«Se quiseres chegar ao coração dos povos e tocar a sua alma, começa por compreendê-los – na sua língua, nas suas tradições, nos seus costumes, nos seus olhos, nos seus valores; só então poderás ver a sua alma e saberás como levar até ela a Mensagem.»
Eis uma citação de um Manual de Instruções para os Missionários Portugueses de meados do século XVI, tão longe do «crês ou morres» referido por historiadores desonestos como atitude predominante dos evangelizadores lusos. Para que esta tarefa se tornasse possível, os Missionários Portugueses elaboraram manuais para a aprendizagem da língua portuguesa para as populações autóctones, bem como para tornar acessível aos missionários e colonizadores as línguas nativas. Desse extraordinário esforço resultou um conjunto de obras impressas que ainda hoje nos espanta pela sua precisão e técnica pedagógica: desde as «Cartinhas para ensinar a ler» de D. Diogo de Ortiz, Bispo de Ceuta, até aos manuais, dicionários e gramáticas das línguas nativas, como a «Arte da Língua de Angola» ou «Arte da Gramática das Línguas mais usadas no Brasil», entre muitos outros.
«Se quiseres chegar ao coração dos povos e tocar a sua alma…». Esta frase e tudo o que se lhe segue, escrita no século XVI por Portugueses e para Portugueses, traduz exatamente o sentir e a alma de um povo que soube encontrar-se com os outros povos que a Europa ainda não conhecia; com todos os defeitos, erros e desatinos que muitos cometeram – sem eles não seriam humanos; mas era uma linha de conduta que acabava sempre por vir ao de cima, tal como vinha já dos primeiros tempos da nacionalidade, e como continua ainda hoje num povo que não perdeu as faculdades de hospitalidade, convivência e abertura.
É este o sentido profundo da Portugalidade, que, apesar das sombras que também a enegreceram, conseguiu criar uma identidade e civilização comuns. Mau grado as dificuldades e obstáculos, o pequeno retângulo europeu conseguiu espalhar-se pelo mundo graças à sua capacidade de se envolver com o outro e compreendê-lo.
Miguel Martins
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