Escrito nas entrelinhas do Antigo Testamento, o mito do Quinto Império teve a sua génese na profecia de Daniel, que havia interpretado o sonho do Rei da Babilónia. Segundo o profeta, três grandes Impérios se sucederiam ao da Babilónia, sendo que o quinto seria o Reino de Deus, o último e o mais perfeito de todos, como expressão acabada da Humanidade e dos planos de Deus para ela. De acordo com a interpretação geralmente aceite, estes quatro Impérios seriam o da Babilónia, o Medo-Persa, o da Grécia e o de Roma. O quinto Império, segundo o profeta Daniel, seria o de Israel.
Este mito foi reformulado e reinterpretado por vários pensadores portugueses, entre eles Bandarra, o Padre António Vieira, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva.
As trovas de Bandarra falavam da vinda de um Imperador universal, e foi o Padre António Vieira quem pela primeira vez começou por associar o Quinto Império ou o de Deus, com Portugal e com o regresso de D. Sebastião. No entanto, seria com Fernando Pessoa que esta ideia seria levada ao seu expoente máximo, e ficaria bem consolidada e estruturada em termos ideológicos. Desde logo, para Pessoa, o «esquema» dos Impérios é outro: o primeiro foi o da Grécia; o segundo, o de Roma; o terceiro, o da Cristandade; o quarto, o da Europa e o quinto será o de Portugal. O Império Português será, não um Império material como os anteriores, nomeadamente o dos Descobrimentos, mas um Império universal, já que Pessoa concebe o «homem lusitano à medida do mundo»; será um Império civilizacional e espiritual, baseado numa identidade cultural e na paz universal. Este Império, por outro lado, pressupõe o regresso de um Messias redentor, concretamente D. Sebastião tornado símbolo, que, com a sua chegada, será o mensageiro da paz universal e o portador da «Eucaristia Nova», que há-de, qual Galaaz, "ao mundo dividido revelar o Santo Graal", isto é, o sentido perdido da verdade de ser português e do novo Ser Humano. Em suma, o Quinto Império será um Império de fraternidade universal a ser vivido na Terra, uma espécie de utopia tornada realidade. Enraizado no mito do Paraíso Perdido, o espaço edénico onde reinava a perfeição, o mito do Quinto Império preconiza o renascimento humano numa era futura. A estrutura da Mensagem divide-se em três partes, que correspondem a três fases da existência portuguesa: o nascimento ("Brasão", símbolo da formação do reino), o percurso, que corresponde à duração, à vida ("Mar Português", manifestação da acção humana) e a morte ("O Encoberto"), após a qual terá lugar o renascimento, numa espécie de retorno ao Paraíso Perdido. Há um ciclo iniciático e místico a ser cumprido por Portugal, mortificado pela decadência que o assolou desde Alcácer Quibir, e que só será resolvida com a dissipação do nevoeiro do qual emergirá renascido D. Sebastião. A formulação ideológica do mito do Quinto Império está profundamente marcada por um esoterismo próprio de Pessoa, e sem o qual é impossível de o compreender totalmente.
Quer se acredite nele ou não, o mito do Quinto Império é uma asserção inequívoca da identidade portuguesa e que aponta o futuro do país num sentido: o da sua afirmação enquanto identidade com um caminho próprio e independente, mas ao mesmo tempo profundamente interligado com o dos outros países. Através do mergulho em si mesmo, da auto-consciência do seu próprio valor, e da trilha de um destino singular, Portugal poderá ser um exemplo para o Mundo, guiando-o numa nova direção civilizacional. Portugal seria, assim, uma Nação universal. Quão magnífico é que isso não seria?
Miguel Martins
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