sexta-feira, 14 de setembro de 2018

A França tradicional em Bangkok

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Sempre que regresso a Bangkok, há um amigo de longa data que não dispenso de reencontrar. O Paul Galan vive aqui há mais de dez anos, depois de ter acumulado invejável conhecimento do mundo, sobretudo de África, onde leccionou Economia. Natural da Argélia Francesa, lutou pela sua pátria francesa africana, resistiu à independência e foi perseguido por De Gaulle, tendo encontrado refúgio em Portugal nos anos 60. Hoje, dedica-se com entusiasmo militante à defesa das cristandades do Médio Oriente, participando activamente na ajuda aos cristãos da Síria. É daquelas inteligências francesas entregues ao estudo e à reflexão, característica de um tempo em que o método francês ainda batia aos pontos a desarrumação, a falsa objectividade e o saber prático anglo-saxónico.
Cada encontro com o Paul é uma aula de erudição. Grande leitor, conhecedor de Teologia e história das religiões, sobretudo do Catolicismo, do Islão e do Judaísmo, em cada conversa estabelece as pontes, compara fontes, aclara dúvidas. Foi o Paul que há cerca de dez anos, muito antes de ler Tom Holland e Patricia Croner, me ofereceu L'Islam, ses véritables origines: un prédicateur à la Mecque, da autoria do Padre Joseph Bertuel (1). No nosso último almoço, abordou as relações entre o Catolicismo e o Budismo, tema que eu abordara na conferência na Siam Society. Disse-me sem hesitações que um budista raramente se converte ao catolicismo, pois neste último nada existe de novo para o praticante da religião do Iluminado. Com efeito, Buda e Cristo, na tradição, na lenda e na predicação, são irmãos-gémeos, pelo que para um budista não haveria motivo algum para se converter a uma outra religião em tudo análoga.
Ao Paul, que não se mistura com os "expatriados" e segue fiel a uma ideia de França que as décadas recentes se encarregaram de destruir, a minha amizade e admiração.
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(1) Após trabalho de análise do Corão, empresa em que evidencia excepcionais dotes filológicos e um exaustivo conhecimento da Sagrada Escritura, da história bíblica e das línguas e religiões do Médio Oriente, Bertuel despedaça uma a uma as teses coranológicas.
- A predicação de Maomé não lhe foi soprada pelo Arcanjo Gabriel (logo, o Islão não é uma religião revelada), pois tudo aquilo que revela já havia sido revelado há mil anos através do Antigo Testamento e da Torá. Deus não faz duas vezes a mesma revelação, logo o profeta não é profeta;
- A organização do Corão não segue qualquer ordem cronológica, pois o livro foi despedaçado e revolvido, sendo a versão actual resultado de concatenação acidental (o Corão apresenta-se como sucessão de surata, em ordem decrescente de extensão), e os "discursos e ensinamentos do Profeta" (o Hadith) não são merecedores de crédito, pois terão sido redigidos ao longo dos três séculos subsequentes à morte do predicador;
- Maomé não poderia ser o cameleiro analfabeto que a história conta, pois havia lido e conhecia todos os textos fundadores do judaísmo, limitando-se a dar-lhes forma aligeirada e popular, sem referir as fontes. Maomé seria, sim, um judeu-cristão ebionita em busca de prosélitos entre os árabes politeístas da Meca, onde vigorava um claro henoteísmo - crença religiosa que postula a existência de várias divindades, mas que atribui a criação de todas a uma divindade suprema, que seria objeto de culto - e que na Arábia dava pelo nome de Alat.
Depois, vem a suprema provocação, ou antes, a insinuação que paira e desnorteia. O reformismo cristão (o "protestantismo"), assentando na recuperação da pureza originária do cristianismo, quis reinvestir YHWH (Yavé/Iavé) na sua plena majestade, recusando qualquer representação de Deus, intermediação e intercessão humana na relação entre a palavra de Deus e os crentes e considerando Jesus um mestre predicador. Os despidos templos protestantes seriam, assim, como as sinagogas (e como as mesquitas), onde não há imagens e onde apenas se guarda a revelação divina. Por outras palavras, o Islamismo é uma derivação judaica e o protestantismo o retorno ao judaísmo; o Corão é um livro judaico, uma colectânea-síntese e tudo o que o distingue da sua matriz é acidente do movimento que lhe garantiu a força e estatuto que a história regista.


MCM

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