sexta-feira, 30 de novembro de 2012

EVOLUÇÃO DO ZÉ...


EVOLUÇÃO DO ZÉ ...

“O regime [republicano] está, na verdade, expresso naquele ignóbil trapo que, imposto por uma reduzidíssima minoria de esfarrapados morais, nos serve de bandeira nacional — trapo contrário à heráldica e à estética, porque duas cores se justapõem sem intervenção de um metal e porque é a mais feia coisa que se pode inventar em cor. Está ali contudo a alma do republicano português — o encarnado do sangue que derramaram e fizeram derramar, o verde da erva de que, por direito mental, devem alimentar-se.”
Fernando Pessoa
Publicado por PPM-Braga
Comendadoria de Santa Maria do Castelo de Castelo Branco

DEPOIS DO ORÇAMENTO DO ESTADO...


Primeiro-ministro Passos Coelho

70 personalidades escrevem carta a pedir demissão de Passos


Setenta personalidades portuguesas assinaram e enviaram uma carta-aberta ao primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, a pedir a sua demissão, por considerarem que a política seguida pelo Executivo está a "fazer caminhar o país para o abismo".


Os signatários da carta garantem que as medidas de austeridades anunciadas pelo executivo liderado por Pedro Passos Coelho excederam as que constam, quer no programa eleitoral do PSD, quer no Programa de Governo "e as consequências têm um forte impacto sobre os portugueses".

A carta-aberta foi enviada ao primeiro-ministro e uma cópia seguiu igualmente para Belém, para o presidente da República, Cavaco Silva.

Na missiva, assinada por personalidades de vários quadrantes da sociedade portuguesa, como Mário Soares, Siza Vieira e Júlio Pomar, os signatários consideram que "austeridade custe o que custar" está a empobrecer o país.

"Perdeu-se toda e qualquer esperança", escrevem, criticando o desmantelamento das funções sociais do Estado, a alienação de empresas estratégicas, os cortes nas pensões, nas reformas e nos salários, o incentivo à emigração e o crescimento do desemprego.

Com as falhas verificadas em todas as previsões económicas, acusam o Executivo de Pedro Passos Coelho de ter "um fanatismo cego" que está a fazer "caminhar o país para o abismo".

Classificam ainda o Orçamento do Estado, aprovado na segunda-feira, de "injusto, socialmente condenável e portador de disposições de constitucionalidade duvidosa".
E, perante este cenário, os signatários apelam ao primeiro-ministro para que "retire as consequências políticas que se impõem, apresentando a demissão ao Senhor Presidente da República, poupando assim o País e os Portugueses ainda a mais graves e imprevisíveis consequências".
Entre os signatários desta carta estão dirigentes do PS e do Bloco de Esquerda (casos de Fernando Rosas e Daniel Oliveira), sindicalistas (com particular destaque para o ex-líder da CGTP-IN Carvalho da Silva), professores universitários e figuras ligadas ao meio da cultura.
Subscrevem ainda o documento Adelino Maltez (professor universitário), Alfredo Bruto da Costa (sociólogo), Alice Vieira (escritora), Siza Vieira (arquitecto), Ana Sousa Dias (jornalista), Dias da Cunha (empresário), António Arnaut (advogado), António Reis (professor universitário), Boaventura Sousa Santos (professor universitário), Carlos Trindade (sindicalista), Duarte Cordeiro (deputado do PS), Clara Ferreira Alves (jornalista), Ferro Rodrigues (ex-líder do PS e deputado), Eduardo Lourenço (professor universitário), Helena Pinto (deputada do Bloco de Esquerda), Inês de Medeiros (deputada do PS), Maria de Medeiros (realizadora e atriz), Jaime Ramos (medido e ex-deputado do PSD), Joana Amaral Dias (professora universitária) e Medeiros Ferreira (antigo ministro dos Negócios Estrangeiros).
Assinam ainda o documento João Galamba (deputado do PS), Pedro Delgado Alves (ex-líder da JS), Mário Jorge (médico), João Torres (líder da JS), João Cutileiro (escultor), João Ferreira do Amaral (economista), Júlio Pomar (pintor), Manuel Maria Carrilho (ex-ministro da Cultura), Pedro Abrunhosa (músico), Pilar Del Rio Saramago (jornalista) e Teresa Pizarro Beleza (jurista).

