A ideia corrente que circula pela maior parte da historiografia e do imaginário coletivo português ainda é a de que, a partir da segunda metade do século XVI, o Império luso começou a entrar numa espiral depressiva, degenerando rapidamente num declínio irrecuperável. Em muitas Histórias de Portugal é frequente encontrar este tipo de narrativa, que reivindica que uma concorrência estrangeira teve a maior facilidade em deitar abaixo o monopólio comercial português. A ideia central radica numa suposta evolução descendente que teria o seu ponto culminante em Alcácer Quibir, o corolário da desgraça que se abatia sobre Portugal desde há décadas.
Na verdade, isto trata-se de um problema das fontes que enganam o historiador e não lhe dão uma visão factual e objetiva do que era a realidade. Durante o reinado de D. João III (1521-1557) a área controlada pela Coroa portuguesa não parou nunca de se expandir num processo extraordinariamente dinâmico, fruto tanto da sua ação militar direta como de mercadores e missionários que agiam por contra própria.
No Brasil, D. João III criou um novo sistema administrativo, o governo geral, que substituiu o ineficaz paradigma das capitanias-donatarias, inaugurando uma ocupação efetiva dos vastos territórios sul-americanos que seriam, anos mais tarde, sustentáculo económico vital da Restauração. Ao mesmo tempo, os Portugueses continuavam a dominar num regime de hegemonia clara o comércio do Índico, acrescentado ao facto das relações com a China e o Japão terem começado a ser também proveitosas do ponto de vista comercial. Ao mesmo tempo que a hegemonia marítima se mantinha, o paradigma da territorialidade começava também a ganhar expressão. Esta situação manteve-se praticamente inalterada durante o reinado de D. Sebatião. Ou seja, quando o jovem Rei morreu, nunca o Império estivera tão vasto e rentável. A realidade factual desmente por completo a acusação que muitos nobres deixaram por escrito: a de que o Império estava em decadência. De onde provinha então este sentimento?
A política de D. João III havia privilegiado a rentabilidade económica do Império em detrimento da expansão e conquista militar. Ora, a nobreza, criada num ideal de cavalaria que a enchia de ímpetos guerreiros, viu isto com muitos maus olhos. Para este grupo social, a expansão portuguesa deveria corresponder à luta contra o infiel, à glória militar e à demonstração de bravura heroica no campo de batalha, e não a mero comércio lucrativo, que a nobreza desprezava liminarmente. O abandono das praças portuguesas em Marrocos, que eram economicamente insustentáveis e militarmente indefensáveis, foi muito mal recebida entre os fidalgos, que viram o Rei como um cobarde por permitir os sarracenos ficarem com as praças que os seus antepassados haviam conquistado com sangue. Assim, criticaram com virulência a política imperial joanina, sentindo uma “decadência” por o seu ideal de cavalaria não estar a ser satisfeito, quando na realidade o Império estava no seu auge como entidade orgânica e pluricontinental.
É daqui que vem o mito totalmente falso da decadência do Império na segunda metade do século XVI. A ênfase geralmente posta nos naufrágios e nos custos de manutenção do Estado da Índia são absurdos, já que mais de 90% das viagens da Rota do Cabo decorriam sem sobressaltos, e o lucro dos produtos comerciados era mais do que suficiente para cobrir os custos com o Estado da Índia. O Império Português da segunda metade do século era um Império pujante, de boa saúde e dinâmico, tendo-se expandindo quase ininterruptamente desde os tempos de D. Manuel I. Que se acabe com o mito erróneo.
Miguel Martins
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