Falecido D. Fernando I de Portugal, iniciou-se a Crise de 1383-85, pois os filhos varões do Rei, com D. Leonor Telles de Menezes, haviam morrido; e D. Beatriz (1372 – 1410), Infanta de Portugal, havia casado com D. João I, Rei de Castela, pelo que, sob pena de anexação de Portugal pelo Reino de Leão e Castela, a fidalguia portuguesa pretendia mantê-la afastada da sucessão. E era fortíssima a ameaça da união – que soava a integração – de Portugal com Castela e Leão, resultado do Tratado de Salvaterra de Magos, de 1383. Também, a burguesia mostrava-se desagradada com a regência da Rainha D. Leonor Telles e do seu amante, o Conde D’Andeiro e com a ordem da sucessão.
Estava por essa altura o país fragmentado em três facções que reclamavam a legitimidade à sucessão:
De um lado estava o partido legitimista, fiel a Castela, que defendia a causa da Infanta D. Beatriz, mulher do rei de Castela, a quem consideravam a única herdeira legítima do Rei de cujus, e entendiam vigorar plenamente o Tratado de Salvaterra de Magos, uma escritura antenupcial que defendia, a união dos dois reinos ibéricos, e ainda a regência da Rainha-viúva D. Leonor Telles, consorte do rei decesso.
Outro partido era o legitimista-nacionalista, a quem repugnava a ideia da perda da independência nacional – o que excluía D. Beatriz – e que era constituído pelos irmãos de D. Inês de Castro, D. Álvaro Pires de Castro e D. Fernando de Castro, e que defendiam a legitimidade da pretensão dos seus sobrinhos, o Infante D. João e o Infante D. Diniz, filhos do Rei D. Pedro I e D. Inês, e que portanto eram meios-irmãos do finado el-rei D. Fernando, e que o rei Cru, havia legitimado por casamento clandestino.
O terceiro partido, estritamente nacionalista, pugnava por um Rei português e colocava a supremacia e independência nacional acima de qualquer legitimidade, o que excluía a Infanta D. Beatriz, rainha de Castela e os filhos de D. Inês de Castro que viviam em Castela e, inclusive, já haviam combatido por esse Reino. Para estes últimos partidários, nos quais se incluíam o fervoroso D. Nuno Álvares Pereira, não restava então outra solução do que esquecer as habituais regras de sucessão e considerar o trono vago, como forma de salvaguardar a soberania nacional, elegendo como Rex Portucalensis D. João, Mestre de Avis, ainda que filho bastardo de D. Pedro.
O exercício de retórica para convencer a elite de Portugal congregada nos Três Estados, reunidos nas Cortes em Coimbra, a 06 de Abril de 1385, coube a João das Regras, que demonstrou que quer D. Beatriz quer os Infantes não eram filhos legítimos, a primeira porque o casamento entre D. Fernando e D. Leonor Telles de Menezes era inválido uma vez que o 1.º casamento da rainha não havia sido dissolvido legalmente, e que quanto ao filhos de Pedro e Inês o rei e os seus cortesãos havia prestado falsas declarações no que ao concerne ao casamento secreto de D. Pedro e D. Inês, embuste com a qual pretendeu legitimar os filhos. Todos os ali reunidos renderam-se ao exercício de oratória empolada de João das Regras e D. João foi eleito e Aclamado Rei pelas Cortes. Rei de Portugal, não por “direito próprio”, mas por eleição unânime e instado pelos Três Estados o que de acordo pela Lei medieval correspondia a um sinal da vontade Divina. D. João I consolidou definitivamente a sua posição e a de Portugal ao ser proclamado Rei de Portugal pelas Cortes reunidas em Coimbra.
