sexta-feira, 31 de maio de 2019

Chega de palermice: Dom João VI não foi um cobarde, foi "o único homem que enganou" Napoleão

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Se a ideia de uma fuga parece ter sido impugnada, impõe-se-nos que esclareçamos outro erro de interpretação inserto na obra “Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil”. Trata-se do suposto “abandono” do exército português pelo Príncipe Regente e do vazio deixado pela partida da família real. Dom João deixou o exército e nomeou um Conselho de Regência, embora sabendo qual seria o comportamento dos franceses. Neste particular, Dom João queria aplacar os franceses, evitando que estes cometessem excessos, mas não alimentava quaisquer esperanças a respeito das intenções dos invasores.

Em Julho de 1807, Tilsit fechara o Báltico ao comércio britânico. Napoleão lançou então as vistas para a Península Ibérica. Em Novembro, o exército franco‑espanhol passou a fronteira portuguesa e avançou sobre o Porto e Lisboa, invocando defender a soberania e os interesses portugueses, ameaçados pelos britânicos pela adesão do Príncipe Regente ao Bloqueio Continental. O avanço francês não encontrou oposição. Contudo, o Príncipe Regente, não obstante aconselhar às populações e autoridades que recebessem os intrusos como amigos, preferiu retirar-se para o Brasil – ideia antiga de dois séculos – deixando o poder nas mãos de um Conselho de Regência. O General-em-Chefe, Junot, chegava a Lisboa no preciso momento em que ainda era visível, afastando-se no horizonte, a esquadra luso-britânica que levava em êxodo para o Atlântico Sul a corte e o Estado.

Os primeiros decretos assinados pelo Conselho da Regência, deixavam supor que as instituições continuariam a exercer funções correntes. Porém, em inícios de Fevereiro de 1808, Junot decretava que doravante Portugal passava a ser administrado pelo General-em-Chefe do Exército francês, suprimindo o Conselho de Regência, substituído por um Conselho de Governo. De imediato, vindo de Paris, um decreto imperial – prontamente publicado no Moniteur – proclamava solenemente que, preocupado com a felicidade futura de Portugal, Napoleão colocava a nação sob a sua «omnipotente protecção», retirando ipso facto ao Príncipe Regente «todos os direitos à soberania deste reino», pelo que «a Casa de Bragança [acabava] de reinar em Portugal».

Poucos dias após a ocupação da capital, haviam-se registado os primeiros indícios de agastamento, quando a bandeira portuguesa fora substituída pelo pavilhão francês no ponto cimeiro do castelo de S. Jorge. Agora, perante os decretos, tornava-se claro que Portugal passara a Estado vassalo e, nessa condição, esperava Portugal que o imperador, como era prática, indicasse de entre a sua parentela ou de entre os seus generais alguém para o trono português. Graças à acção do conde da Ega, figura relevante da facção francesa, foi constituída uma deputação a enviar a Baiona, onde o imperador se instalara para tratar dos assuntos peninsulares. Cabia à missão pedir ao imperador que «tomasse a nação portuguesa debaixo da sua poderosa protecção, que a regenerasse, que nos desse a Constituição e o soberano que a sua alta compreensão julgasse mais adequado à nossa felicidade (…)». O anúncio da partida da delegação coincidiu com anúncio de uma reorganização profunda do exército português, o que escondia outros propósitos; a saber, a extinção do exército de linha e sua conversão numa legião de tropas portuguesas ao serviço da grande Armée napoleónica como, aliás, se veio a realizar. 

Miguel Castelo-Branco


DEUS - PÁTRIA - REI

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