Comemora-se dentro de dias a batalha de Valverde, travada a 14 de Outubro de 1385, dois meses após Aljubarrota. Coube uma vez mais a Nuno Álvares Pereira vencer no campo de batalha.
A vida do Santo Condestável é orgulhosa réplica ao anti-herói que hoje se exalta como exemplo. Não é, pois, de estranhar que tantos desertores medalhados e promovidos às culminâncias do Estado, tantos objectores de consciência e tantos arranjistas tenham saído à liça para macular o herói português de sempre com defeitos e até, pasmemos, com as mais descabeladas insinuações sobre o património que Nuno Álvares Pereira teria acumulado no rescaldo da Revolução de 1383-85. Uns, menos atrevidos, nele só querem ver o cavaleiro da Idade Média tardia, entranhado da ética cavaleiresca. Outros, cujo horizonte e gabarito se limita à exaltação da vida entre a gamela e os negócios, minimizam-lhe as qualidades intemporais do arrojo e destemor reduzindo-o a um caudilho militar ou, pior, a um ambicioso manipulador que "fez" D. João I para destruir a velha nobreza que tomara partido por Castela. De Nuno Álvares conheço razoavelmente a bio-bibliografia oitocentista e novecentista, mas às interpretações hodiernas da grande figura prefiro, de longe, por que mais impressivas e exaltantes, a Crónica do Condestável (1526), o Condestável de Portugal (1610), de Francisco Rodrigues Lobo e El Heroe Portugues : vida, haçañas, vitorias, virtud, i muerte d'el Excelentissimo Señor, el señor D. Nuño Alvares Pereira, Condestable de Portugal , de António de Escobar.
O verdadeiro milagre de Nuno Álvares foi o de formalizar o patriotismo. Onde antes havia comunidades dispersas, vínculos e suzeranias, feudatários e pendões e caldeiras, Nuno Álvares fez uma comunidade de destino, insuflou-lhe unidade e libertou-a do tempo pequeno dos interesses. O milagre português confunde-se com Nuno de Santa Maria. Antes dele, para além dos "factores democráticos", pouco mais havia que uma lealdade dinástica, um território-património, um Estado que se confundia com as necessidades dos reis. Depois de Nuno Álvares, o Estado passou a ser um nós e os reis passaram a ser reis portugueses. Tudo isto confunde os marxistas e os capitalistas, que só entendem a nação ou como "superestrutura" ideológica ao serviço de "interesses de classe" ou como necessidade "sexy", que a não vingar, aceita a mudança "sexy" das fidelidades bem pagas, o confortozinho da alcova e da mesa bem servida. Portugal foi e é uma nação pobre. Milagre foi o de haver conseguido fazer tanto com tão pouco e, depois, com tanto medo à solta, projectar Portugal para fora da Europa, dando-lhe um destino e uma missão que continua, queiram ou não os tribalistazinhos filoeuropeus, a confundir-se com as sete partidas do mundo. D. Nuno não é uma personagem literária; existiu e é vulto inspirador para tantos que teimam em permanecer portugueses - isto é, nós - num tempo de penumbra e demissão.
MCB
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