domingo, 24 de março de 2019

O mito do perigo amarelo

A imagem pode conter: 1 pessoa

Leio no Observador Cego mais um textozinho cheio de ignorância e baias concitando a uma cruzada contra a China. Importa que façamos a história desta fobia. 

Por cá, ainda há 20 anos, os chineses eram uns homenzinhos amarelos, insignificantes vendedores de quinquilharia. Lembro ainda com amargura ter jantado com alguns embaixadores e empresários na embaixada do Brasil - num daqueles excelentes convívios que José Aparecido de Oliveira acolhia - e ter ouvido, entre outras, colossais manifestações de desprezo pelas novidades da Ásia. Lembro, particularmente, um embaixador português afirmando com certeza kantiana ter "a China os dias contados".

Do desprezo, passámos para o "perigo chinês", como se a China estivesse a controlar o mundo sem o assentimento daqueles que outrora se viravam para Washington e só receberam coices. Para alguns, se há um aliado de peso a escolher, esse deve ser a Índia. Ora, a China é menos perigosa do que a Índia. A Índia tem uma tradição marítima e comercial importante, foi colónia e, no fundo, transporta o ressentimento de todos os ex-colonizados. Acresce que os indianos têm importantes colónias em África e no Sudeste-Asiático, colónias que vivem fora e em auto-exclusão. O chinês quer ser respeitado. O chinês contenta-se com isso. O Estado chinês não é aquela poderosa, precisa e metódica máquina que muitos julgam. O improviso, o não saber como fazer de outro modo, o desleixo crónico, mascarados com aprumo e teatro, mantêm a China de pé. 

A China é, quiçá, a única grande civilização não expansionista. Não quer universalizar qualquer ideia absoluta, quer seja esta de natureza religiosa, quer a de uma forma específica de regime político. Os muçulmanos querem-no; os americanos/europeus exigem-no. Os chineses, não. O chinês não pretende impor-se como norma unificadora, antes pelo contrário, quer preservar a sua identidade. Mesmo o mais quadrado dos defensores do etnicismo compreendê-lo-á. Afinal, que culpa têm os chineses ? A culpa pelo desastre económico e falta de competitividade europeia e norte-americana é dos chineses ou dos americanos e europeus? É, sem dúvida, dos europeus e americanos. Preparem-se agora, pois os chineses já começaram a fabricar foguetões e até puseram um homem no espaço.

Ao invés desses insuportáveis "comissários europeus" que aqui aportam semana sim, semana não para nos dar ordens, diktats amiúde carregados de ameaças, como quem coloca um caldo em frente de um faminto e lhe diz: "hoje comes, amanhã só tens o caldo se fizeres o que te mandarmos fazer", a China está longe, muito longe, não nos manda comissários, não nos ameaça com a privação do caldo, não nos impõe regulamentos nem a expulsão de clube algum em que ocupamos o lugar extremo. A China, ao contrário da Europa, exibe sempre elegantes atitudes, nos gestos como nas palavras.

Há que pôr fim ao mito da "ameaça chinesa".

Miguel Castelo Branco

Sem comentários:

Enviar um comentário