O posto de Condestável de Portugal, é para além dos títulos reais, o mais emblemático na titularia do Reino de Portugal (1139-1910). Inspirado na figura do Condestabre, que por sua vez derivava do Comes Stabuli romano, o Condestável de Portugal ou Condestável do Reino foi um cargo criado por El-Rei Fernando I de Portugal, em 1382, para assumir as funções militares do anterior cargo de Alferes-Mor do Reino e designava o Comandante-Supremo do Exército. O Condestável era a segunda personagem da hierarquia militar nacional, imediatamente a seguir ao próprio Rei de Portugal e tinha como responsabilidades, inicialmente, comandar uma campanha militar na ausência do Rei e manter a disciplina do exército. Porém, o Condestável participava nas batalhas ao lado do Rei. Era, portanto, perante o Condestável que passavam todas as sindicâncias e os inquéritos disciplinares militares.
Álvaro Pires de Castro, ainda em 1382, foi nomeado o 1.º Condestável de Portugal e, além desse título, ‘pela sua presteza e fidalguia’ foi-lhe atribuído por El-Rei D. Fernando I, o título nobiliárquico de 1.º Conde de Arraiolos, que conservou até à morte em Lisboa, a 11 de Junho de 1384, passando este para D. Fernão Álvares Pereira, irmão de D. Nuno Álvares Pereira. Outro dos títulos com que foi agraciado foi o de Conde de Viana da Foz do Lima. Há quem atribua às suas ambições pessoais o facto que terá levado D. Inês de Castro, sua irmã, à perdição, pois terá conspirado contra o Infante D. Fernando, Príncipe Real e futuro rei, a fim de ver os seus sobrinhos no trono, o que, Inês morta, se revelou infundado. Em 1320 casou com D. Maria Ponce de Leon e do matrimónio nasceram 5 filhos, sendo o primogénito D. Pedro de Castro, Senhor do Cadaval (1340) o primeiro da Ilustre Casa que por parentes mais chegados à Casa de Bragança são, em Portugal, apenas abaixo da Família Real.
O 2.º Condestável foi D. Nuno (de Santa Maria) Álvares Pereira que nasceu no Crato, Flor de Rosa, Bonjardim, em 24 de Junho de 1360 e faleceu em Lisboa, Convento do Carmo em 01 de Novembro de 1431. D. Nuno Álvares Pereira, também conhecido como o Santo Condestável, São Nuno de Santa Maria, ou simplesmente Nun’Álvares desempenhou um papel fundamental na Crise de 1383-85.
Cresceu em casa de seu pai, D. Álvaro Gonçalves Pereira, até aos 13 anos de idade, idade com que foi viver para a Corte, era então rei de Portugal D. Fernando I. Foi no Paço que o rei o armou cavaleiro, com a armadura emprestada, do meio-irmão do Rei, D. João, Mestre de Avis – iniciando-se assim uma relação de colaboração, estima e mesmo amizade, que perduraria, e se tornaria um valor acrescentado para o Reino. Já por essa altura D. Nuno sentia o apelo da temperança pretendendo conservar-se casto, no entanto, aos 16 anos de idade, por imposição de seu pai, não pode manter-se celibatário e foi compelido a contrair matrimónio com D. Leonor Alvim. Casaram, em 1376, em Vila Nova da Rainha, freguesia e concelho da Azambuja, e depois foram viver para uma propriedade de D. Leonor, sita em Pedraça, Cabeceiras de Basto, no Minho. Falecido D. Fernando I de Portugal, iniciou-se a supracitada Crise. D. Nuno foi dos primeiros fidalgos da Corte a apoiar as pretensões ao trono de D. João, Mestre de Avis, irmão do falecido rei, uma vez que era filho ilegítimo de D. Pedro I com Teresa Lourenço (1330).
