quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Nagasáqui, a portuguesa

Foto de Nova Portugalidade.


Com excepção de Helenos e Romanos, nunca povo algum emulou os portugueses na edificação de cidades ou na conversão de insignificantes povoados em pujantes metrópoles comerciais, políticas e religiosas. De Luanda a Bissau, Cacheu e Ilha de Moçambique, Beira e Lourenço Marques, de Ouro Preto a Mariana, Belém do Pará, São Luís do Maranhão, Recife, Salvador, Olinda, Diamantina, Rio de Janeiro e São Paulo, de Goa a Colombo, Diu, Damão, Bombaim, Macau, Calcutá, Chittagong, Djacarta e Bangkok, nos limites do seu império ou em regiões onde espontaneamente surgiram comunidades católicas, Portugal escreveu páginas de ouro na história do urbanismo.

No Extremo-Oriente, assim que tocaram as ilhas nipónicas em Tanegashima (1543) e Hirado (1550), lançaram-se os portugueses em irreprimível surto de construções que marcaram profundamente a paisagem urbana do sudeste japonês durante o Século Cristão. Em busca de negócios, logo sobreveio a paixão ardente do proselitismo. Em 1549, Francisco Xavier desembarcou em Kagoshima e lançou-se à conquista espiritual daquele arquipélago nos confins do mundo. Incomodados pela proximidade dos senhores feudais japoneses, e não se-lhes querendo submeter, os portugueses encontraram em Kyushu um local que correspondesse às premissas que encontramos na maioria das cidades marítimas portuguesas de Quinhentos: um istmo com porto natural de águas profundas, larga enseada, praias arenosas, colinas circundantes.

Esse lugarejo encontrado era Nagasáqui. Em 1571, iniciou-se a febril construção daquela que viria a ser a capital cristã do Japão, e no ano seguinte ali lançava ferro a primeira nau do trato. O povoado cresceu, trepando pelas colinas, atraindo milhares de camponeses em busca de uma mudança nas suas vidas. Ora, tal mudança deu-se não só pela riqueza que ali afluía, mas pela surpreendente mensagem de Amor, fraternidade, misericórdia e salvação que a religião dos portugueses proclamava. O impacto do cristianismo foi profundo, e logo acorreram dezenas de milhares, e depois centenas de milhares de japoneses à nova fé que se lhes revelava pela pregação daqueles padres de longas barbas e sotainas negras tomados de fogo predicador.

O mais notório destes pescadores de almas era um certo Luís de Almeida. Cristão-novo e herborista , chegara ao Oriente em 1548 para se dedicar ao comércio, mas subitamente, em 1552, tomado de ardente crise mística, abandonou o caminho das riquezas mundanas e trocou-as pela busca dos tesouros de Deus, integrando a Companhia de Jesus sem, contudo, ser ordenado sacerdote. Fixou-se em Hirado, mas depois decidiu-se por Nagasáqui, onde abriu uma enfermaria, acolhendo e tratando as enfermidades dos camponeses e pescadores, praticando com grande saber a cirurgia. Tal foi o sucesso das suas intervenções que o seu nome passou a atrair multidões que acorriam ao pequeno hospital tratando-o por Pai. Tido por homem de poderes sobrenaturais, logo lhe pediram que lhes desvendasse os segredos Daquele Deus que se dizia curar os corpos e as almas.

Na antiga aldeia havia um templo budista, que logo se esvaziou de seguidores do Iluminado para se converter em igreja. Porém,verificou-se que tal templo era exíguo, pelo foi construída uma igreja branca que recebeu o nome de São Paulo e que se tornou no principal edifício da cidadezinha. A primeira imagem colhida por quantos, vindos do mar, se acercavam do porto de Nagasáqui, era São Paulo: alta, de paredes em alvenaria e fachada branca, um sino e grandes janelas envidraçadas que coavam a luz.

Em finais do século XVI, Nagasáqui era uma cidade cristã, pelo que a cultura nipónica de base foi sofrendo mutações, cedendo à pressão da aculturação que se espraiou na forma de vestir, na culinária, na contagem do tempo, nos objectos do quotidiano e formas de falar próprias das comunidades cristianizadas. Depois, sobrevieram as grandes perseguições, o catolicismo foi banido, os padres expulsos, os fiéis martirizados ou obrigados a esconder por séculos a sua fé. Tudo isso resistiu em clima de ocultação. Hoje, todos os anos, os habitantes de Nagasáqui celebram um grande festival, designado Kunchi, onde o nome, os símbolos e marcas de Portugal são lembrados como parte do carácter da cidade.

MCB

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