domingo, 12 de junho de 2011

RENAUD DE CHÂTILLON

Velada de Armas


Introdução

A CAVALARIA SECULAR

Carlos Magno, rei dos francos, dos lombardos e primeiro imperador do Sacro Império Romano no ano DCCC, extraordinário estratega militar e dotado de um espírito inovador, introduziu nos seus exércitos guerreiros montados em cavalos que deram maior mobilidade às suas tropas, aumentando simultaneamente o poder destrutivo sobre os adversários que combatiam apeados.

Transformados numa temível força de combate, estes guerreiros viriam a ser designados por cavaleiros.

Constatada a sua eficácia em combate, os Reis e senhores de vastos territórios europeus, propuseram-se entregar feudos aos cavaleiros que lhes prestassem vassalagem em troca dos seus serviços, devendo fazer-se acompanhar por um escudeiro, um pajem, arqueiros a cavalo ou besteiros e um espada, sempre que convocados.

Transformados numa elite de combate e numa classe dominante graças aos privilégios recebidos, distinguiam-se sobretudo das outras classes pelas elaboradas armaduras, as armas trabalhadas e os cavalos ágeis e possantes.

Para moldar e disciplinar a rude natureza destes homens, foi criado um Código de Honra cujas regras ajuramentadas definiam o comportamento de um verdadeiro cavalheiro:

     - Procurar a perfeição humana e defender a Igreja, com risco da própria vida.
     - Ser recto nas acções e defender a justiça contra a injustiça e o mal.
     - Respeitar o seu semelhante.
     - Amar os familiares.
     - Ser piedoso com os enfermos e mostrar doçura com as mulheres e as crianças.
     - Ser justo e valente na guerra e leal na paz.

Muitas vezes este código seria quebrado devido à ambição que chagava a provocar rixas fratricidas provocadas pelas divisões dos bens paternos. Mas uma nova filosofia surge no que concerne ao legado familiar. Para evitar a dispersão do património familiar com a morte do progenitor, somente o filho primogénito teria direito à herança, o que deixava os restantes irmãos numa situação de dependência do mais velho, ou colocavam as suas armas ao serviço de um nobre.

Um futuro cavaleiro começava desde muito cedo (cerca dos 8 anos) a aprendizagem. O usual era colocar ao serviço de um nobre (com estatuto superior ao do pai) na qualidade de pajem, onde lhe eram administrados os princípios da cavalaria, tais como aprender a montar, adestramento com as armas e comportamento social.

Aos 14 anos o jovem passava à qualidade de escudeiro e era colocado ao serviço de um cavaleiro. Nesta fase da sua formação (sem nunca descurar o rigoroso treino militar), eram-lhe atribuídos os mais variados serviços, que iam do polimento das armas e da armadura, passando pela assistência ao cavaleiro tanto nos torneios como no campo de batalha. Embora fidalgo, o aspirante a cavaleiro aprendia uma virtude: - a humildade.

Aos 21 anos, após dar provas de merecimento, era chegado o momento para o qual se preparara ao longo de 13 anos.

Na véspera da investidura o postulante a cavaleiro cortava o cabelo e tomava um banho purificador. À noite retirava-se para a igreja, depositava as armas ao seu lado e passava a noite em oração; era a Velada de Armas.

Pela manhã procedia-se ao acto público da entrega da espada, após benzida por um sacerdote, acto que era acompanhado por um toque suave na face ou na nuca do candidato. No séc. XIV, em vez do toque na face, passaram a receber a pranchada (toque com a espada em prancha num ou dois ombros) e recebia as esporas douradas de cavaleiro. Por fim entregavam-lhe o corcel para que, completamente armado, demonstrasse a sua perícia e arte de cavalgar.
Duelo de cavaleiros - Museu do Louvre

No séc. X, em tempo de paz, era comum os cavaleiros ocuparem o tempo em justas ou torneios dando-lhes a oportunidade de treino com as armas. Para praticar este desporto, que granjeou inúmeros adeptos, foram constituídas liças para o público assistir. Nomes de cavaleiros tornaram-se conhecidos e naquelas arenas, foram elevados à categoria de deuses. A violência dos combates tornou-se extraordinária e o que fora uma actividade recreativa, transformou-se em mortal competição.

Os Reis, desagradados reprovam semelhantes torneios e a inútil perda de vidas. A Igreja que não podia ficar indiferente a estes acontecimentos, condenou a atitude dos nobres através do segundo Concílio de Latrão (1139), presidido pelo Papa Inocêncio II.

Além disso, a Igreja carecia de guerreiros que partissem para a Terra Santa, porque tudo o que representava o Cristianismo no Oriente se encontrava periclitante.

Embarcados neste espírito de aventura, foram muitos os que se apresentaram ao serviço da Igreja e, sobretudo, aproveitavam para espiar os seus pecados, colocando as suas espadas ao serviço de Deus.
Imperadores, Reis, duques, plebeus, todos acorreram ao chamamento às Cruzadas.

