domingo, 30 de outubro de 2016

O Perfil do Rei – Parte I

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‘No semblante iluminado do Rei está a vida, e a sua benevolência é como a nuvem da chuva serôdia’
– Provérbios 16:15
‘Não quero Eu fazer uma crise! Não quero nunca que haja crises feitas no Paço’,  sublinhava S.M.F. El-Rei Dom Manuel II de Portugal, 10 de Setembro de 1909, bem ciente do seu papel real de defensor do bem comum.
El-Rei Dom Pedro V chamava-lhe o ‘duro ofício de reinar’, pois, de facto, reinar não é um privilégio, mas um ofício… e dos duros! Por isso, antes de ser Rei, o Monarca é herdeiro presuntivo e burilado para adquirir todas as competências e conhecimentos sejam políticos, técnicos, científicos e culturais para que esteja devidamente apetrechado para desempenhar com a máxima aptidão o seu Ofício de Reinar e, também, para a completa abnegação pessoal às funções de Chefe de Estado e devoção exclusiva ao bem do País.
O génio da força é estar em relação com as outras forças, mas evitando os contra-sensos, interpretando vontades e sendo reconhecido como o mais «poderoso» para poder gerar consenso – claro que não para dominar, mas melhorar. Todas as forças políticas se afirmam na sua diferença, pelo que o Chefe de Estado não pode ser tendencialmente igual a uma dessas forças. Tem que haver uma figura completamente imparcial, isenta, papel que só pode ser desempenhado por um Rei, que tenha uma perspectiva geral, abstracta, livre, perdendo de vista o próprio interesse; que tenha uma visão da razão, com certeza imediata do que é o melhor para o Estado e não para uma das forças em conflito aberto.
O Rei tem a aptidão constante de possuir os conhecimentos indispensáveis para solucionar os problemas e para, pela mediação, convidar os demais a juntarem-se-lhe para a reflexão necessária, levá-los a reconsiderar os seus motivos e guiá-los à obtenção de um consenso que gere essas mesmas soluções para os problemas imediatos – que não raras vezes dependem totalmente de entendimento para serem dirimidos. E depois, só uma voz neutral e poderosa tem segurança e peso suficiente para se fazer ouvir, advertir e, em consequência, alcançar, dessa discussão entre contrários, o fim desejado: o bem comum.
Essa liberdade é plus do Rei!
Depois, é através dos actos que se conhece o sujeito, não das suas intenções. De facto, é necessário ter atenção na mensagem que transparece para o exterior.
El-Rei Dom Pedro V de Portugal, personificação da virtude de dedicação ao bem da coisa comum escreveu sobre o papel dos Reis: ‘devemos também lembrar-nos que existe para eles uma lei moral muito mais severa do que para os outros, porque quanto mais elevada é a posição tanto maior é a influência do exemplo.’
Hoje, um dos principais obstáculos à subsistência de uma verdadeira ética na res publica é a inexistência de um exemplo! Ora, não há, numa república, uma instituição que possa servir de modelo; não existe actualmente um compasso moral e ético que sirva como consciência da Nação. O Rei é amado pelo Povo, mas temido e odiado pela gente do seu tempo, como o são aqueles cujo exemplo acorda remorsos e cuja palavra obriga a corar.
Nada mais verdadeiro: o Rei como uma bússola orienta o caminho e como um cinzel grava a virtude! São os próprios Reis, que conduziram a Monarquia aos princípios da transparência, e, os tempos difíceis que se vivem um pouco por todo o lado têm feito com que as Casas Reais da Europa, sempre escrutinadas no exercício da Sua função real pelo olhar da opinião pública, adoptem uma postura de contenção económica. Como sustentou André Rebouças, o célebre abolicionista afro-Brasileiro: ‘É mais fácil democratizar um rei ou uma rainha do que um parlamento aristocrático, oligárquico e plutocrático.’
E assim, esta qualidade de isenção quase se torna uma virtude de Estado.
Por isso, não obstante a previsão dos poderes reais numa Constituição, os poderes do Monarca Constitucional estendem-se para lá desses limites, não de forma negativa, mas, antes pelo contrário, para aconselhar os políticos tendo em vista como melhor servir a Nação.
Numa Nação não há mais gentil-homem que um Rei; por isso o Monarca assume-se como um funcionário da Nação e do Povo acautelando por cumprir qualquer das obrigações inerentes ao seu cargo, que encara como serviço. O Rei tem de reinar rectamente! Mas o mesmo pode não acontecer com aqueles que procuram lugar e que certamente, numa hipotética restauração da Monarquia, verão nisso, oportunidade! O Rei de Portugal estava sentado num trono não físico, mas num Princípio – de oito séculos! Por isso é necessário cuidado com os vassalos que como aconteceu no fim da Monarquia Constitucional e mais ainda pelos revolucionários do 5 de Outubro de 1910, o que queriam, era, eles estarem sentados no trono! É que ser Rei, ‘dói!’, pela inveja dos pobres de espírito!
Com um Rei, de representação natural, intuitiva, que não age de modo absoluto, pois é um Monarca constitucional, passa-se depois à representação da representação, isto é, efectiva; o mesmo será dizer que, depois da imaterialidade, este adquire uma verdadeira lógica. Existe uma instantaneidade, uma ligação directa entre o Rei e o Nacional, pois o Rei é uma Entidade que encerra o peso simbólico da representação histórica, e essa legitimação cultural é muito importante, porque o Monarca guarda Nele a tradição dos antepassados e dos costumes da Nação. Da intuição que se tem dos caracteres próprios da magistratura real derivada do direito natural – pois entre o Rei e o Povo existe uma relação quase familiar, assente nos princípios naturais – deriva depois, dessa quase abstracção, um conceito autêntico e determinável, adquirindo universalidade e determinação em si mesmo, que se apresenta como o mais capaz não só para representar Povo e Nação, mas para resolver os problemas do Estado secular.
Assim, o Povo está e confia no Rei, revê-se Nele e orgulhosamente imita o Seu exemplo. O Rei é o exemplo e a referência!

