negros e escravos brancos a que depois se juntaram importantes levas de cativos de guerra mouros resultantes das guerras entre portugueses e marroquinos. Assim no-lo demonstram os estudos de Alberto Vieira, João Abreu de Sousa e Teodoro de Matos.

Escravos, libertos (forros) e livres, os negros/guanches/mouros foram inicialmente ocupados nos trabalhos de desflorestação e nos canaviais, mas pelo século XVII o trabalho pesado caiu sobre os camponeses (brancos), cabendo aos escravos funções domésticas, de mestres, aguadeiros, cozinheiros e vendedores. Do estreito convívio com os seus senhores, as relações de afecto [familiar] depressa ganharam contornos de família extensa, tomando os escravos o nome do seu amo, com eles vivendo sob o mesmo tecto e recebendo crescentes provas de apreço, como o atestam os testamentos da Misericórdia do Funchal. Por exemplo, em 1533, no testamento de João Esmeraldo, o Velho, manda-se "que todos os escravos e escravas que nasceram na minha casa não possam ser vendidos nem dados", e no testamento de D. Isabel de Abreu determina-se que a sua escrava Isabel seja liberta para sempre, assim como lhe seja dado um dote de dez mil reais (fortuna para a época) para a ajudar no seu casamento.

Ao contrário do que acontecia em territórios ultramarinos holandeses e ingleses, onde apenas se permitia o baptismo de escravos antes destes falecerem, todos os escravos pertencentes a portugueses eram baptizados, permitindo-se-lhes constituir ou integrar confrarias e beneficiarem desses privilégios. Importante, também, seria lembrar que aos escravos, para além das defesas garantidas pela sua condição de cristãos, eram atribuídas funções de comando, como aquele Pedro de Florença, escravo negro que no século XVIII foi comandante de ordenanças, unidade militar responsável pela defesa da Ilha da Madeira.

MCB




Sem comentários:

Enviar um comentário