Os filhos varões do Rei D. Fernando, o Belo, com D. Leonor Telles de Menezes (1340 – 1386), Pedro e Afonso haviam morrido respectivamente nos anos de nascença: 1380 e 1386; e D. Beatriz (1372 – 1410), Infanta de Portugal, havia casado com D. João I, Rei de Castela, pelo que, sob pena de anexação de Portugal pelo Reino de Leão e Castela, a fidalguia portuguesa pretendia mantê-la afastada da sucessão. E era fortíssima a ameaça da união – que soava a integração – de Portugal com Castela e Leão, resultado do Tratado de Salvaterra de Magos, de 1383. Também, a burguesia mostrava-se desagradada com a regência da Rainha D. Leonor Telles de Menezes e do seu amante, o Conde D’Andeiro e com a ordem da sucessão, uma vez que isso significaria anexação de Portugal por Castela, pelo que a escritura matrimonial provocou levantamentos populares em Lisboa, Santarém, Elvas, onde por exemplo às palavras do Alcaide Álvaro Pereira: “Arraial, arraial, pela rainha D. Beatriz”, Gil Fernandes à frente de toda a Elvas, o prendeu gritando “Arraial, arraial, por Portugal”. Em Lisboa o chanceler-mor de D. Pedro I e D. Fernando, Álvaro Paes, fez soar pela cidade de Lisboa que matavam D. João, Mestre de Avis: “Acorram ao Mestre, amigos! Acorramos ao Mestre, que o matam sem porquê!” e as hostes populares interrogavam-se sobre “quem matou o Mestre?”, outros respondiam-lhes “que o matava o Conde João Fernandes, por mandado da Rainha [D. Leonor Telles]”. Após a morte de Andeiro, no Mosteiro de São Domingos o povo miúdo aclama o Mestre de Avis como Regedor e Defensor dos reinos e na Câmara de Lisboa outorgaram aquela decisão da arraia-miúda e até a burguesia indecisa aderiu ao partido do Mestre. Dois dos filhos de D. Inês de Castro e do rei D. Pedro I, D. João e D. Dinis, uma vez que haviam sido legitimado com a revelação do casamento em segredo entre os pais, e a ulterior proclamação de D. Inês como rainha de Portugal, coadjuvado pelos seus tios Álvaro (Conde de Arraiolos e de Viana da Foz do Lima) e Fernando, manteve também aspiração ao trono, mas nunca reuniram apoios suficientes. Depois do outorgamento, D. João, Mestre de Avis, formou o seu Conselho do qual fizeram parte: João das Regras (Chanceler-mor), D. Lourenço (Cardeal-Patriarca de Lisboa), o arcebispo de Braga D. Martim Afonso, Lourenço Estevens, o Moço, João Gil e Martins da Maia e ordenou ainda a formação da Casa dos 24.
Em dois dias chegou D. Nuno Álvares Pereira, a Lisboa, e logo foi fazer penhor da sua lealdade e apoio ao Mestre de Avis. De acordo com a Crónica d’El-Rei D. João I, D. Nuno ter-lhe-á dito: “- Senhor, grandes dias há que eu muito desejei e desejo de vos servir, e não foi minha ventura de o até este tempo o poder fazer. E porque ora vós sois em tal ponto e estado que cuido poderei cobrar o que tanto desejava, eu vos ofereço mim e meu prove serviço com mui boa vontade; e vos peço por mercê que daqui em diante me hajais por todo vosso quite servindo-vos de mim em todas as cousas, como de homem que pêra elo serei mui prestes”. O mestre aceitou a sua lealdade e agradeceu-lhe o préstimo em o servir e à sua causa. Tornou-o um dos seus homens de confiança pelo que o fez membro do seu Conselho, como já tinha feito os acima indicados.