Cruzado
O ideal cavalheiresco firmou-se durante as Cruzadas, entre os séculos XI e XIII. Ao lado da lenda dourada dos cruzados santificados, porém, desenhou-se uma lenda negra, a dos cavaleiros desleais. Traidores ao seu rei e, pior, de Deus, eles eram traidores de juramentos, sedentos de poder e de riquezas e, covardes diante do inimigo. Alguns mostravam os piores defeitos que um cavaleiro poderia ter, o que não os impediu de protagonizar grandes aventuras e de se tomarem figuras lendárias.

O objectivo oficial da operação armada era, em 1096, libertar da dominação pagã o Santo Sepulcro, em Jerusalém, onde a tradição indica ter sido o local do sepultamento de Jesus e de sua ressurreição. Assim, o caminho da peregrinação ficaria livre para os cristãos.

Alguns cruzados viram na aventura uma forma de ganhar fortuna. Os mais informados tinham grande fascínio pela antiga Bizâncio, e o mundo muçulmano pouco conhecido, e era imaginado cheio de riquezas, pedras preciosas, produtos exóticos, ouro, dinheiro e seda.

A busca de poder e fortuna resultou em casos menos bem sucedidos, como o de Hugo de Puiset, senhor de Jaffa, hoje território de Israel. Ele e muitos outros se colocaram sob a protecção dos inimigos da Igreja, os egípcios, para escapar da punição por suas traições aos propósitos das Cruzadas. Tais deserções, seguidas de alianças, frequentemente davam ao lado oposto o pretexto para atacar.” 

Extracto publicado por Marie-Adélaide Nielsen, escritora e conservadora dos Arquivos Nacionais de França – Texto publicado na revista História Viva (edição especial)




RENAUD DE CHÂTILLON

Esta personagem é digna de destaque, já que mais não seja, pelos problemas que causou envolvendo o reino ultramarino e os muçulmanos, acabando por ter alguma influência em determinados acontecimentos que provocariam a batalha de Hattin e, no seguimento desta, com a perda de Jerusalém em 1187.
Estátua de Renaud - Damasco

Renaud de Châtillon foi um cavaleiro que serviu na segunda cruzada e que por lá se quedou até ao fim dos seus dias.
De origem duvidosa, crê-se ser natural de Châtillon-sur-Marne, na província de Champagne.

Renaud tornou-se príncipe consorte ao contrair matrimónio com Constança, princesa de Antioquia (1153-1160), viúva de Raimundo de Poitiers e prima de Balduíno III de Jesusalém. Com este casamento tornou-se um dos principais líderes políticos daquela região.

Quezilento, ambicioso e vingativo, invade o território bizantino, ataca a fortaleza de Kyrenia, situada no Chipre, e arrasa tudo à sua passagem. Os escombros de casas, igrejas, palácios e os cadáveres degolados de homens, mulheres e crianças, eram testemunhos mudos das monstruosidades cometidas por este carniceiro. Todos os que puderam pagar um resgate, foi-lhes poupada a vida; aos sacerdotes e monges gregos, amputou-lhes o nariz e enviou-os ao imperador Manuel I Comneno em Constantinopla. – O que motivou este comportamento, segundo ele, foi causa imperador lhe ter recusado o pagamento prometido pelos seus serviços militares contra o príncipe Teodoro II da Arménia.
Fortaleza de Kyrenia
– Este caso ocorreu no ano de 1155 mas, muitas outras façanhas ficaram registadas na história deste cavaleiro, sempre com o apoio paternalista do rei de Jerusalém que, enquanto pôde, o salvou por diversas vezes de morte certa; na verdade é bom não esquecer que Renaud estava sempre disponível para combater com ele e com os Templários, e que reconquistaram a fortaleza de Harim, a Nur-ad-Din em 1158, senhor da Síria e do Iraque.

Preso

Em 23 de Novembro de 1160, Renaud é capturado por Nur-ad-Din enquanto saqueava sírios e arménios nas proximidades de Marash, mantendo-o preso em Alepo durante 16 anos; foi libertado em 1176 por As-Salih Ismail al-Malik, filho de Nur-ad-Din, graças a uma troca de prisioneiros e mediante um avultado pagamento de resgate. Mas o espírito indomável de Renaud não fora quebrado pelos anos de cativeiro. Aliado ao rei Balduíno IV de Jerusalém e aos Templários, cedo voltou a evidenciar a crueldade que tanto o caracterizava.