Apesar das sucessivas derrotas militares, como em Lisboa e nos Atoleiros, o rei D. João I de Castela não desistira da coroa de Portugal, que entendia advir-lhe ius uxoris pelo casamento e opondo-se a tal resolução, responde invadindo Portugal, pela Beira-Alta, em Junho de 1385, e desta vez à frente da totalidade do seu exército e auxiliado por um forte contingente de cavalaria francesa. Quando as notícias da invasão chegaram, João I encontrava-se em Tomar na companhia de D. Nuno Álvares Pereira, o condestável do reino, e do seu exército, e mais uma vez, o chicote de Portugal, D. Nuno Álvares Pereira resolve tomar rédeas à situação e sitia as cidades que entretanto se converteram fiéis a Castela. Avança e a decisão tomada foi a de enfrentar os castelhanos antes que pudessem levantar novo cerco a Lisboa. Com os aliados ingleses, o exército português interceptou os invasores perto de Leiria. Dada a lentidão com que os castelhanos avançavam, D. Nuno Álvares Pereira teve tempo para escolher o terreno favorável para a batalha e a 14 de Agosto de 1385 tem a oportunidade de exibir toda a sua mestria e génio militar em Batalha.
A opção para a Batalha recaiu sobre uma pequena colina de topo plano rodeada por ribeiros, no Campo de São Jorge, Calvaria de Cima, nas imediações da vila de Aljubarrota, entre Leiria e Alcobaça. Contudo o exército Português não se apresentou ao Castelhano nesse sítio, inicialmente formou as suas linhas noutra vertente da colina, tendo depois, já em presença das hostes castelhanas mudado para o sítio predefinido, isto provocou bastante confusão nas tropas de Castela. Assim pelas dez horas da manhã do dia 14 de Agosto, o exército português e os aliados ingleses comandados por El-Rei de Portugal D. João I e o Condestável do Reino tomaram a sua posição na vertente norte desta colina, de frente para a estrada por onde o exército castelhano e seus aliados franceses liderados por D. Juan I de Castela e Leão, eram esperados.
A disposição portuguesa era a seguinte: infantaria no centro da linha, uma vanguarda de besteiros com os 200 archeiros ingleses, 2 alas nos flancos, com mais besteiros, cavalaria e infantaria. Na retaguarda, aguardavam os reforços e a cavalaria comandados por D. João I de Portugal em pessoa. Desta posição altamente defensiva, os portugueses observaram a chegada do exército castelhano protegidos pela vertente da colina. A vanguarda do exército de Castela chegou ao teatro da batalha pela hora do almoço, sob o sol escaldante de Agosto. Ao ver a posição defensiva ocupada por aquilo que considerava os rebeldes, o Rei de Castela tomou a esperada decisão de evitar o combate nestes termos. Lentamente, devido aos 30.000 soldados que constituíam o seu efectivo, o exército castelhano começou a contornar a colina pela estrada a nascente. A vertente sul da colina tinha um desnível mais suave e era por aí que, como D. Nuno Álvares previra, pretendiam atacar. O exército português inverteu então a sua disposição e dirigiu-se à vertente sul da colina, onde o terreno tinha sido preparado previamente. Uma vez que era muito menos numeroso e tinha um percurso mais pequeno pela frente, o contingente português atingiu a sua posição final muito antes do exército castelhano se ter posicionado. D. Nuno Álvares Pereira havia ordenado a construção de um conjunto de paliçadas e outras defesas em frente à linha de infantaria, protegendo esta e os besteiros. Este tipo de táctica defensiva, muito típica das legiões romanas, ressurgia na Europa nessa altura. Pelas seis da tarde, os castelhanos ainda não completamente instalados decidem, precipitadamente, ou temendo ter de combater de noite, começar o ataque. É discutível se de facto houve a tão famosa táctica do “quadrado” ou se simplesmente esta é uma visão imaginativa de Fernão Lopes de umas alas reforçadas. No entanto tradicionalmente foi assim que a Batalha acabou por seguir para a história. O ataque começou com uma carga da cavalaria francesa a toda a brida e em força, de forma a romper a linha de infantaria adversária. Contudo as linhas