JORNAL DE NOTÍCIAS
Comendadoria de Santa Maria do Castelo de Castelo Branco

QUEM NOS AVISA NOSSO AMIGO É!..


"Vítor Gaspar, não exagere" na austeridade, pede Paul De Grauwe



O economista belga colocou em causa a postura dos países do norte da Europa e alertou o Governo português para a possibilidade de estar a dirigir o país para a insolvência com o esgotamento da política de austeridade.

Paul De Grauwe, professor da London School of Economics e investigador no Center for European Policy Studies, afirmou nesta segunda-feira, em Lisboa, que "tem dúvidas" que Portugal volte aos mercados em 2013 e alertou para a possibilidade de o Governo português estar a fazer o país caminhar para uma insolvência imposta pela austeridade.

O economista belga, que falava na conferência "Portugal em Mudança", que celebra os 50 anos do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, centrou grande parte da sua argumentação na perspectiva de que os países do norte da Europa estão a fugir às suas responsabilidades, crítica que lhe custou uma disputa com o embaixador alemão em Portugal, Helmut Elfenkämper.

Apesar de Vítor Gaspar ser "um bom amigo" de Paul De Grauwe, como este último fez questão de referir, o economista belga fez também questão de fazer referência à linha de acção do Governo: "Vítor Gaspar, não exagere".

"O Governo português pode estar a levar o rumo da austeridade demasiado longe e a puxar a economia portuguesa para uma espiral recessiva. Não vai conseguir curar o défice orçamental e reestruturar a dívida pública assim", disse Paul De Grauwe, afirmando ainda que o esgotamento desta via já mostrou várias vezes que pode levar os países em reestruturação para a insolvência.

O economista reconhece que não existe uma grande liberdade na contestação às metas para a reestruturação orçamental dos países do sul mas, alertou, isto não deve significar que os países deixem de pedir uma redução da austeridade. Para Paul De Grauwe, "há uma opção de reduzir a austeridade".

Paul de Grauwe defendeu que os países do norte da Europa devem apoiar a reestruturação económica dos países recessivos do Sul, a braços com um crescimento da dívida soberana que, disse, é também fruto das políticas de austeridade que são impostas pelos parceiros europeus: "Os países do norte não querem estimular a economia", afirmou o economista belga, em referência ao receio de fraco crescimento que a Alemanha, por exemplo, tem vindo a mostrar.

O professor da London School of Economics apelou a uma partilha das responsabilidades na retoma económica da Zona euro, afirmando que à medida que os países do Sul assumem políticas de austeridade que impedem o seu crescimento económico, os países do Norte deveriam acompanhar este esforço "com investimento económico". "Mas não, estes países querem manter os seus excedentes económicos", acusou Paul De Grauwe.

A este argumento, Paul De Grauwe juntou outra crítica: o Banco Central Europeu (BCE) está a agir "tanto como polícia e bombeiro da Europa" o que, defendeu, lhe retira independência na sua linha de acção. Como exemplo, o economista utilizou a ambiguidade da posição do BCE enquanto rede de segurança do sistema financeiro - que agora quer assumir com o anunciado programa de compra ilimitada de dívida - e enquanto "moralizador" da situação dos países que encabeçam a crise da dívida externa europeia, ao apelar à adopção de medidas de austeridade para a retoma do crescimento. "É horrível que o BCE faça parte da troika", disse, reforçando esta postura com a metáfora de um bombeiro que deixa as casas arder - leia-se, países com uma austeridade consumidora - para que "o dono da casa receba um castigo".

