Em quase todos os dias das últimas semanas, a imprensa nacional tem vomitado lamentáveis peças de opinião sobre o hipotético «Museu das Descobertas» em Lisboa.
Na semana passada, o primeiro-ministro de Portugal tomou de empréstimo a idiotia de toda aquela cáfila de académicos e activistas e enunciou nos jornais a necessidade de “descolonizar os Descobrimentos”. É difícil divisar o que é que esta linguagem possa significar, se é que pretende significar alguma coisa. António Costa sabe que “descolonizar” é um desses verbos que inevitavelmente tilintam como moeda no fundo do pote na mente de algum público, uma variação de campaínha pavloviana, à semelhança de “lutar” ou “reivindicar”, mesmo quando as acções que descrevem careçam de qualquer objecto. Adiante na estrada do niilismo, o primeiro-ministro sugere, outrossim, que o projectado museu se chame da “Descoberta”... E agora, sabemos, há o risco que o museu se chame da «Viagem»... Que dizer? Sempre a mesma retirada sobre o Aventino; sempre o mesmo recuo para a generalidade… Só desta forma, com esta evasão para o éter, com a fuga para a retaguarda de uma palavra que, capitalizada e no singular, nunca expressou nada de significado para nenhum português, para nenhum intelectual, para nenhum livro de história, é que se pode acomodar todas as perspectivas e, praticamente, obnubilar a experiência histórica concreta que fundava a intenção de levantar o museu.
Nós adivinhamos qual seria museu mereceria a resoluta aprovação daqueles académicos; qual seria a exposição que não lhes suscitaria a mais pequena objecção; qual seria a “narrativa” a que tributariam louvores. Seria aquela que, com uma encenada humildade, reconhecesse Portugal como um valhacouto de aventureiros semi-bárbaros, cuja maior glória consiste em ter procurado lucro em uma empresa genocida. Só essa representação de uma expiação colectiva é que satisfaria este desejo niilista de um país sem ontem. O desejo de um país que se tivesse deixado dissolver sem resistência na corrente da história, por ter aderido antecipadamente à cartilha de quietismo moral que é a pregação do dia daqueles académicos. Um país que tremesse ao ouvir os rumores de um mar desconhecido e que se houvesse contentado em contemplar o horizonte desde as suas costas. Um país que houvesse começado há pouco mais de quarenta anos, sem história, sem antepassados, sem caravelas, sem naus, sem Índia e sem Gama, sem Brasil e sem Angola. Um país, enfim, que tivesse aceitado a sua aniquilação política, moral e física.
A raíz é, evidentemente, um profundo sentimento de culpa pessoal e de ódio à própria existência que se deseja purgar por substituição vicária nos antepassados.
Hugo Dantas
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