FACTOS RONPEN LEYS
Ser Rei, é ser Pai duma Nação!
– Ter o Poder de Deus; que dá ao Rei,
alçada de Juiz, foral e acção,
para quando falar o Coração,
Ele possa guiar a Cega Lei…

Um rei que ponha bem certas,
as contas que andem tortas;
e que sempre tenha abertas,
bolsa, orelhas e portas…

A bolsa, para dar a quem não tenha;
orelhas, para ouvir risos e pranto;
as portas, para entrar, filho que venha
acolher-se às dobras do Seu Manto!

Pai da Pobreza.
Mão de Justiça.
Nos olhos – largueza…
Eis a Realeza,
que a Pátria cobiça!
In “Velhos Forais de Aragão”

‘O meu posto de honra é ao lado da Nação. Hei-de cumprir os meus deveres, que o amor das instituições e a lealdade à Pátria me impõem.’, jurou El-Rei Dom Luís I de Portugal.
O Rei dedicar-se-á exclusivamente à Sua Nação, não procurará sofregamente aumentar a dose de pão diário sem olhar a meios. O Rei especializa-se na defesa do bem da coisa comum e dos interesses da Nação. Lembremos o ‘Princípio’ de Tomás de Kempis segundo o qual os maus hábitos podem ser eficazmente combatidos por outros que lhes sejam contrários.
O Rei como um livro aberto – em qualquer parte aberta do livro –, sem nunca ser toldado pela sombra da dúvida, orientará todos pela virtude e pela força do Seu exemplo. Não pensará unicamente em si e no presente, pois o Seu trabalho aproveitará às gerações futuras. A Coroa visará a consecução do interesse público e não do interesse individual. Assim, o Rei será o dínamo da sociedade. O Rei procurará a defesa do bem da coisa comum e dos interesses da Nação, pois encara o posto de Reinar como um ofício e com sentido de missão. Ora relembremos o Princípio de Tomás de Kempis segundo o qual um costume mau é vencido por um costume bom. Assim, com um Rei dedicado à defesa do bem comum no seu posto de honra, zeloso em cumprir os Seus deveres por lealdade à Pátria, isso reflectir-se-á, inevitavelmente, nos demais agentes do Estado que não raras vezes estão muito afastados dos princípios da transparência que se exigem na gestão da coisa pública (res publica).
A autoridade dá as piores provas da sua força quando força a obediência pelo medo e alcança a submissão pelo terror. É provado que o afecto granjeia muito melhores resultados que o receio. Dessa relação especial, surge outro factor: o Rei é um canal privilegiado do Povo. E por exemplo como em Portugal os governantes sempre gozam de uma indemnidade, isenção de responsabilidade, mesmo quando violam a Constituição, o Rei seria muitas vezes a única defesa do Povo e o único fiscalizador isento contra decretos ditatoriais.
O Rei será um funcionário da Nação e, por isso, o povo pode livremente destroná-lo, se ele não cumprir qualquer das obrigações inerentes ao seu cargo – de acordo com o princípio medieval. O Rei tem de governar rectamente. Rex eris, si recte facias, si non facias, non eris e por isso mesmo poderá ser deposto. E o Rei injusto seria um castigo que Deus envia ao Povo, mas o povo não é obrigado a sofrê-lo.

Miguel Villas-Boas

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