Na fase reservada às questões do público, ergueu-se das cadeiras do segundo auditório da Fundação Calouste Gulbenkian Helmut Elfenkämper. "Tenho a dizer-lhe que não gosto da sua metáfora do bombeiro", afirmou o embaixador alemão em Portugal. "A Alemanha não pode investir mais dinheiro sem o risco de criar bolhas económicas", atirou o diplomata em resposta a acusação de Paul De Grauwe, que colocou várias vezes em causa o facto de os países do Norte, particularmente a Alemanha, estarem a aplicar medidas de austeridade desnecessárias, arrastando a economia da Zona Euro para uma dupla recessão. A isto, Paul De Grauwe ripostou: "Está-me a dizer que não existem investimentos na Alemanha [que não apresentem riscos de bolhas económicas]? Olhe à sua volta. Parece-me que há um problema de imaginação na Alemanha", disse.

JORNAL PÚBLICO 26/11/2012
                Félix Ribeiro

Comendadoria de Santa Maria do Castelo de Castelo Branco

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

REAL ASSOCIAÇÃO DA BEIRA LITORAL

UM CONSELHO AOS REPUBLICANOS...

 

Regressando à actividade, depois de uma ausência, gostaria de fazer uma breve reflexão sobre o republicanismo e finalmente dar um conselho aos republicanos:

Em primeiro lugar, o que é o republicanismo?

- genericamente, pode-se dizer que é uma postura perante a sociedade, com vista a valorização do mérito e também a procura incessante de valorizar e proteger o bem comum, a coisa pública, a respublica.

É claro que há várias definições de vários autores, mas sendo esta uma breve reflexão entendi não citar nenhum autor em concreto.

Quero ainda dizer que o republicanismo é também considerado a consagração da democracia, segundo certos autores.

Jogando com ambas as definições aqui vai o conselho para os republicanos:

- Eu costumo dizer que o melhor republicano é aquele que reconhece na Instituição Real a protecção mais eficaz do bem comum de uma comunidade e tal não significa a valorização da meritocracia! Bem pelo contrário!

Os senhores precisam de entender que tal como na Natureza, na nossa própria existência, entre outros domínios, também nos sistemas de governo tem que haver algo de fundamental que é o equilíbrio. E o equilíbrio tem que existir entre quem governa e quem fiscaliza – Governo e Parlamento, Governo e Rei.

Na senda do Direito, costuma-se dizer que a Justiça é cega, querendo dizer com isto que a Justiça tem que ser imparcial, tem que ser firme, justa, clara, inequivoca. O mesmo tem que existir com a Chefia do Estado. O Rei que é o primeiro defensor da justiça no Governo, precisamente por não ter filiação partidária ou interesses obscuros pelo meio, é quem consegue através da sua magistratura, garantir uma relação institucional que valoriza a governabilidade de um País.

E o Rei, sendo ele o primeiro defensor da justiça no Governo, com a sua imparcialidade e equidistancia, é quem valoriza o princípio republicano da meritocracia, pois, efectivamente, são nas Monarquias onde há verdadeiras escolas de Estadistas; Primeiros-ministros que governam os seus países muito mais tempo do que nas Repúblicas, o que valoriza também a estabilidade política, mesmo havendo eleições no fim de cada mandato. O Rei encoraja o Primeiro-ministro a continuar, sobretudo se este estiver com assuntos ainda muito importantes para tratar e também se estiver a governar ajuizadamente bem.

Meritocracia. Ela existe nas Monarquias Democráticas da Europa, mas também no Canadá, na Austrália, na Nova Zelândia, no Japão, entre outros países. A meritocracia existe nas democracias, pois estas permitem a eleição dos que têm mérito, dos que se vão destacando na vida nacional ao serviço da república, do bem comum de toda uma comunidade.

Portanto, caros republicanos:

- Sejam republicanos! Apoiem a Monarquia Democrática!

- Sejam republicanos! Apoiem o referendo sobre a forma de governo democrático!