Segundas Núpcias

Castelo de Renaud
Contraindo matrimónio em segundas núpcias em 1177 com Stephanie de Milly, rica herdeira, e Senhora do estado cruzado de Oultrejordain (Além-Jordão), viúva, e filha mais jovem de Pilipe de Milly (Mestre da Ordem do Templo 1169-1171) e de Isabel de Oultrejordain, contribuiu ainda mais para aumentar o seu património mas, logo a ambição falou mais alto; uma vez que estava numa região privilegiada, não só obrigava os caravaneiros que por ali passavam a pagar peagem, mas também eram vítimas da sua avidez quando os assaltava pelos caminhos.

Surpreendentemente, após terem vencido a batalha de Montgisard (1177), Renaud de Châtillon contemplou a Ordem do Templo com várias doações. – Politica ou não, valeu o gesto de boa vontade.  
Saladino pediu tréguas depois dessa batalha, uma vez que ficara com o seu exército destroçado.
Quatro anos depois, Renaud rompeu as tréguas negociadas entre Balduíno e o Sultão, pilhando uma caravana de peregrinos que se dirigia a Meca. Saladino jurou que mataria Renaud com as suas próprias mãos.

Krak de Montreal

Continuando com os ataques seguiram-se as cidades sagradas de Medina e Meca.
Montou uma expedição em direção ao mar Vermelho, transportando barcos no dorso de camelos pelo deserto até o porto de Eilat. Durante mais de um ano, semeou o terror, saqueando todas as cidades à beira do mar Vermelho até o Iêmen e Áden. No caminho, afundou, por pura crueldade, um navio de peregrinos muçulmanos que seguia para Jedá. Consciente de seu valor militar e de ser indispensável ao rei de Jerusalém, gozava de total impunidade.

No plano político, sua influência aumentava. Aliado dos Templários, Renaud, era partidário de uma política de conquista enérgica diante dos muçulmanos. Além disso, o moderado e sábio Balduíno IV morrera de lepra, e o seu sucessor, Guy de Lusignan, não tinha forças para enfrentá-lo. Essas operações audaciosas, que poderiam ter influenciado o curso dos acontecimentos em favor dos cruzados, careciam, no entanto, de meios e preparação.

Cruzados
Em 1186, uma nova trégua foi penosamente assinada, para alívio do rei Guy, senhor de um reino debilitado. Mas Renaud atacou uma caravana que ia do Egipto para Damasco. Massacrou os soldados, aprisionou os comerciantes e os caravaneiros e, ao que tudo indica, até a irmã de Saladino. 
O Sultão mostrou-se paciente e tentou negociar. Pediu a Renaud que soltasse os prisioneiros, devolvesse o saque e respeitasse a trégua. Renaud, com desprezo, aconselhou-o a pedir a Maomé para salvá-los. Ao rei de Jerusalém, replicou que era o senhor de sua terra como o rei era da dele, forma de dizer que se recusava a obedecer.
Extracto publicado por Marie-Adélaide Nielsen, escritora e conservadora dos Arquivos Nacionais de França – Texto publicado na revista História Viva (edição especial)

Depois da batalha de Hattin
(ver Mestre Gerard de Ridefort)

Após a batalha dois prisioneiros foram conduzidos à tenda do Sulão. Eram eles o rei de Jerusalém (Guy) e Renaud de Châtillon.

Os factos foram presenciados e relatados pelo cronista Imad ad-Din al-Isfahani:
- Saladino convidou o rei [Guy] a sentar-se ao seu lado, e quando Arnat [Reinaldo] por sua vez entrou, sentou-o ao lado do seu rei e lembrou-o das suas más acções. "Quantas vezes vós fizestes uma promessa e a violastes? Quantas vezes vós assinastes acordos que nunca respeitastes?" Reinaldo respondeu através de um tradutor: "Os reis sempre agiram assim. Eu não fiz nada mais."

Durante isto, o rei Guy arquejava com sede, a sua cabeça balançando como se estivesse ébrio, o seu rosto traindo grande medo. Saladino disse-lhe palavras tranquilizadoras, e mandou trazer água fresca, que lhe ofereceu. O rei bebeu, depois passou o restante a Reinaldo, que então saciou a sua sede. O sultão então disse a Guy: "Não pedistes permissão antes de lhe dardes água. Deste modo, não sou obrigado a conceder-lhe misericórdia."

Depois de pronunciar estas palavras, o sultão sorriu, montou no seu cavalo e saiu, deixando os cativos em terror. Supervisionou o regresso das tropas e depois voltou à sua tenda. Ordenou que lhe trouxessem Reinaldo, depois avançou sobre ele, de espada em punho, e atingiu-o entre o pescoço e a omoplata.

Quando Reinaldo caiu, cortou-lhe a cabeça e arrastou o corpo pelos pés até ao rei, que começou a tremer. Vendo-o assim perturbado, Saladino lhe disse em um tom tranquilizador: "Este homem só foi morto por causa da sua maleficência e perfídia".

Estátua equestre de Saladino em Damasco

Autor:*++ Fr. João Duarte. Comendador da Comendadoria Sta. Maria do Castelo de Castelo Branco