A ordem internacional caminha rapidamente, tudo o indica, para o
multipolarismo e até mesmo para um novo realinhamento em blocos.
País atlântico, partilhando a língua e a memória histórica com um
grande Estado em ascensão (Brasil), com a nascente potência angolana
e até com o mais recente Estado asiático (Timor-Leste), à portugalidade
poderá caber um papel na intermediação de conflitos, tensões e
incompreensões que certamente adensarão as relações entre o Ocidente
e as outras civilizações.
Se há uma universalidade possível, uma consciência que é apanágio do
tempo presente – um homem que se diz civilizado não o pode ser se não
aceitar o direito à participação e escolha dos homens, sem distinção de
sexo, etnia e grupo social no governo da sua sociedade; como também
não pode ser civilizado se não repudiar a escravidão, a tortura e a opressão
dos fracos – essa terá de ser entendida apenas no pressuposto da
permeabilidade das diversas matrizes à assunção da única gramática
comum, aliás contida em todas as expressões do sagrado, dos textos
sapienciais às religiões reveladas, das cosmogonias primitivas às filosofias.
O não matar em vão e o não roubar são culturemas universalmente
partilhados pela espécie humana que antecedem em milénios as solenes
racionalizações do século XVIII.
A tentação de ver democracias e mercado espalhados pelo orbe, ao invés
de permitir a criação de uma comunidade dos homens, mais importante
do que a comunidade internacional dos Estados, pode provocar o caos
e uma perigosa resposta a esse cruzadismo nascido em alguns think
tanks do hemisfério norte. Forçar civilizações e culturas para as quais a
democracia de feição ocidental, de ethos individualista, é sinónimo de
destruição da comunidade, da hierarquia, da disciplina e de outras
expressões do estatismo orgânico em que sempre viveram, pode
redundar, não no triunfo da democracia, mas no triunfo de tiranias reactivas
de magnitude por ora incalculável. Para o concerto entre as nações e o
apaziguamento de vontades de imposição e aculturação violenta pode e
deve a Portugalidade concorrer.
Miguel Castelo-Branco
Fonte: Nova Portugalidade
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