David Garcia em Real Portugal

BODE EXPIATÓRIO


A fúria que muitos sentem relativamente à chanceler alemã Angela Merkel é compreensível. Mas não foi Angela Merkel a responsável pelo estado a que chegámos, pela crise em que nos mergulharam, pelo enorme endividamento das famílias ou pelos esquemas de corrupção que exauriram as contas públicas.
Foi Cavaco Silva, e não Merkel, que enquanto primeiro-ministro permitiu o desbaratar de fundos europeus em obras faraónicas e inúteis, desde piscinas e pavilhões desportivos sem utentes, ao desnecessário Centro Cultural de Belém. Foi o seu ministro Ferreira do Amaral que hipotecou o estado no negócio da Ponte Vasco da Gama.
Foi António Guterres, e não Merkel, que decidiu esbanjar centenas de milhões de euros na construção de dez estádios de futebol. Foi também no seu tempo que se construiu o Parque das Nações, o negócio imobiliário mais ruinoso para o estado em toda a história de Portugal. Foi mais tarde, já com Durão Barroso e o seu ministro da defesa Paulo Portas, que ocorreu o caso de corrupção na compra de submarinos a uma empresa alemã. E enquanto no país de Merkel os corruptores estão presos, por cá nada acontece.
Mas o descalabro maior ainda estava para chegar. Os mandatos de José Sócrates ficarão para a história como aqueles em que os socialistas entregaram os principais negócios de estado ao grande capital. Concederam-se privilégios sem fim à EDP e aos seus parceiros das energias renováveis; celebraram-se os mais ruinosos contratos de parceria público-privada, com todos os lucros garantidos aos concessionários, correndo o estado todos os riscos. O seu ministro Teixeira dos Santos nacionalizou e assumiu todos os prejuízos do BPN.
Finalmente, chegou Passos Coelho, que prometeu não aumentar impostos nem tocar nos subsídios, mas quando assumiu o poder, fez exactamente o contrário. Também não é Merkel a culpada dessa incoerência, nem tão pouco é responsável pelos disparates de Vítor Gaspar, que não pára de subir taxas de imposto. A colecta diminui, a dívida pública cresce, a economia soçobra.
A raiva face aos dirigentes políticos deve ser dirigida a outros que não à chanceler alemã. Aliás, os que fazem de Angela Merkel o bode expiatório dos nossos problemas estão implicitamente a amnistiar os verdadeiros culpados.

