segunda-feira, 5 de março de 2018

Justiça implacável para corruptos, traidores e criminosos de guerra

Foto de Nova Portugalidade.

Uma das fantasias muito implantada desde a historiografia oitocentista refere o carácter discricionário do exercício do poder pelos governantes do Ultramar português, deles se afirmando amiúde que não respondiam pelos seus actos, enriqueciam ilicitamente e exerciam o poder sem freios. A história desmente categoricamente tal presunção; antes, a história do Ultramar português está cheia de casos de punição exemplar de governantes que excederam as suas prerrogativas, pagando caro por haverem defraudado o interesse do Rei e usado as funções ao arrepio das regras instituídas. 


Caso paradigmático foi o de D. Jerónimo de Azevedo (1540-1625), homem experimentado na guerra e na administração, nascido no seio de uma família muito influente. D. Jerónimo reunia todos os predicados para aspirar à honra e às glórias compatíveis com a sua condição e os seus méritos pessoais. Enviado à Índia, ali deu mostras de notável energia e dotes de comando, pelo que em meados da década de 1590 foi nomeado capitão-general de Ceilão (hoje Sri Lanka).

Chegado à ilha, foi confrontado com o atoleiro de uma guerra no Reino de Candia, situado no interior, e cujo rei, católico e aliado de Portugal, se confrontava com uma rebelião sem par movida pela maioria da população não cristã . O Ceilão, inicialmente tido por grande esperança do império, revelara-se um caso muito difícil. Ali, se bem que nas regiões costeiras muitos se haviam convertido ao catolicismo, incluindo príncipes locais, o interior budista e o norte hindu eram fonte de permanente inquietação, movendo uma guerra de guerrilhas que com o tempo foi tragando mais e mais recursos. D. Jerónimo quis resolver o problema, lançando mão de uma política de feroz supressão da rebelião. A ordens suas, as colunas punitivas excederam-se em violências de tal magnitude, massacres e desmandos que, ao invés de conseguirem dobrar a resistência, ampliaram-na. 

Em 1596, sentindo a impossibilidade de manter o trono, o Rei de Candia abdicou e transferiu para D. Filipe I de Portugal todos os direitos. No acto de abdicação, confiou a D. Jerónimo de Azevedo os símbolos do seu poder, assim como o riquíssimo tesouro real. Tudo indica que D. Jerónimo o terá de levado para Goa no fim da sua comissão. A aparente vitória no Ceilão deu-lhe tamanha reputação que em 1611 ascendeu a Vice-Rei do Estado da Índia. Porém, à corte foram chegando notícias que desmentiam os méritos de Azevedo. Se o eco das chacinas no Ceilão deixara o Rei muito incomodado, a revelação da apropriação por D. Jerónimo de Azevedo do tesouro real a todos deixou estupefactos. Mandado regressar ao Reino, assim que desembarcado em Lisboa foi acusado de enriquecimento ilícito, traição ao Rei e malfeitorias, pelo que foi expropriado de todos os seus bens, privado da sua condição de nobre e confinado a um cárcere, de onde nunca sairia. 

Como diria o historiógrafo seiscentista Manuel de Faria e Sousa no terceiro tomo da História da Índia, "assim, pois, o Supremo Juiz, que quer que se matem inimigos em justa guerra e não quer que se executem crueldades injustas, reveladoras mais de ânimo feroz que de necessidade urgente, permitiu que o nosso Vice-Rei viesse a pagar as devidas penas". 

Miguel Castelo-Branco






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