sexta-feira, 24 de novembro de 2017

O Padre Eterno, o maior navio do mundo

Foto de Nova Portugalidade.


Da naturalidade do apetite português pelo mar ou da facilidade com que ele se adapta à braveza das ondas não há, ou poderia haver, questionamento razoável. No oceano, os portugueses satisfizeram aquela fome de conquista que a Espanha, agindo como muro entre Portugal e a Europa, deixara sem alimento possível. A expansão portuguesa fez-se dessa necessidade - a de fugir da Ibéria para o mundo - e construiu-se sobre curiosidade que se fez indústria, indústria que se fez arte e arte que se fez prodígio. Esse prodígio, a construção naval portuguesa, tornou-se afamada logo nas centúrias de XV e XVI, lançando-se de Lisboa e outros estaleiros nacionais os novos navios que toda a Europa copiaria. Menos compreendido é que esse saber-fazer resistiu à união com a Espanha, que durou de 1580 a 1640, e perpassou todo o século XVII. Esse grande motivo de orgulho - orgulho para os portugueses, temor para os seus adversários - que foi o galeão Padre Eterno prova-o eloquentemente.

O Padre Eterno foi produto de uma filosofia de construção - a aposta em embarcações verdadeiramente gigantescas - que não trouxe sempre o melhor fruto, mas que nem por isso deixaria de oferecer ao mundo alguns dos mais finos exemplos de boa construção naval. Construído no Brasil, o navio foi encomendado a estaleiro que era, à data, de estabelecimento recente. Fora fundado por Salvador Correia de Sá e Benevides, governador ilustre do Brasil e libertador de Angola e São Tomé e Príncipe. Correia de Sá ordenou que se criasse no Rio de Janeiro um estaleiro - denominado Ponta do Galeão - de onde a armada pudesse produzir as embarcações necessárias à defesa do império. O aeroporto que hoje serve o Rio, Rio de Janeiro-Galeão, faz referência, justamente, ao grande estaleiro naval da Armada portuguesa.

No Natal de 1663, lançou-se ao mar o imenso galeão. Em 1665, chegou ele ao Tejo, onde não deixaria de despertar o entusiasmo da população e a curiosidade dos muitos espiões estrangeiros presentes na capital imperial. Um periódico de então, o Mercúrio Português, di-lo-ia mesmo a maior embarcação do mundo. Assim relata a entrada em Lisboa da armada do Brasil daquele ano: "Em vinte deste [mês] começou a entrar no porto de Lisboa a frota do Brasil; vieram mais de quarenta navios de carga. (...) Veio nesta frota aquele famoso galeão que Salvador Correia de Sá e Benevides, sendo governador do Rio de Janeiro, fabricou naquele porto; o maior navio que há hoje, nem se sabe que houvesse nos mares, trouxe três mil caixas." E a maior do mundo era, de facto, à data da publicação daquelas linhas. Mais pesado que este colosso do mar, só o sueco Kronan, que se afundou na batalha de Oland em Junho de 1676 - mas o Kronan só em 1668 seria lançado ao mar, pelo que não sulcava ainda as ondas em 1665. Outros grandes galeões europeus se aproximavam, sem passá-lo, do gigante português de duas mil toneladas: o inglês Sovereign of the Seas, de 1700 toneladas; o francês Soleil Royal, de 1630 toneladas ou a espanhola La Salvadora, que seria de tonelagem semelhante à do Padre. O galeão português seria também o mais fortemente armado, pois contava com não menos de 144 peças de artilharia. Nisso se superiorizava ao sueco Kronan, de 105, e ao Soleil Royal, de 104. A leve madeira brasileira de que o fizeram oferecia-lhe ainda extraordinária velocidade, comentando o Mercúrio Português que o Padre Eterno adentrou o porto de Lisboa competindo em rapidez com as fragatas - navios muito mais rápidos e pequenos - que lhe faziam escolta.

O grande barco português conheceria longa, e geralmente feliz, carreira. Em Du Globe Terrestre, diz o cartógrafo francês Alain Malesson-Mallet tê-lo achado fundeado em Lisboa, marcava o calendário o ano de 1683. O Padre Eterno faria uma última viagem à Índia, e dessa não regressaria. Anos mais tarde, após longa e digna vida, o galeão iria perder-se ao Índico. Embora de triste fim, viveu longamente e durante muitos anos trouxe prestígio às armas de Portugal. 

RPB

Na imagem, a única gravura que se conhece do Padre Eterno. O trabalho é da autoria de Alain Malesson-Mallet.

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