por Paulo Morais, Professor universitário

Correio da Manhã, 13/11/2012

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

NA SENDA DE D. AFONSO HENRIQUES



Na senda de D. Afonso Henriques, Isabel encontrou um país sem destino

A pé, pelo país que vive num «tempo esquecido»
Durante três semanas, Isabel Pessôa-Lopes percorreu Portugal de castelo em castelo. Saiu de Guimarães, berço da nacionalidade, e só parou em Lisboa, no castelo de São Jorge. Sempre a pé, dormiu em quartéis de bombeiros, apanhou alguns sustos mas o que mais lhe custou foi encontrar um país deprimido e alguns monumentos degradados.
Para quem não nasceu com asas, e ainda por cima sofre de vertigens, Isabel Pessôa-Lopes estica-se muito. Que o digam os vigilantes do Castelo de São Jorge, quando aqui há dias a viram trepar a muralha por cima da porta onde ficou entalado Martim Moniz. Último dia de uma jornada de três semanas para percorrer os passos de Afonso Henriques entre Guimarães e Lisboa na fundação da nacionalidade, aquela tarde chuvosa podia ter sido o fim das aventuras da astrofísica de 46 anos viciada em caminhadas. Já estava empoleirada por cima da célebre porta quando percebeu que o castelo que se estendia à sua frente terminava abruptamente no abismo, mesmo atrás de si.
Os vigilantes começaram a apitar-lhe freneticamente para descer dali. "Se vem uma rajada de vento acabo aqui hoje", assustou-se. A descida foi tudo menos heróica, mas foi assim que se habituou a fazer para enganar as vertigens e a falta de asas: "Há truques: sobe-se aos sítios altos de joelhos e desce-se sentada", o rabo a bater nos degraus até os pés agarrarem por fim terra firme. 
Isabel Pessôa-Lopes percorreu a pé e sozinha, centenas de quilómetros por estradas e caminhos, de castelo em castelo. Do berço da nacionalidade, de onde partiu a 5 de Outubro, dia do seu aniversário, rumou à foz do Douro, onde Afonso Henriques pediu apoio aos representantes dos cruzados para expulsar os mouros. Sempre na peugada do fundador do território portucalense, passou pelo mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, no qual o rei jaz sepultado, pelas fortalezas de Soure, Pombal, Leiria, Óbidos, Alfeizerão, Santarém...
À medida que avançava sempre a pé por montes e vales na senda da reconquista, mapas do Instituto Geográfico do Exército e GPS a guiarem-lhe os passos, interrogava-se uma e outra vez: "Onde estão os homens deste país? Como deixámos Portugal chegar a este estado depois de Afonso Henriques ter batalhado uma vida inteira para o criar?" A morar há mais de 20 anos fora do país, e neste momento com residência em Londres, a caminheira não se envergonha de dizer que chegou a chorar perante a desgraça em que encontrou a nação onde nasceu.
Não é a primeira vez que atravessa o país a pé: no Verão de 2011 deu a volta a Portugal em 80 dias, pelo interior raiano e pela fronteira marítima. Testemunhou até que ponto o Estado se pode esquecer das gentes que tem por missão governar. "Nesses 80 dias vi miséria, especialmente nas povoações mais remotas. Mas desta vez vi pessoas a passar fome. Gente bem vestida que às 7h, antes de ir trabalhar, vai para a fila de uma instituição de apoio social buscar pão e leite para poder dar o pequeno-almoço aos filhos", descreve, impressionada. "Onde estão os homens deste país?", pergunta outra vez. "Nunca se viu tantos nos cafés e nos sofás de casa, a fazer coisa nenhuma. O povo vive revoltado, mas não se revolta. Estamos entregues a ineptos!", dispara, defendendo que chegou a altura de "os melhores e os mais capazes se chegarem à frente" na condução dos destinos da nação. Algo tem de mudar, defende: "Pedir aos cidadãos deste país que corram maratonas depois de lhes terem partido as pernas há décadas é ignorar que eles já se encontram de joelhos!".
As noites dormiu-as muitas delas, abrigada por quem tem por missão na vida ajudar os outros: os bombeiros e a Cruz Vermelha. E também nos quartéis dos soldados da paz encontrou o que não queria. "Fiquei parva com a falta de apoio que os voluntários têm de enfrentar - nalguns casos, se querem usar botas resistentes ao fogo ou máscaras ainda têm de as pagar do seu bolso. Não recebem salário e nem sequer estão isentos das taxas moderadoras da saúde. O que é isto?!", indigna-se. "Precisamos de políticos voluntários que façam das tripas coração, como os bombeiros sempre fizeram por toda a gente."

