sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

ACTA DAS CORTES DE LAMEGO

Foto de A.M.T.

Em nome da sancta, e individua Trindade Padre, Filho, e Spirito santo, que hé indivisa, e inseparavel. Eu Dom Afonso filho do Conde D. Henrique, e da Rainha Dona Tareja neto do grande D. Afonso Emperador das Espanhas, que pouco há que pella divina piedade fui sublimado à dinidade Rey. Ia q Deos nos concedeo algûa quietação, e com seu favor alcançamos vitoria dos Mourosnossos inimigos, e por esta causa estamos mais desalivados, porque não soceda despois faltarnos o tempo côvocamos a cortes todos os que se seguem. O Arcebispo de Braga, o Bispo de Viseu, o Bispo do Porto, o Bispo de Coimbra, o Bispo de Lamego, e as pessoas de nossa Corte que se nomearaô abaxo, e os procuradores de boa gente cada hum por suas Cidades, convem a saber por Coimbra, Guimarães, Lamego, Viseu, Barcellos, Porto, Trancoso, Chaves, Castello Real, Bouzalla, Paredes velhas, Cea, Covilham, Monte maior, Esgueira, Villa de Rey, e por parte do Senhor Rey Lourenço Viegas avendo tambem grande multidão de Môges, e de clerigos. Ajûtamonos em Lamego na Igreja de Santa Maria de Almacave. E assentouse el Rey no trono Real sem as insignias Reaes, e levantandose Lourenço Viegas procurador del Rey disse.

Fez vos ajuntar aqui el Rey D. Afonso, o qual levantastes no Câpo de Ourique, para que vejais as letras do santo Padre, e digais se quereis que seja elle Rey. Disserão todos: Nos queremos que seja elle Rey. E disse o procurador: Se assi hé vossa vontade, dailhe a insignia Real. E disserão todos: Demos em nome de Deos. E levantou se o Arcebispo de Braga, e tomou das mãos do Abbade de Lorvão hûa grande coroa de ouro chea de pedras preciosas que fora dos Reys Godos, e a tinhão dada ao Mosteiro, e esta puserão na cabeça del Rey, e o senhor Rey com a espada nua em sua mão, com a qual entrou na batalha disse: Bendito seja Deos que me ajudou, com esta espada vos livrei, e venci nossos inimigos, e vos me fizestes Rey, e companheiro vosso, E pois me fizestes, façamos leys pellas quais se governe em paz nossa terra. Disserão todos: queremos senhor Rey, e somos contentes de fazer leis, quais vos mais quiserdes, porque nos todos com nossos filhos e filhas, netos e netas estamos a vosso mandado. Chamou logo o senhor Rey os Bispos, os nobres, e os procuradores, e disserão entre si, Façamos primeiramente LEIS DA HERANÇA E SUCCESSÃO DO REYNO, e fizerão estas que se seguem.

Viva o senhor Rey Dô Afonso, e possua o Reyno Se tiver filhos varões vivão e tenhão o Reino, de modo que não seja necessario torna los a fazer Reys de novo. Deste modo socederão. Por morte do pay herdarâ o filho, despois o neto, então o filho do neto, e finalmente os filhos dos filhos, em todos os seculos para sempre. Se o primeiro filho del Rey morrer em vida de seu pay, o segundo será Rey, e este se falecer o terceiro, e se o terceiro o quarto, e os mais que se seguirem por este modo. Se el Rey falecer sem filhos, em caso que tenha irmão, possuirá o Reyno em sua vida, mas quando morrer não será Rey seu filho, sê primeiro o fazerem os Bispos, os procuradores, e os nobres da Corte del Rey, Se o fizerem Rey sera Rey, e se o não elegerem não reinará. Disse despois Lourenço Viegas Procurador del rey aos outros procuradores.

