segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Ideias de futuro: Portugal, Portugalidade, Europa

Foto de Nova Portugalidade.


O que pode ser Portugal nesta Europa? No mínimo, coisa nenhuma; no máximo, o quase nada que é nos nossos dias. Será deprimente constatar que Portugal não cumpre, no século oitavo do seu nascimento, as características essenciais de um Estado. Aceite-se a fórmula comum - e reiterada, para interesse de alguns e exasperação de tantos outros, a todos os estudantes de Direito e Relações Internacionais - do que faz o Estado e notar-se-á que Portugal já o não é. É Portugal superior a todos os poderes na ordem interna e inferior a nenhum na ordem externa? Decididamente, já não: di-lo a própria Constituição da República quando, no ponto quarto do seu artigo oitavo, subordina o direito português ao comunitário. Conduz Portugal os seus assuntos soberanamente e atentando unicamente na vontade democraticamente expressa do povo português? Já não, também, ou não se pediria à Comissão Europeia que opinasse e emendasse o seu Orçamento de Estado. Exerce Portugal controlo sobre o seu território? É questão confusa. Em muito do seu mar não, pois entrega-o, pelo Tratado de Lisboa, ao arbítrio de quem não é português, não fala uma palavra de português e nada sabe de Portugal. E, se o tem em terra, não se percebe, pois abdicou da sua fronteira. Preserva, finalmente, Portugal o poder de cunhar moeda e de manter relações livres com outras nações? Não, também, pois aceita harmonizar a sua política externa com a da UE, por um lado, e porque, por outro, tolera não ter moeda própria. Cientificamente, matematicamente, pelo sentido próprio dos conceitos, Portugal já não pode ser realmente classificado como um Estado soberano.

Esse abandono por Portugal de liberdades antigas fez-se traiçoeira e silenciosamente. Jamais se perguntou aos portugueses se desejavam abdicar da sua categoria de Estado livre. Não existiu um momento definidor, de debate claro e argumentos claros, sobre se de decisão tão grande resultariam benefícios suficientes e, se assim fosse, se a decisão podia ela própria ser tomada. Naturalmente, não pode ninguém negar as muitas virtudes da colaboração com e na Europa. Como nação também europeia - também, não só - Portugal não pôde nunca, nem teria podido em décadas recentes, apartar-se do movimento integrador. Será ponto assente em mentes razoáveis que muito há a ganhar em facilidades de exportação para grandes economias nossas vizinhas como a França, a Alemanha, a Espanha ou a Inglaterra. É do interesse nacional que assim seja, e seria contrário ao interesse nacional pedir que se dificultassem as relações, afinal extensas e frutuosas, que temos com as nações-irmãs do continente. Mas faz, sim, sentido pedir que se repense a natureza da relação e, por isso, os detalhes para que se possa manter o essencial. O espartilho duro e inflexível em que se transformou a União Europeia tem de ser amansado e alargado, ou rebentará por si mesmo. Não seria bom para Portugal, e seguramente não o seria para a Europa em geral, que soçobrasse instituição que tanto fez para manter a concórdia europeia e que pode ainda, se devidamente reformada e actualizada, trazer vantagem aos povos do continente.

Para o Luxemburgo ou a Bélgica, esse debate parecerá distante e, talvez, sem sentido. Para Portugal - que, como se disse, é nação europeia sem ser apenas nação europeia - é a discussão essencial. Há, afinal, a Portugalidade a considerar. Para lá do mar, falam a nossa língua e são produto e parte da nossa civilização trezentos milhões de homens e mulheres. A UE (alemã, francesa, italiana) é, agregada, a maior economia do globo? A Portugalidade é a sexta; mais, é da nossa cultura e património nosso e dos povos com que a partilhamos. Extraordinário, pois, que tão pouca atenção se lhe dê e tão pouca exploração se faça do que ela é do que pode vir a ser. No debate fundamental do que pode vir a ser a Portugalidade, a UE actual - mas não, se repensada a relação que Portugal tem com ela, a UE em si - é necessariamente um entrave ou, pelo menos, motivo de desaceleração. Quando Portugal propunha - numa demonstração rara de bom senso e largueza de horizonte - um Schengen da Portugalidade, não deixou de surgir quem argumentasse que aquele bom passo se nos encontrava interditado pela pertença à UE e ao seu próprio espaço de livre circulação de pessoas. Encontrar solução para essas contradições, harmonizando a Europa com a Portugalidade, é a missão que porá à prova quantos sabem que ou o espaço civilizacional português passa a prioridade nacional ou é o próprio país que acabará por extinguir-se.

É possível ter o melhor de dois mundos? O que sabemos é que Portugal não deve ter de escolher entre a família (a Portugalidade) e os amigos europeus. Mas, na Europa, tornou-se-nos imprescindível a recuperação daqueles poderes essenciais de que abdicámos e sem os quais não podemos chamar-nos um povo livre. É assim porque, como é princípio natural em qualquer democrata, os povos - e o nosso também - devem poder resolver por si, e sem a intervenção de outros, os seus assuntos. Portugal deve dar-se com quem quer e como quer; Portugal deve abrir a fronteira, ou fechá-la, a quem deseja; deve fazer a sua lei em Lisboa e gastar como preferir o seu dinheiro. Deve, sobretudo, esforçar-se para conseguir da União Europeia o estatuto especial que reconheça simultaneamente Portugal como nação europeia e da Portugalidade; isto é, que permita uma amizade fundada na dignidade e a harmonização entre a própria UE e a integração portuguesa, entre as nações do mundo português, que tão natural é a Portugal e tão fundamental parece ser para o seu futuro. Voltarmos a ser Estado livre e com o que poderia bem ser, um dia, uma união de países portugueses que juntasse Lisboa a Brasília, Díli, Luanda e Maputo, eis o que nos exigem em uníssono a História e o futuro. Se tanto pudermos fazer preservando a amizade da Europa e os laços profundos que com as nações europeias mantemos, ganharemos nós e ela.

RPB


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