Os touros e os caniçais
E se nas aldeias sem um café onde tomar uma bica que Isabel atravessou, deparou com demasiada gente entregue ao seu destino, e várias das fortalezas onde esteve, foi a incúria que se lhe apresentou à frente dos olhos. "O estado ruinoso do castelo de Vila Nova de Gaia é deplorável", lamenta. Para chegar ao que resta da fortaleza de Alfeizerão, no concelho de Alcobaça, a astrofísica teve de abrir caminho à catanada, os delgados bastões de caminhada a fingirem de catana. Do monumento reconstruído por Afonso Henriques em meados do século XII para defender esta zona do litoral só chegou até nós um pedaço de muralha, agora escondido na mata. Em Pombal a caminheira encontrou portões cerrados: "Tem uma placa à porta a dizer que está fechado e vi gruas lá dentro", sinal de obras em curso que, por sinal, já deviam ter terminado há bastante tempo.
Por esta altura já não faltava muito a Isabel para chegar ao destino - marcado para dia 25 de Outubro, data em que Afonso Henriques conquistou o castelo de São Jorge. A água é que começava a tolher-lhe os passos. "Quando cheguei a Atouguia da Baleia chovia que se fartava", recorda. Foi aqui, segundo reza a história, que aportou a frota de cruzados que ajudou o primeiro rei de Portugal a tomar Lisboa. "O que resta do castelo de Atouguia foi vendido a um particular que ali fez um turismo rural. Eu nem sabia que se podiam comprar castelos!" (Pois por aqui vende-se tudo, digo eu)
Mas havia ainda que esperar pela chegada a Santarém para se espantar mais ainda. À falta de melhor alojamento, pernoitou na antiga Escola de Cavalaria. Não estava à espera de semelhante cenário de degradação: "São 20 hectares de terreno com pavilhões entregues ao vento, num estado de total abandono. Quando o exército dali saiu foram roubados quilómetros e quilómetros de cabos da instalação eléctrica, e agora ninguém tem dinheiro para recuperar o recinto. É inadmissível", observa, chamando a atenção para a colecção de enormes painéis de azulejo que ainda subsistem na velha escola, retratando velhas batalhas. Foi daqui que partiu, na madrugada do 25 de Abril, uma coluna de blindados comandada pelo capitão Salgueiro Maia para fazer a revolução. Para o local está projectada a instalação de uma Fundação da Liberdade e de vários tribunais.
À saída da cidade, um susto dos grandes: meteu-se por uma ponte no Vale de Santarém sem espaço para os peões passarem e acabou pendurada com a mochila sobre os caniçais da lezíria, agarrada à ponte, para resistir ao cruzamento de dois grandes camiões. Foi quase tão mau como na caminhada dos 80 dias, daquela vez em que foi obrigada a ficar duas horas e meia em cima de uma árvore na zona do Tejo Internacional, em Monforte da Beira, à espera que os touros bravos que a perseguiam desistissem e se fossem embora. Deixou para trás mochila e todos os pertences para escapar aos animais enfurecidos.

As melhores palmilhas do mundo
Ao longo destas três semanas, Isabel não nega que foram várias as vezes em que lhe apeteceu desistir. A constipação que se lhe colou ao corpo depois da cacimba marítima entre Gaia e Espinho, ameaçava não querer deixá-la. Resistiu à fraqueza e ao cansaço e continuou o seu caminho, chegando a demorar um dia inteiro para percorrer os 18 a 20 quilómetros, que habitualmente lhe demoram quatro horas a fazer.
"Mas não tem medo?", ouviu muitas vezes ao longo da viagem. "O seu homem deixou-a vir assim?" Houve quem a tivesse benzido. Tomada por peregrina atrasada para as celebrações na zona de Fátima, gravou na memória a mensagem de despedida de um carteiro com quem se cruzou na estrada: "Que os deuses a guardem e os anjos a protejam." E protegeram até hoje, embora a astrofísica também evite correr riscos desnecessários. "Não sou um Rambo, e isto não é uma missão. Não caminho depois do pôr-do-sol, não acampo nem durmo ao relento e nunca vou por atalhos de caminheiros." Alimenta-se bem ao pequeno-almoço, mas passa o dia a barras de cereais, fruta e água. "À noite se for preciso como um boi", conta. Depois há truques, como o dos pensos higiénicos. Foram outros  viajantes que lhe ensinaram que, além de servirem para aqueles dias do mês, os rectângulos acolchoados são as melhores palmilhas que existem para proteger os pés nas longas caminhadas. Também descobriu que manter um pequeno seixo na boca em dias de canícula, impede a boca de secar graças à salivação. Ajudou-a o treino militar que teve - Isabel chegou a pilotar a frota acrobática dos Ases de Portugal  e foi candidata a astronauta da Agência Espacial Europeia -, mas também a determinação com que se fez à estrada. "Os primeiros dias custaram-me muito, fisicamente", recorda. Emagreceu, claro.
Todas somadas, as despesas destas três semanas não chegaram aos 400 euros. De luxos, conta três dormidas em pousadas de juventude e num motel em Gaia, mais meia dúzia de refeições em restaurantes. Ri-se: "O que vale é que gosto de latas de atum."

“PÚBLICO”
10.11.2012 Por Ana Henriques
*++Fr.João Duarte-Grande Oficial/Comendador Delegado da Comendadoria Sta. Maria do Castelo de Castelo Branco

quinta-feira, 8 de novembro de 2012