Um projecto que excedia a grandeza das proporções daquela montanha
de pedra: a ambição de um soberano que o papado elevou a Majestade
Fidelíssima, emulando os reis de Espanha e de França, e a manifestação
programática de quem reivindicava para Portugal o papel de potência
católica de primeira grandeza com mandato missionário na Ásia e na
América.
O Convento de Mafra nunca foi compreendido pela historiografia
portuguesa dos séculos XIX e XX. Se o reduzirmos à expressão
da caricatura, escoadouro do ouro e de energia gratuita, e se o tentarmos
compreender nas coordenadas do Memorial, é certo que canhestramente
o situaremos como manifestação de megalomania e desperdício. Porém,
em Mafra está a manifestação de uma potência e influência que Portugal
não mais voltou a ter, de uma segurança psicológica e até de um toque
de boa altivez que tanta falta faz na relação dos Estados com o mundo
exterior.
É sabido que desde o século XIX se montou intensa campanha difamatória
contra a dinastia de Bragança e contra a nobreza supostamente decaída
a partir "absolutismo" do período joanino. Em Rebelo da Silva (A Última
Corrida de Touros Reais em Salvaterra, 1848; A Mocidade de D. João V,
1852-53), em Oliveira Martins (História de Portugal e Portugal
Contemporâneo), em Junqueiro (Pátria, 1896), em Júlio Dantas (Os
inquéritos médicos às genealogias reais portuguesas - Avis e Bragança,
1909) e até na sempre frágil preparação historiográfica de Saramago
perpassam a "maldição dos Bragança", a "degenerescência" da
estirpe - beata, casmurra, idiota, caprichosa, reaccionária, decrépita,
sifilítica, vítima da consanguinidade, violenta ou afásica - e a sua
responsabilidade no Finis Patriae.
Sim, dizem as mentes anacrónicas, "Dom João V devia ter investido em
manufacturas, em vez de pedras e religião". O lugar-comum não resiste
à mais leve e honesta prova. Dom João V investiu muito em cultura, em
conhecimento e em ciência. Não, Portugal de D. João V não era,
como diz a historiografia oitocentista, um país bisonho, um "reino
cadaveroso", "supersticioso" e fora das grandes correntes do pensamento
ocidental do tempo. Para contrariar tais estórias, leia-se a obra de Henrique
Leitão, que vai ano após ano lapidando as fanadas mentiras que se foram
acastelando desde há mais de século e meio sobre aquele monarca a
quem Lisboa deveu dois observatórios astronómicos e a mais persistente
política de mecenato cultural, tecnológico e científico da nossa história.
Portugal era, ainda no século XVIII e graças à Companhia de Jesus -
um verdadeira internacional de conhecimento - um país tocado pelas musas
do engenho, do experimentalismo e da curiosidade.
MCB
Fonte: Nova Portugalidade
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