quinta-feira, 5 de abril de 2018

O português que chorou a morte de Pushkin:

Foto de Nova Portugalidade.Foto de Nova Portugalidade.

O misterioso Guerreiro referido por Turgenev no funeral do poeta Pushkin foi revelado pela historiadora russa Svetlana Balashova, levantando o véu de um enigma centenário. Ricardo da Cruz Guerreiro era ministro plenipotenciário na Rússia e esteve presente no funeral do poeta, facto quase obscurecido e grandemente nunca identificado pelos “pushkinistas” (estudiosos da obra do poeta Pushkin).
Porém, as próprias vicissitudes da vida e do tempo histórico contribuíram para a sua obscuridade.
Sabemos que Ricardo Guerreiro nasceu em Lisboa em 1772 e que morreu em São Petersburgo em 1844. Sabemos que casou apenas uma vez e que teve apenas um único filho, de resto, enquanto Guerreiro foi vivo a família sempre residiu na Rússia, regressando a Portugal após a sua morte. Antes da Rússia esteve na Dinamarca (1796-1797), naquela que foi a primeira representação portuguesa naquele país, e exerceu também o cargo de secretário na Embaixada de Londres (1812).
Foi testemunho das crises do século. Era então diplomata na Rússia quando estalou em Portugal a guerra civil, tomando o partido de D.Miguel. Quando os realistas perderam a guerra, Guerreiro perdeu o posto que ocupava, passando a viver em São Petersburgo apenas como civil. Talvez mais um exilado como foram outros notáveis miguelistas, António Ribeiro Saraiva ou o Visconde de Santarém? Não terá sido o seu destino tão dramático. De acordo com os testemunhos da época, Guerreiro passou a viver como “enviado diplomático" e, tanto quanto se possa dizer, viveu uma vida desafogada na corte dos czares.
A casa que ocupava, em São Petersburgo, da propriedade da baronesa Hall, filha de um próspero industrial, acolhia a elite cultural e a aristocracia mais refinada, frequentemente deliciava os visitantes com serões musicais e os músicos mais reputados da época por ali passaram. Neste ambiente terá certamente cruzado caminho com Pushkin?
Guerreiro foi também amigo de uma beldade portuguesa, à época respeitada senhora da sociedade, e que então encantava a capital do Império, Juliana Stroganoff, a famosa condessa de Stroganoff. Juliana era a terceira filha da marquesa de Alorna, cuja vida integra bem a dimensão romântica da época. Não obstante, a filha, Idália Polétika, desempenhará um papel crucial no duelo e subsequente morte de Pushkin. Na Rússia, a condessa de Stroganoff era conhecida como Yulia Petrovna e, a partir de 1862, passou a ser Dama de companhia na corte do Czar. Muito ao estilo do romantismo, a morte do poeta Pushkin desenvolve-se num enredo de tragédia, paixão e drama. Como os grandes vultos do romantismo não há como dissociar o homem da obra nem a obra da vida veloz que viveu, foi assim com o nosso Camões, foi assim bom Byron e Shelley.
O puzzle fica completo quando acrescemos que o conde de Stroganoff era tio da mulher de Pushkin. A aproximação dos Stroganoff ao poeta desenrola-se numa teia complexa de conspirações e mexericos e está intrinsecamente relacionada com o “drama do duelo”. O duelo foi provocado por cartas anónimas que referiam uma suposta ligação amorosa entre a esposa de Pushkin e d'Anthès. A tensão foi ainda alimentada pelas intrigas da filha de Juliana, Idália Polétika, femme fatale de São Petersburgo. À responsabilidade junta-se a própria culpa de Natalia Gontcharova, esposa de Pushkin, cuja atitude equipara-a a uma "Helena de Tróia", ou, como a poetisa Anna Akhmatova chamou, a “cúmplice dos Heeckerens na construção do duelo”. Nestas “ligações perigosas” terá vivido Guerreiro. Não fosse a própria condessa Juliana amiga próxima do nosso embaixador, fazendo aliás referência à sua morte em 1844.
Podemos presumir que o próprio Guerreiro, quase certamente, terá conhecido Pushkin, parece quase inevitável.
A morte do poeta enlutou a Rússia e foi sentida como tragédia nacional, as missivas das embaixadas aos respectivos países fazem constatar o facto, e Guerreiro terá certamente comunicado a Portugal a tragédia.
Sem dúvida, foi este homem quem deu a conhecer aos seus conterrâneos a morte daquele grande vulto do romantismo russo cujo desaparecimento também soube chorar.








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