quinta-feira, 30 de novembro de 2017

A Conjura de 1640 – A Um Passo da Restauração

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Estava uma noite escura e fria, típica do Outono que já ia adiantado, e a neblina envolvia em segredo aquelas figuras que afundadas em capas e capotes negros se abafavam não só do frio, mas se escondiam de olhares indagantes. Os seus largos chapéus de abas e plumas escuras pareciam bailar enquanto as figuras que mal se recortavam no breu se esgueiravam pela noite adentro, sem outra coisa que os denunciasse que não fosse o brilho nos olhos de quem tinha a razão do seu lado, e os tacões que quando em vez apanhando um solo mais seco troavam, fazendo ladrar um cão na vizinhança. Convergiam todos para uma pequena porta incrustada na velha muralha fernandina.
Um a um, ou às vezes até mais quando o objectivo os fazia convergir ao mesmo tempo, batiam à portinhola e depois de reconhecidas as caras do outro lado pelo proprietário entravam e desciam os estreitos degraus um a um – porque não dava para o fazer de par em par – até desembocar no jardim do que parecia ser um Palácio. Iam entrando numa pequena sala na qual desembocava a escadaria, e que umas velas de luz mortiça teimavam em não se deixar apagar para alumiar os presentes. O encontro tinha que ser assim, no secretismo que aquele lugar possibilitava por estar longe dos olhares curiosos dos demais habitantes do Palácio, especialmente da criadagem – sempre de língua solta! -, até porque aquilo não era uma tertúlia, mas uma Conjura!
Livres dos embuços que serviram para os camuflar na noite, cumprimentaram-se todos efusivamente.
Que fazia convergir todos aqueles homens da Nobreza Portuguesa para aquelas reuniões conspirativas? A resposta era a Restauração da Liberdade nacional!
O que levara aqueles à possibilidade de tais perigos?!
A Restauração de Portugal Soberano e Independente!
Contra o que conjuravam?!
Contra a opressão estrangeira!
Durante o Domínio castelhano da nossa Pátria, sobretudo no de Filipe III (IV de Espanha), Portugal, na prática nada mais era do que uma província espanhola, dirigida à distância, por quem não patenteava qualquer atenção aos interesses e ânsias dos portugueses: a governação dos Filipes transformara-se em tirania.
Eclodiram movimentos de cariz popular, primeiro no Alentejo, contestando o aumento de impostos e as precárias condições de vida da população provocadas pela governação castelhana e que alastraria a todo o País.
Em 1639, Dom João II de Bragança, o 8.º Duque de Bragança, recém-nomeado Governador de Armas do Reino, instalou-se em Almada onde começou a receber a visita da nobreza e fidalguia, entre os quais D. Francisco de Mello e D. Antão de Almada e em breve as tertúlias ganham aspecto de algo mais profundo e sério, aflorando-lhes ideias da restauração da independência.
A justificação dos direitos dinásticos de D. João II de Bragança era facilmente demonstrável:
De acordo com a Lei das famosas Actas das Cortes de Lamego e o Direito Consuetudinário portugueses, já em 1580, extinta a Dinastia de Avis, Filipe I (II de Espanha), filho da Infanta Dona Isabel, sendo um Príncipe estrangeiro, não tinha direito ao trono português, tanto mais que havia, segundo estas leis do País um candidato natural e legítimo a Infanta Dona Catarina de Bragança, filha do Infante Dom Duarte e tal como Filipe I, neta d’ El-Rei Dom Manuel I. Dona Catarina contraiu matrimónio com D. João I de Bragança e o seu primogénito D. Teodósio II, foi o 7.º Duque de Bragança, que por sua vez foi pai de Dom João II de Bragança. Assim, pelo benefício da representação, era em D. João II de Bragança – trineto de Dom Manuel I de Portugal – que recaíam os direitos dinásticos que haviam sido usurpados à sua avó, a Infanta Dona Catarina, Duquesa de Bragança.
