Sabemos que as relações diplomáticas entre Portugal e a Rússia são tardias, contudo não seria de descurar a sua importância, nem muitas das vicissitudes que conheceu. O primeiro cônsul português na Rússia, Joăo António Borcher, banqueiro de Hamburgo, foi nomeado em 1769, e desde então os laços diplomáticos não cessaram de aprofundar raízes. Podemos dizer que a Rússia deixou de ser um mistério para o ocidente e Portugal contribuiu para revelar esse oculto e exótico mundo eslavo, porquanto a inteligência assim o concebesse, sentindo um mundo separado, mais asiático do que europeu. Apesar de tudo, as reformas desde Pedro I a Catarina II, ao movimento do Dezembrismo, permitia já constatar numa ânsia ocidentalista dentro do império e verdadeiramente um sentido de abertura necessária à nova dinâmica nas relações internacionais.
Francisco José Horta Machado foi o primeiro embaixador português em São Petersburgo, onde chegou a 20 de Outubro de 1779. Não foi a primeira escolha, mas foi certamente a mais indicada. Sabemos que nasceu em 1746 e que faleceu em 1817. Antes de São Petersburgo foi ministro em Madrid e Haia. Além de conhecido numismata, diz-se que reuniu o maior museu numismático de Portugal, foi homem de letras e estudioso incansável. Entre outras funções reconhecidas foi guarda-mor da Torre do Tombo e sócio correspondente da Academia das Ciências de Lisboa.
Atendendo à troca de correspondência conhecemos as particulares preocupações que sentia em ser destacado para um país longínquo e que exigiria avultado investimento. Queixava-se sobretudo da vida luxuosa de São Petersburgo e das grandes despesas que teria de fazer. A rainha, D.Maria I, responde, aceitando o pedido e resolvendo "que os ordenados para o Ministério da Rússia fossem mais avultados (...)".
Para Portugal, a czarina Catarina II, envia o conde Wilhelm von Nesselrode, o primeiro embaixador russo em Portugal. José Horta Machado chega à Rússia bem mais cedo do que o seu homólogo, mas com um ano de atraso em relação à sua nomeação, pois decidira-se a passar primeiro por Londres para receber de Luís Pinto de Sousa Coutinho um trabalho de investigação exaustivo designado "Instruções sobre o Comércio da Rússia", revelando o interesse das autoridades portuguesas nesta cooperação.
As relações diplomáticas recém-criadas não decorreram pacificamente, a conjuntura internacional acelerava a crise entre as potências com a independência das colónias da América do Norte, onde intervieram ao lado dos insurrectos tropas espanholas e francesas no desafio ao poderio britânico dos mares. Como retaliação, a Inglaterra impõe um bloqueio marítimo aos navios americanos, Portugal, dada a conhecida dependência face à velha aliada, aceita, enquanto que Espanha e França rejeitam. À Rússia, Londres pede que intervenha ao seu lado contra os rebeldes, Catarina II, rejeita e propõe um Tratado de Neutralidade Armada, aceite por Madrid e Paris, assim como outros países neutros, mas rejeitada por Londres e Lisboa. É verdade que para o nosso diplomata em São Petersburgo a vida não foi fácil a nível diplomático, quando a tensão entre as potências europeias agravava-se.
Apesar de todas as crises, a aliança portuguesa com a Inglaterra não terá posto em causa as relações com a Rússia, mesmo encurralados no intrincado problema diplomático, afinal ambos os povos celebrariam entre 1780 e 1800 vários tratados importantes na consolidação das relações bilaterais. Portugal celebra com a Rússia um tratado de comércio marítimo, ratificado em 1782, no fundo retomava a ideia da Liga dos Neutros, concebida por Catarina II, agora designada "Convenção Marítima para a Protecção da Liberdade de Navegação Mercante Neutra".
Os esforços para aprofundar a amizade conduz à celebração do Tratado de Amizade, Navegação e Comércio (1787) que exigiu longas conversações até à sua final ratificação. Por volta desta altura são nomeados respectivamente os primeiros cônsules para a Rússia e Portugal, significando ao mesmo tempo que a presença portuguesa em terras russas tornava-se cada vez maior.
Não cessando as relações bilaterais, em 1798 é assinado um Tratado do Comércio entre Maria I de Portugal e Paulo I da Rússia, no mesmo ano é ainda assinado um tratado secreto de navegação e comércio entre os mesmo soberanos e em 1800 é celebrado o Tratado de Aliança Defensiva com Portugal.
A memória do nosso diplomata foi várias vezes celebrada, mas da sua passagem por São Petersburgo, além das formalidades diplomáticas, pouco está ao alcance do nosso conhecimento.
Francisco José Horta Machado viveu no centro das convulsões, num fim de século agitado, pois estava em São Petersburgo quando rebenta a revolta nas colónias americanas (1776) e quando rebenta a revolução francesa (1789).
Dele fez referência, nas suas memórias, Manuel Inácio Martins Pamplona Corte Real. O político e militar, mais tarde pró-francês e depois integrante da Legião Portuguesa, então voluntário no exército russo na luta contra os turcos e que, de passagem por São Petersburgo, levava referência para ser recebido pelo embaixador Francisco Horta Machado, pois empreendera uma longa viagem ao atravessar a Europa para se reunir com o exército russo na Moldávia. Aliás, Manuel Inácio Martins Pamplona foi integrado em 1784 no exército russo e nomeado Tenente do Batalhão de Granadeiros de Kiev. Deste encontro legou-nos também uma breve descrição do embaixador que ressalta pela empatia causada e pela generosidade reconhecida.
Terá também cruzado conhecimento com Gomes Freire de Andrade, pois estava o militar de passagem pela Rússia, ao serviço de Catarina II. A propósito escrevia o nosso embaixador para a corte portuguesa, em 1789, que o militar português recebera das mãos da imperatriz a Ordem Militar de São Jorge. Desempenhando brilhantemente as funções militares, da Rússia, Gomes Freire, só levou elogios.
Francisco José Horta Machado veio a morrer em Lisboa no ano de 1817.
Daniel Sousa
Fonte: Nova Portugalidade
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