Porém, salvo estas raras, e de si não menos importantes, excepções, a base de apoio do Mestre era essencialmente popular, porque a alta e média nobreza apoiava e engrossava o partido de Castela. Intitulavam, jocosamente, o Mestre de “o Messias de Lisboa”. O povo, esse, revoltou-se e tomou os castelos à fidalguia, que se pôs em fuga para as vilas afectas a Castela. Perante a revolta da população portuguesa em vários pontos e cidades do Reino de Portugal, quem não gostou de ver a mulher e consequentemente a si próprio, preteridos, foi o Rei de Leão e Castela que decidiu invadir Portugal. Assim, o Rei de Castela, em 1384, decide entrar em Portugal. Entre Fevereiro e Outubro deste ano montou um cerco a Lisboa, por terra e por mar. Uma frota portuguesa vinda do Porto enfrentou, a 18 de Julho de 1384, à entrada de Lisboa, a frota castelhana, na batalha do Tejo. Os portugueses perderam três naus e sofreram vários prisioneiros e mortos, no entanto, a frota portuguesa conseguiu furar a frota castelhana, que era muito superior, e descarregar no porto de Lisboa os mantimentos que trazia. Esta ajuda alimentar veio-se a revelar muito importante para a população que defendia Lisboa. O cerco de Lisboa pelas tropas castelhanas acabou por não resultar, devido à determinação das forças portuguesas em resistir ao cerco, ao facto de Lisboa estar bem fortificada e defendida, ao auxílio dos alimentos transportados do Porto e também por causa da epidemia de peste negra que devastou as forças castelhanas estacionadas no exterior das muralhas. D. João I de Castela decidiu então enviar uma flotilha que cercou Lisboa, mas que sofreu tal-qualmente a carestia de bens alimentares, estratégia com a qual pretendia vencer os nacionalistas portugueses. Chegavam a morrer aos 150 castelhanos por dia até que o rei de Castela, instigado pelos seus conselheiros fez a frota retornar a Castela.
Mas houve ainda lugar a batalha em terra e, aí, coube a D. Nuno comandar o exército português e foi por esta altura que D. Nuno Álvares Pereira realizou a sua famosa expedição pelo Alentejo acompanhado de 40 dos melhores escudeiros da altura, e foi engrossando as fileiras com a boa gente dessa região, até que chegou a Atoleiros, a meia légua da fronteira com Castela, que se preparava para acometer. Aí D. Nuno começou por inovar: foi nos Atoleiros que pela primeira vez se combateu a pé em Portugal, e D. Nuno utilizou a famosa técnica da formação do exército em quadrado: distribuiu os seus homens armados e os besteiros pelas alas e o povo no meio. Os castelhanos ao verem os portugueses apeados, e para mais em minoria, acharam que ia ser fácil vencê-los pelo que se lançaram a cavalo sobre o exército lusitano aos gritos de “Castyla! Sant’iago!” ao que os portugueses responderam berrando “Portugal! São Jorge!” e D. Nuno ordenou aos seus soldados que como ele fizessem uma genuflexão com o joelho direito no chão e a outra perna a fazer finca-pé e depois levantar as lanças num ângulo agudo, apoia-las no chão e os cavalos castelhanos se foram espetar nelas. Os Castelhanos feridos e no chão eram então bombardeados por dardos e virotões, e cercados por todos os lados pelos portugueses o que impedia que os primeiros escapassem. Assim os portugueses saíram vitoriosos sobre os castelhanos, na Batalha dos Atoleiros, em 1384. D. Nuno Álvares Pereira foi então nomeado o 2.º Condestável de Portugal – título criado após o fim do Império Romano com a grafia latina de Comes stabilis que substituiu o imperium proconsulare maius e o ulterior Dux -, honra com que foi agraciado por D. João, Mestre de Avis, e ainda recompensado com o título de 3.º Conde de Ourém. Foi então hora de reunir as Cortes em Coimbra, onde, finalmente a 06 de Abril de 1385, D. João seria aclamado Rei pelas Cortes.
A batalha de Aljubarrota, na qual se deve a maior quota-parte da vitória às tácticas de D. Nuno Álvares Pereira, viria a ser decisiva no fim da instabilidade política de 1383-1385 e na consolidação da independência portuguesa. Do seu casamento com D. Leonor de Alvim (1360), o Condestável teve três filhos, mas apenas uma filha teve descendência, D. Beatriz Pereira de Alvim que contraiu matrimónio com o 1.º Duque de Bragança, D. Afonso (I) – filho natural que D. João, Mestre de Avis, ainda solteiro e antes de ser Rei tivera com uma rapariga solteira de nome Inês Pires -, dando origem à Casa de Bragança que viria a reinar em Portugal três séculos mais tarde, solidificando toda a aura que já o seguia.
A partir do reinado de D. João IV, o título deixou de ter conotações militares ou administrativas, para ser exclusivamente honorífico. O último Condestável de Portugal foi o Infante Dom Afonso de Bragança, Duque do Porto, nos reinados do irmão o Rei Dom Carlos I e do sobrinho o Rei Dom Manuel II.
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