Recorde-se que a Sereníssima Casa de Bragança teve a sua fundação em Dom Afonso I, filho natural de Dom João I e de Inês Pires, uma mulher solteira. Tendo sido legitimado pelo Rei que lhe concedeu o título de Conde de Barcelos, Dom Afonso contraiu matrimónio com a filha de Dom Nuno Álvares Pereira, Dona Beatriz Pereira Alvim. Mais tarde, já na regência do seu meio-irmão Dom Pedro, foi por este concedido a Dom Afonso, o título de Duque de Bragança.
Por tudo isto, já em 1635, por altura do casamento de Dom Francisco de Mello, 3.º Marquês de Ferreira, D. João II de Bragança foi recebido como um Rei a ser, em Évora.
Eclode uma revolta na Catalunha, também, contra o centralismo do Conde-Duque de Olivares. A 7 de Junho de 1640, o Rei Filipe IV convoca Dom João II de Bragança para o assistir na viagem à Catalunha e colaborar na campanha de repressão que ia empreender. O Duque de Bragança enjeitou a convocação de Filipe IV, no que foi seguido por muitos nobres portugueses que receberam idêntica intimação, recusando-se também a obedecer a Castela.
Foi, então, que, secretamente, se vinha congregando um grupo de 40 Nobres, que viriam a ser denominados de Conjurados. Nas suas reuniões, no Palácio dos Almadas, propriedade do então titular, Dom Antão de Almada, 7º Conde de Avranches, o grupo patriótico português nascido clandestinamente, começou a analisar e engendrar a melhor forma de revolta contra o domínio castelhano. Principiaram então a tecer uma revolta que tivesse garantias de êxito.
A reunião desta noite de 12 de Outubro de 1640, é a mais importante de todas, pois além do Conde de Almada, fidalga e nobre família que tanto já tinha dado à sua Nação e se preparava para ainda mais dar, incluía D. Miguel de Almeida – o decano destes Conjurados -, o Monteiro-mor Francisco de Mello e seu irmão Jorge de Mello, António Saldanha, Pedro de Mendoça Furtado e o agente do Duque de Bragança em Lisboa, João Pinto Ribeiro.
– Meus senhores… – o anfitrião tomou a palavra –, já é o tempo de encontrarmos despacho neste arrojo conspirativo, pois que de todas as vezes que nos sentamos nesta tabula colocamos nossas cabeças mais perto do cepo! Não desejando perder a minha, tal como de igual modo acham Vossas Mercês grande utilidade às vossas, é o tempo da resolução e da audácia definitiva! Não pode esta tão grande Nação sob jugo ilegal estrangeiro continuar a sofrê-lo e os três estados a verem-se humilhados continuamente pelo ocupante. O tempo urge, por quanto tempo mais ficarão os castelhanos ocupados com aqueles arremedos de independência catalã?’
Depois de muito patuá é decidido indigitar um deles para se encontrar com o Duque de Bragança, no Paço Ducal de Vila Viçosa.
Como ficara decidido, na famosa reunião que agregara os célebres Conjurados, o encontro entre Pedro de Mendoça Furtado e Dom João II de Bragança acontece na segunda quinzena de Outubro, e o Duque é instigado a assumir o seu dever de defesa da autonomia portuguesa, assumindo o Ceptro e a Coroa de Portugal. Dom João II de Bragança mostra-se favorável, mas reserva uma resposta definitiva para depois de umas consultas com o Marquês de Ferreira, o Conde de Vimioso, o secretário António Paes Viegas e a própria Duquesa de Bragança, D. Luísa de Gusmão. Todos se mostrando favoráveis, Dom João II de Bragança decide apoiar incondicionalmente o coup!
A 10 de Novembro, o Duque entrega a João Pinto Ribeiro duas cartas com instruções: uma para D. Miguel de Almeida e outra para Pedro de Mendoça Furtado, que as recebem em 21 desse mês.
Era necessário apoio do Povo e também do Clero, ora os novos impostos lançados sem a autorização das Cortes empobrecia a população, e isso, também, se repercutia nos donativos à Igreja. Assim, a restauração seria do interesse dos Três-Estados. Faltava escolher o dia certo.
Somavam-se hesitações quanto ao dia perfeito para o golpe da Restauração, mas a 30 de Novembro, Dom João II de Bragança confirma a data do dia seguinte para a revolta: ‘A sua vida, sendo necessária, havia de ser a primeira que se desse pela liberdade da Pátria’, disse. Foi, então, agendada a revolução para o 1.º de Dezembro.
Miguel Villas-Boas – Plataforma de Cidadania Monárquica

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