Que país é esse que sofre entre a incúria dos políticos, a ganância dos chefes e a corrupção dos egoístas para ascender ainda assim, fazer-se ouvir ainda assim, e consubstanciar ainda assim as esperanças de centralidade e influência do hemisfério sul? Que Brasil é esse que cresce apesar da incapacidade esterilizadora da classe política e da conspiração dos que parecem apostados em prendê-lo à subalternidade e à cobiça das grandes companhias anglo-saxónicas? É um jovem de braço forte, mas espírito corrompido por décadas de mentira, de falsificação, de vitimização sem sentido, de mitificação do seu passado de grandeza e ocultação da sua identidade portuguesa. De todos os desafios com que se confronta a nação brasileira, nenhum é mais feroz no ódio ou perigoso nas implicações que a redução da História do Brasil à rejeição da sua portugalidade.
O que é, pois, o Brasil? Um Portugal maior, um gigante descoberto, desbravado e construído pela aliança entre a espada do bandeirante e a cruz do missionário. Não tem duzentos anos, mas quinhentos; não foi colónia, mas Portugal americano; não foi objecto, mas agente da História e verdadeiro centro de acção e decisão. O Brasil real, filho desse império que se estendia do sertão americano às costas escarpadas do Japão, em tudo difere da caricatura anti-portuguesa - e, crucialmente, anti-brasileira - que lhe faz a historiografia moderna. O Brasil que imaginam votado ao embrutecimento era casa de incontáveis escolas e colégios. Era berço de artistas de toda a sorte, de escultores e arquitectos - veja-se o brilhante Aleijadinho - a homens das ciências como Lacerda e Almeida, o intrépido descobridor da entranhas de África. Foi, ainda, como recordam Salvador Correia de Sá ou Alexandre de Gusmão, berço de tantos dos estadistas e capitães que fizeram e preservaram o império. E não foi o Brasil destinação do padre Vieira, o imperador das nossas letras? Dizem-no colónia, querendo humilhá-lo por haver sido português, mas não sabem que os direitos das cidades do Brasil eram os de Lisboa e do Porto, que as suas instituições políticas - os Senados das Câmaras, as Casas dos Vinte e Quatro - eram as do Portugal europeu?
Ao separar-se da terra-mãe, expulso que foi dela pelo radicalismo centralizador dos liberais de 1820, percebeu o Brasil o quanto era português, e português se manteve na independência. Fez-se república no momento da secessão, expulsou os Braganças, disse-os estrangeiros? Não, deu-lhes a sua coroa recém-forjada. Fez guerra, como todos os seus pares americanos de língua espanhola ou inglesa, aos símbolos do pai europeu? Não, adoptou-os como seus e colocou-os nas suas suas armas. Tão português é o Brasil que o estandarte da sua independência política - o da esfera armilar e da cruz de Cristo - é também o da continuidade espiritual e sentimental com Portugal. Nem a lei, que continuou a ser a portuguesa - as antigas Ordenações Filipinas, ainda em vigor à data da separação - abandonou de imediato, nem as grandes instituições do Estado demoliu, limitando-se a fazer "imperial" e "brasileiro" o que antes fora "real" e "português". Esta é a verdade do sangue do Brasil, da carne do Brasil, do espírito do Brasil. Esta é verdade do que é essa grande nação emergente: um Portugal continuado na América, um Brasil que só pode continuar brasileiro - e que só terá como salvar-se da americanização cruel que hoje lhe impõem - se mantiver forte a sua identidade portuguesa. Reavivá-la é a missão sagrada de todos os patriotas do Brasil.
RPB
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