sábado, 12 de agosto de 2017

UMA CHINA CRISTÃ? O GRANDE PROJECTO PORTUGUÊS DESTRUÍDO PELA INVEJA

Foto de Nova Portugalidade.

Se os portugueses sofrem de inveja, também nós, fomos desde sempre, invejados por outros povos. Inveja das nossas possessões, e cobiça do nosso triunfo no Oriente. 

Na segunda metade do século XVI e no princípio do século XVII, Portugal vivia o auge do seu domínio no Índico. Para além do número incontável de feitorias e fortalezas que foram fundadas desde o Golfo Pérsico ao Japão, a acção missionária crescia, cada vez era maior o número de conversões e vocações, tanto de indígenas, como de missionários. De início, pareceram os locais de fácil cristianização, mas depois, à medida que os esforços foram sendo maiores, percebeu-se que havia várias barreiras. Portugal quis levar o Ocidente ao Oriente, quis estabelecer laços e dar as mãos com povos de outras raças nunca antes conhecidas. Tanto na Índia como na China, o hinduísmo, o Budismo, o Taoísmo, as tradições de culto chinesas, o Confucionismo, nada tinham a ver com o catolicismo que se professava na Europa. O quotidiano dos povos era diferente, havia uma diferença abismal nas mentalidades, na Fé, na prática do acreditar, nas relações políticas entre chefes de estado e nas hierarquias sociais, de dois continentes que cresceram separados e que se encontravam agora pela primeira vez. Como sabemos, os principais responsáveis pela evangelização no Oriente, numa primeira fase, foram os jesuítas ao serviço do Padroado Português. Seguindo o exemplo do Apóstolo das Índias, aquele que mais e melhor converteu, S. Francisco Xavier, os jesuítas na China tentaram numa primeira fase perceber quais as melhores estratégias de conversão, penetrando na cultura Chinesa, e avaliando como poderiam iniciar esta empresa. Havia que se dar a conhecer aos poucos a realidade da Salvação a quem não a conhecia. Para isso, era necessário adaptar os valores da religião de Jesus Cristo às necessidades e crenças dos orientais.

Numa primeira fase da cristianização da China, vários padres jesuítas ao serviço do Padroado conseguiram estabelecer relações com responsáveis políticos, com sacerdotes e com o governadores locais, letrados e mandarins, matemáticos e cientistas, ganhando terreno e protecção para permanecerem no território. Constroem-se colégios de Jesuítas (no que merece destaque o de São Paulo, em Macau) e fundam-se igrejas com cada vez mais fiéis. O mérito, ficava para os jesuítas e para os portugueses. Contudo, essa acção de evangelização teve sucesso devido à inteligência e espírito visionário dos missionários que conseguiram adaptar e incutir a religião católica na tradição chinesa - e, no século XVII, chegou-se ao ponto da quase conversão ao cristianismo do imperador Chongzen. Para levar os chineses à igreja, pediu-se a Roma que abrisse algumas excepções à ortodoxia católica, tais como a possibilidade de utilizar a língua chinesa na liturgia, uma vez que só o Latim era utilizado e não era permitida a utilização do vernáculo nas celebrações (permitida em 1656 por Alexandre VII). Usaram também os símbolos e tradições locais para melhor mostrarem a presença de Cristo. Usava-se uma tabuleta, no cimo das igrejas com uma inscrição que traduzida quer dizer "Senhor Celestial" ou "Reverência para o Céu", isto porque os chineses tinham conhecida devoção pelo céu, com isso se fazendo mais fácil explicar onde estava, donde vinha e quem era o Redentor.

Com isto, houve quem se opusesse ao dizer que se tratava de uma tradução mal feita do sagrado nome de Deus. Depois, insurgiram-se contra a participação dos cristãos recém-convertidos - que os jesuítas haviam, sensatamente, permitido - em funerais e cerimónias de culto aos antepassados, à natureza ou a Confúcio. E, assim, veio a contestação à participação pelos padres do Padroado em cerimónias de Estado. Estes factos vieram a conduzir à derrocada do extenso labor evangelizador que havia sido feito na China. A convivência entre pessoas de diferentes credos foi perigada, deitando por água abaixo o trabalho dos missionários Matteu Ricci, Adam Schall e Martino Martini, entre muitos outros. E tudo isto devido à inveja; crescendo o sucesso do Padroado, e por isso a influência e penetração de Portugal na China, nasce a Sociedade para as Missões Estrangeiras de Paris e a Congregação de Propaganda Fide. Estas tratam, em lógica que deve ser integrada nos interesses políticos da coroa francesa, de enviar missionários Franciscanos e Carmelitas para o Império do Meio. Surgiu uma terrível rivalidade entre missionários de diferentes ordens religiosas e de diferentes nacionalidades, acompanhada de verdadeira perseguição aos chamados "ritos chineses". O cristianismo recalibrado, adaptado à mundivisão e necessidades dos chineses, foi formalmente censurado pelo Papa Clemente XI e votado a rigorosa perseguição. A China, naturalmente, reagiu. Se o Imperador Kangxi, Filho do Céu entre 1667 e 1722, tinha permitido a livre evangelização pelos missionários cristãos, agora vai, surpreendido com uma religião tão pouco tolerante e tão dada a violências, proibi-la. Quianlong e Jiajing continuaram a política, que conduziu à expulsão da China de todos os padres excepto os que serviam o Império como cientistas ou astrónomos. O cristianismo seria proibido.

Assim perdeu Portugal influência e amizade que lhe levara cento e cinquenta anos a construir; assim, também, se perderam para a Cristandade as vastidões geográficas e humanas da China. Os portugueses compreendiam a Ásia; os restantes europeus, não.

Tomás Severino Bravo

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