Diz el rey, se quereis que entrem as filhas na herança do reyno, e se quereis fazer leis no que lhes tocar. E despois que altercarão por muitas horas, vierão a concluir, e disserão. Tambem as filhas do senhor Rey são de sua descendência, e assi queremos que sucedão no reyno, e que sobre isto se fação leis, e os Bispos e nobres fizerão as leis nesta forma. Se el Rey de Portugal não tiver filho varão, e tiver filha, ella sera a rainha tanto que el Rey morrer; porem será deste modo, não casará senão com Portugues nobre, e este tal se não chamará Rey, senão despois que tiver da rainha filho varão. E quando for nas Cortes, ou autos publicos, o marido da Rainha irâ da parte esquerda, e não porá em sua cabeça a Coroa do Reyno. Dure esta ley para sempre, que a primeira filha del Rey nunca case senão com portugues, para que o Reyno não venha a estranhos, e se casar com Principe estrangeiro, não herde pello mesmo caso; PORQUE NUNCA QUEREMOS QUE NOSSO REYNO SAYA FORA DAS MÃOS DOS PORTUGUESES, que com seu valor nos fizerão Rey sem ajuda alhea, mostrando nisso sua fortaleza, e derramando seu sangue. Estas são as leis da herança de nosso Reyno, e leo as Alberto Cancellario do senhor Rey a todos, e disserão, boas são, justas são, queremos q valhão por nos, e por nossos decendentes, que despois vierem. E disse o procurador do senhor Rey. Diz o senhor Rey, Quereis fazer LEIS DA NOBREZA, E DA JUSTIÇA ? E responderão todos, Assi o queremos, fação se em nome de Deos, e fizerão estas. Todos os decendentes de sangue Real, e de seus filhos e netos sejão nobilissimos. Os que não são descendentes de Mouros, ou dos infieis Iudeus, sendo Portugueses que livrarem a pessoa del rey, ou seu pendão, ou algû filho, ou genro na guerra, sejão nobres. Se acontecer que algum cativo dos que tomarmos dos infieis, morrer por não querer tornar a sua infidelidade, e perseverar na lei de Christo, seus filhos sejão nobres. O que na guerra matar o Rey contrario, ou seu filho, e ganhar o seu pendão, seja nobre. Todos aquelles que são de nossa Corte, e tem nobreza antiga, permaneção sempre nella. Todos aquelles que se achrão na grande batalha do Campo de Ourique, sejão como nobres, e chamê se meus vassalos assi elles como seus decendemtes. Os nobres se fugirem da batalha, se ferirem algûa molher com espada, ou lança, se não libertarê a el Rey. Ou a seu filho, ou a seu pendão com todas suas forças na batalha, se derem testemunho falso, se não falarê verdade aos Reyz, se falarem mal da Rainha, ou de suas filhas, se se forê para os Mouros, se furtarem as cousas alheas, se blasfemarem de nosso Senhor Iesu Christo, se quiserem matar el rey, não sejão nobres, nem elles, nem seus filhos para sempre. Estas são as leis da nobreza, e leo as o Cancellario del Rey, Alberto a todos. E respôderão, Boas são, justas são, queremos que valhão por nos, e por nossos decêdentes que vierem despois de nos. Todos os do reyno de Portugal obedeçam a el rey, e aos Alcaides dos lugares que ahi estiverem em nome del rey, e estes se regerão por estas LEIS DE JUSTIÇA.

O homem se for comprehendido em furto, pella primeira, e segunda vez o porão meio despido em lugar publico, aonde seja visto de todos, se tornar a furtar, ponhão na testa do tal ladrão hum sinal com ferro quente, e se nem assi se emendar, e tornar a ser côprehendido em furto, morra pelo caso, porem não o matarão sem mandado del Rey. A molher se cometer adulterio a seu marido com outro homem, e seu proprio marido denunciar della à justiça, sendo as testemunhas de credito, seja queimada despois de o fazerê saber a el Rey, e queime se juntamente o varão adultero com ella. Porem se o marido não quiser que a queimem, não se queime o côplice, mas fique livre; porque não hé justiça que ella viva, e que o matem a elle. Se alguem matar homem seja quem quer que for, morra pelo caso. Se alguem forçar virgem nobre, morra, e toda sua fazenda fique à donzela injuriada. Se ella não for nobre, casem ambos, quer o homem seja nobre, quer não. Quando alguem por força tomar a fazenda alhea, va dar o dono querella selle à justiça, que fará com que lhe seja restituida sua fazenda.

O homem que tirar sangue a outrem com ferro amolado, ou sem elle, que der com pedra, ou algum pao, o Alcaide lhe fará restituir o dano, e o fará pagar dez maravedis. O que fizer injuria ao Agoazil, Alcaide, Portador del Rey, ou a Porteiro, se o ferir, ou lhe façã o sinal com ferro quente, quando não pague 50 maravediz, e restitua o damno. Estas são as leis de justiça, e nobreza, e leos o Cancellario del rey, Alberto a todos,e disserão, boas são, justas são, queremos que valhão por nos, e por todos nossos decendentes q despois vierem. E disse o procurador del Rey Lourenço Viegas, Quereis que el rey nosso senhor va âs Cortes del rey de Leão, ou lhe dê tributo, ou a algûa outra pessoa tirando ao senhor Papa que o côfirmou no Reyno? E todos se levantarão, E tendo as espadas nuas postas em pé disserão: Nos somos livres, nosso Rey he livre, nossas mãos nos libertarão, e o senhor que tal consentir, morra, e se for Rey, não reine, mas perca o senhorio. E o senhor Rey se levantou outra vez com a Coroa na cabeça e espada nua na mão falou a todos: Vos sabeis muito bem quantas batalhas tenho feitas por vossa liberdade, sois disto boas testemunhas, e o hé tambê meu braço, e espada; se alguem tal cousa consentir, morra pello mesmo caso, e se for filho meu, ou neto, não reine; e disserão todos: boa palavra, morra. El Rey se for tal que consinta em dominio alheo, não reine;

e el rey outra vez:

assi se faça.

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