Vivemos tempos difíceis de transição para um mundo muito diverso daquele que conhecemos. Nesta preia-mar dos chamados “populismos” - fenómeno complexo que remete directamente para a grave crise de representação e legitimidade de que padecem regimes de partidos há muito instalados na esfera do poder, mas também de reacção à globalização que ameaça a identidade cultural dos povos – a reflexão sobre as vantagens da monarquia ganha consistência. A democracia, tal como a entendíamos, conhece dias difíceis, pelo que as críticas que lhe dirigem devem ser escutadas e os seus erros corrigidos.
A análise das últimas décadas reforça a nossa convicção de que a democracia deve ser limitada, vigiada e fiscalizada, dado transportar não apenas a pulsão totalitária a que Jacob Talmon se referia no seu clássico Origins of Totalitarian Democracy (1952), assim como padecendo de doenças degenerativas há muito apontadas pela escola italiana de Sociologia Política. Tanto aquela democracia messiânica, fundada na crença e comportando-se como uma tirania [benigna], tanto a deriva oligárquica podem ser corrigidas. Ora, pelo conselho da história, verifica-se que a única forma bem-sucedida de limitação dos abusos e excessos da democracia radica na aceitação do convívio da democracia com um poder não democrático - isto é, não eleito - que lhe lembre aquilo que não é passível de revisão.
A salvação da ideia, do método e da cultura democrática exige, pois, a intervenção de um poder que, não sendo democrático, é caução correctiva que impede a democracia de se matar. As monarquias sempre foram abertas à participação, à representação, à oposição de ideias e de interesses, pelo não houve monarquia pré-moderna que não se submetesse ao voto, à fiscalização e às sanções legais. Hoje, as monarquias ditas constitucionais (constitucionais sempre o foram na forma das constituições históricas que lembravam os limites e as obrigações do Rei) lembram ao transitório aquilo que é permanente. A democracia representa o homem; a monarquia representa a história e a memória que determina e alimenta a vontade dos homens em viverem juntos em sociedade. A democracia exprime a volubilidade das paixões humanas, o passageiro, o contingente; ou seja, é absolutamente humana e alimenta-se do sonho peregrino da justiça e igualdade para todos. A democracia é um admirável exercício de determinação, pelo que só há cidadãos onde estes podem, em concorrência, falar, escrever, opinar, criticar, eleger e legislar. Porém, a democracia é ruptura permanente e deve ser, sempre, disjuntiva, como as políticas o devem ser para que a governação não se afunde no ritualismo. Para atenuar o carácter turbulento inerente à democracia – ou a tendência para se transformar em oligarquia – é requerida a existência de um poder moderador. Esse poder moderador é-nos oferecido pela monarquia. A monarquia, entendida como contrato longo de estabilidade, anteparo da Política e inculcador de comportamentos conjuntivos pode, afinal, salvar a democracia, pelo que há que contestar quantos continuam a perseverar no erro trágico de a considerar inimiga da soberania popular.
Miguel Castelo Branco
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