defensivas portuguesas repeliram o ataque. A pequena largura do campo de batalha, que dificultava a manobra da cavalaria, as paliçadas (feitas com troncos erguidos na vertical separados entre si apenas pela distancia necessária à passagem de um homem, o que não permitia a passagem de cavalos) e a chuva de virotes lançada pelos besteiros (auxiliados por 2 centenas de arqueiros ingleses) fizeram com que, muito antes de entrar em contacto com a infantaria portuguesa, já a cavalaria se encontrar desorganizada e confusa. As baixas da cavalaria foram pesadas e o efeito do ataque nulo. Ainda não perfilada no terreno, a retaguarda castelhana demorou a prestar auxílio e, em consequência, os cavaleiros que não morreram foram feitos prisioneiros pelos portugueses. Depois deste revés, a restante e mais substancial parte do exército castelhano atacou entraram em confronto com a infantaria portuguesa: “Castyla! Sant’iago!” ao que os portugueses replicaram bradando “Portugal! São Jorge!”. A linha castelhana era bastante extensa, pelo elevado número de soldados. Ao avançar em direcção aos portugueses, os castelhanos foram forçados a apertar-se (o que desorganizou as suas fileiras) de modo a caber no espaço situado entre os ribeiros. Enquanto os castelhanos se desorganizavam, os portugueses predispuseram as suas forças dividindo a vanguarda de D. Nuno em dois sectores, de modo a enfrentar a nova ameaça e onde se destacou com especial bravura a famosa Ala dos Namorados.
Mas, vendo que o pior da investida castelhana ainda estava para chegar, o Rei de Portugal ordenou a retirada dos besteiros e archeiros ingleses e o avanço da retaguarda através do espaço aberto na linha da frente. Desorganizados, sem espaço de manobra e finalmente esmagados entre os flancos portugueses e a retaguarda avançada, os castelhanos pouco puderam fazer senão morrer.
Ao entardecer a batalha estava já perdida para Castela. Precipitadamente, D. João de Castela ordenou uma retirada geral sem organizar uma cobertura. Os castelhanos debandaram então desordenadamente do campo de batalha. A cavalaria Portuguesa lançou-se então em perseguição dos fugitivos, dizimando-os sem piedade. Alguns fugitivos procuraram esconder-se nas redondezas, apenas para acabarem mortos às mãos do povo. Surge aqui um mito português em torno da batalha: uma mulher, de seu nome Brites de Almeida, recordada como a Padeira de Aljubarrota, iludiu, emboscou e matou, pelas próprias mãos, alguns castelhanos em fuga. A história é por certo uma lenda da época! De qualquer forma, pouco depois, D. Nuno Álvares Pereira ordenou a suspensão da perseguição e deu trégua às tropas fugitivas. Ao amanhecer do dia seguinte, a catástrofe sofrida pelos castelhanos ficou bem à vista: os cadáveres eram tantos que chegaram para barrar o curso dos ribeiros que flanqueavam a colina e o barulho ensurdecedor do crocitar dos corvos contribuía para o cenário de terror. Para além de soldados de infantaria, morreram também muitos nobres castelhanos, o que causou luto em Castela.
A Batalha de Aljubarrota representa uma das raras grandes batalhas campais da Idade Média entre dois exércitos régios e um dos acontecimentos mais decisivos da História de Portugal. No campo militar significou a inovação de uma táctica, onde os homens de armas apeados foram capazes de vencer a poderosa cavalaria medieval. No campo diplomático, permitiu a aliança entre Portugal e a Inglaterra, que perdura até aos dias de hoje, pois no ano seguinte foi assinado o Tratado de Windsor, aliança consolidada em 1387 pelo casamento de D. João I com a Princesa Inglesa Dona Filipa de Lencastre (Lady Phillippa of Lancaster), filha de John Gant, Duque de Lancaster, e neta do então monarca inglês Eduardo III, de cujo consórcio matrimonial nasceria a Ínclita Geração. No aspecto político, resolveu a disputa que dividia o Reino de Portugal do Reino de Leão e Castela, permitindo a afirmação de Portugal como Reino Independente.
Miguel Villas-Boas – Plataforma de Cidadania Monárquica
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