Em 63 anos de reinado, Isabel II nunca se desviou da postura tranquila de poder moderador e árbitro imparcial.
Na próxima quarta-feira, 9 de Setembro, a rainha Isabel II de Inglaterra tornar-se-á a monarca que mais tempo ocupou o trono, ultrapassando a Rainha Vitória.
O caso é particularmente curioso, porque a rainha e a monarquia britânicas mantém elevadíssimas taxas de popularidade. E é a monarquia constitucional mais antiga do planeta. A rainha é a Chefe de Estado de 16 países da Commonwealth (incluindo Austrália, Canadá e Nova Zelândia), reinando sobre cerca de um quarto da população mundial. A que se deve este fenómeno?
Muitos responderão sem dificuldade. A Inglaterra é um país conservador, dominado há séculos por uma oligarquia aristocrática/capitalista que finge ser democrática. Essa era, sem dúvida, a opinião de Karl Marx – que, todavia, escreveu tranquilamente O Capital na magnífica sala redonda da Biblioteca Britânica, sem nunca ser incomodado pela polícia.
Elie Halévy, o célebre historiador francês do século XIX inglês, falou em contrapartida do “milagre inglês”: o milagre de a Inglaterra ter feito todas as revoluções da época moderna sem nunca ter recorrido à Revolução. Por outras palavras, Halévy não distinguiu a Inglaterra por ser imobilista. Pelo contrário, sublinhou que fizera muitas mudanças, frequentemente antes dos outros países. Mas que as fizera sempre sem rupturas, sem revoluções e contra-revoluções, sem fanatismo.
Com efeito, a última Revolução ocorrida em Inglaterra teve lugar em 1688, quase cem anos antes da revolução americana de 1776 e mais de cem anos antes da funesta revolução francesa de 1789. Sobre esse precoce regime constitucional inglês, disse William Pitt num discurso no Parlamento em 1763: “O homem mais pobre pode na sua cabana desafiar todo o poder da Coroa. A cabana pode ser frágil, o seu telhado pode abanar, o vento pode soprar no seu interior, as tempestades podem entrar, a chuva pode entrar – mas o Rei de Inglaterra não pode entrar. Todas as suas forças não se atrevem a atravessar o limiar do alojamento arruinado.”
Esta ideia de governo limitado pela lei era na época distintivo da monarquia constitucional inglesa. Hoje, felizmente, distingue todas as democracias ocidentais, monárquicas ou republicanas. Mas, até conseguirem alcançar a democracia constitucional, muitos países tiveram de atravessar revoluções e contra-revoluções, golpes de estado de sinal contrário, censura e perseguições mútuas. Não foi esse o caso de Inglaterra, desde 1688.
Winston Churchill descreveu essa especificidade britânica com a expressão “corrente de ouro”, a propósito da filosofia política de seu pai: “[Lord Randolph Churchill] não via razão para que as velhas glórias da Igreja e do Estado, do Rei e do país, não pudessem ser reconciliadas com a democracia moderna; ou por que razão as massas do povo trabalhador não pudessem tornar-se os maiores defensores destas antigas instituições através das quais tinham adquirido as suas liberdades e o seu progresso.
É esta união do passado e do presente, da tradição e do progresso, esta corrente de ouro [golden chain], nunca até agora quebrada, porque nenhuma pressão indevida foi exercida sobre ela, que tem constituído o mérito peculiar e a qualidade soberana da vida nacional inglesa.”
Isabel II tem sido seguramente o símbolo destacado desta “corrente de ouro” que permitiu ao Reino Unido fazer todas as revoluções da época moderna sem recurso à Revolução. Em 63 anos de reinado, teve 12 primeiros-ministros britânicos (incluindo Churchill, Thatcher e Blair) e enfrentou as mais diversas paixões políticas. Nunca se desviou da postura tranquila de poder moderador e árbitro imparcial da liberdade ordeira dos seus súbditos.
Num artigo notável no Telegraph do passado sábado, Charles Moore (antigo director do jornal e biógrafo autorizado de Margaret Thatcher) recordou vários episódios difíceis do reinado de Isabel II. Ainda recentemente, nas vésperas do referendo na Escócia, a rainha disse simplesmente ter a certeza de que os escoceses pensariam seriamente antes de votarem.
Escreveu ainda Charles Moore: “Ela compreendeu que a monarquia é potencialmente hostil à democracia, e por isso teve o cuidado de evitar esse confronto. Mas também viu que a democracia, porque inevitavelmente funciona através do conflito, poder tornar-se demasiado rude. Pode levar os participantes a desprezarem-se uns aos outros. Por isso ela pode ajudar a acalmar os ânimos – uma figura de paz, cortesia e confiança. […] Esta combinação de monarquia e democracia ajudou o país a ser livre e seguro ao mesmo tempo.”
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