Um dos mais curiosos aspectos relacionados com a expansão portuguesa prende-se com a viagem das plantas, dos frutos e dos sabores, fenómeno a que temos dado a devida atenção, posto que teve assinaláveis repercussões na dieta de europeus, americanos e asiáticos, assim como na alteração profunda dos ecossistemas e práticas agrícolas das regiões tocadas por essa globalização dos hábitos alimentares operada a partir do século XVI.
Se nessa viagem dos sabores aqui já aludimos ao chá, ao açúcar de cana e ao café, falemos hoje do ananás, esse fruto trazido pelos portugueses do Brasil e que grande impacto teve na gastronomia europeia. Conta-se que Luís XIV, muito curioso de todas as novidades exóticas, quis degustar esse estranho fruto de aparência bizarra e quase ante-diluviana. O Rei Sol mandou que se cortasse uma fatia e depois de muito a mastigar afirmou: “tem um sabor agradável, é doce e sumarento, mas a parte de fora [a casca] oferece grande resistência”. Ou seja, Luís, o Grande, comeu a casca do ananás.
O ananás era então há muito conhecido dos portugueses que o haviam nomeado em finais do século XVI a partir da palavra guarani naná e, logo, transplantado para a Índia, onde recebeu acolhimento favorável, passando doravante a ser consumido em pratos doces, agridoces e até picantes. Ainda hoje a cozinha goesa indo-portuguesa reserva-lhe lugar de destaque. Depois, o ananás foi aclimatado aos Açores, onde passou a ser uma das fontes de riqueza da Ilha de São Miguel. Verdadeiro trabalho de cuidados, no século XIX o ananás era criado em estufas de madeira, alvenaria e vidro e plantado em terra enriquecida com fetos, urzes, silvas e ervas a que se chamava leiva. Com duas culturas anuais, o ananás era colhido, acondicionado em caixas e embarcado com destino aos mercados inglês, russo e francês. Pago regiamente pelos importadores, fez a riqueza das empresas e desse ciclo de grande prosperidade ficou saudosa memória.
MCB
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