Apesar de ser conhecido essencialmente pela viagem de descobrimento do caminho marítimo para a Índia em 1498, importa conhecer a vida do homem que muitas vezes se obscurece atrás do brilho dessa épica demanda.
Vasco da Gama terá nascido na vila de Sines, muito provavelmente no ano de 1469. O seu pai pertencia ao círculo da Casa Ducal de Viseu e detinha um lugar na Ordem de Santiago, além de ter ocupado também o cargo de alcaide-mor e capitão da vila de Sines. A sua mãe, Isabel de Sodré, provinha de uma família com uma longa tradição de ligação com a Ordem de Cristo.
Escasseiam elementos acerca dos primeiros anos da vida de Vasco da Gama. Sabe-se que em inícios da década de 1490 era já cavaleiro da Ordem de Santiago e fidalgo pertencente à Casa Real. O primeiro momento de relevo assinalável data de 1492, quando, por ordem do “Príncipe Perfeito”, Vasco chefiou a apreensão dos navios franceses nos portos de Setúbal e do Algarve, como consequência da tomada de um navio português por forças francesas.
Não são inteiramente claras as razões que levaram D. Manuel I a escolher Vasco da Gama como capitão-mor da armada a ser enviada à Índia. A cronística coeva não permite compreender o porquê da escolha de um fidalgo aparentemente pouco conhecido para chefiar uma expedição de tal magnitude para o projecto imperial manuelino, limitando-se a apresentar os aspectos óbvios: segundo os cronistas, Vasco da Gama era um jovem que poderia perfeitamente enfrentar os perigos daquela viagem. O que hoje se admite é que esta escolha estaria relacionada com negociações levadas a cabo entre as diferentes facções políticas presentes na Corte, algumas das quais opostas ao envio da armada ao Índico, bem como ao facto do Rei português pretender não tanto um marinheiro experiente, mas sim um diplomata que estabelecesse relações com o chefe de Calecute.
Independentemente dos motivos concretos, Vasco da Gama foi escolhido para capitanear a armada que zarpou de Lisboa a 8 de Julho de 1497 e chegou a Calecute a 18 de Maio de 1498. A viagem de regresso seria recheada de perigos e contratempos, mas, finalmente, a frota abarcou em Lisboa entre Julho e Agosto de 1499.
D. Manuel ficou entusiasmadíssimo ao saber do sucesso da viagem, e depressa outourgou mercês a Vasco da Gama. Assim, este tomou lugar no Conselho Real, foram-lhe concedidos os títulos de Dom e de Almirante da Índia, e foi-lhe atribuída ainda a prerrogativa de enviar anualmente à Índia 200 cruzados para comércio próprio livre de tributação. Por alvará de Dezembro de 1499 foi-lhe igualmente concedida a posse hereditária da vila de Sines e dos seus rendimentos, o que levou a uma disputa com a Ordem de Santiago que detinha a posse da dita vila. Em 1501, Vasco da Gama desposou D. Catarina de Ataíde, ligando-se por esta via a duas importantes famílias do Reino, os Ataídes e os Almeidas.
Durante os anos que se seguiram à viagem inicial foram enviadas duas outras expedições à Índia, em 1500 e em 1501, comandadas respectivamente por Pedro Alvares Cabral e João da Nova. A respeito da armada organizada em 1502, os cronistas coevos referem que o comando desta fora inicialmente dado a Pedro Álvares Cabral, acabando, todavia, por lhe ser retirado e entregue a Vasco da Gama.
Entrando de regresso em Lisboa em 1503, Vasco da Gama foi numa fase inicial principescamente recebido, em virtude dos seus sucessos nas negociações com a Índia. O ouro pago em tributo pelo governante de Quíloa foi entregue a D. Manuel, tendo o Almirante da Índia sido agraciado com novas mercês. Contudo, as relações de Vasco da Gama com a Coroa parecem ter rapidamente perdido a harmonia. Têm sido apontados como factores determinantes deste afastamento os relatos que se foram conhecendo da excessiva violência empregada pelo Almirante na sua viagem de 1502, os rumores das riquezas que acumulara e, sobretudo, o descontentamento da Coroa com o comportamento de Vicente Sodré que, ficando na Índia com o objectivo de defender os interesses portugueses, naufragara perto do Mar Vermelho, aonde se dirigira numa tentativa infrutífera de capturar embarcações muçulmanas, permitindo o ataque das forças do Samorim de Calecute à feitoria portuguesa de Cochim.
Para mais a disputa com a Ordem de Santiago pela posse de Sines arrastou-se, acabando Vasco da Gama por ser intimado pelo Rei a abandonar a vila. O Almirante recolheu-se primeiramente a Évora e mais tarde a Niza e Lisboa, de onde procurou reaproximar-se de D. Manuel e consolidar a sua posição social. Por volta de 1518, esse esforço levou-o a peticionar junto do Rei para que lhe fosse concedido o título nobiliárquico de Conde, pedindo autorização para deixar o Reino caso tal não lhe fosse concedido. No ano seguinte, Vasco da Gama adquiriu do duque de Bragança as terras da Vidigueira e Vila de Frades sendo que, após esta doação, em Dezembro de 1519, D. Manuel nomeou-o Conde da Vidigueira.
O percurso de ascensão social de Vasco da Gama atingiu assim a sua cúspide e a sua importância no panorama político do Reino ganhou novo fôlego com a subida ao trono de D. João III, em 1521. Três anos mais tarde Vasco da Gama rumava novamente à Índia, desta vez para assumir o governo do Estado da Índia e o título de vice-Rei.
Chegado a Cochim, Vasco da Gama adoeceu e acabou por falecer nesta cidade na véspera de natal de 1524.O seu nome só seria realmente propagado com a elaboração dos "Lusíadas" de Camões, obra que lhe deu um destaque e notoriedade que perduraram pelos séculos e se mantêm até hoje.
Miguel Martins
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