‘Que País é esse onde matam um rei e um príncipe e a primeira medida que se toma é demitir o Ministério?!’, vociferou o Rei britânico Eduardo VII descontente com a responsabilização, demissão e expulsão de João Franco, após o trágico Regicídio.
De facto, o Regicídio, atentado terrorista no qual perderam as vidas El-Rei Dom Carlos I de Portugal e o Príncipe Real Dom Luís Filipe, Duque de Bragança, às mãos da Carbonária, foi o tocar de finados da Monarquia Portuguesa.
João Franco podia ser culpabilizado de negligência na segurança da Família Real, que quase sem escolta percorreu os 100 passos até à morte num laudau, expostos à mercê dos terroristas carbonários, também, podia ser responsabilizado por trazer à baila a falsaQuestão dos Adiantamentos à Casa Real, mas afastá-lo do cargo de Presidente do Governo seria uma opção de consequências trágicas para o regímen, porque a estabilidade governamental só voltara com a reforma que El-Rei Dom Carlos I estava a empreender com o governo de João Franco que perdurou entre Maio de 1906 e Fevereiro de 1908 – antes disso nos anos anteriores sucediam-se governos um atrás do outro.
Além disso, com a queda do Governo de João Franco Castello-Branco as forças militares fiéis à Monarquia sofreram um rude golpe, quando o novo governo de Acalmação afasta Vasconcellos Porto, Ministro da Guerra, e Ayres de Ornelas, Ministro da Marinha. Foi uma feroz estocada, pois o ministro da guerra e o ministro da marinha, respectivamente, possuíam brio, inteligência e um forte ascendente sobre as altas e médias patentes militares, para além de serem especialistas nas nomeações. Outro desacerto capital do novo governo foi a mudança no comando militar de Lisboa.
Assim, com a demissão de João Franco era assinado o Decreto do Fim da Monarquia!
Com o novo Gabinete Ministerial do Governo de Acalmação entravam no Ministério, além dos dissidentes Regeneradores e Progressistas, diz-se que, sub-repticiamente, os republicanos, à sombra do novo presidente do governo, o Almirante Ferreira do Amaral, dito Makavenko – assim chamado pelas suas ligações notórias e sobejamente conhecidas com o Clube homónimo, e que estava longe de ser apenas um clube gastronómico hedonista -, e em que militavam revolucionários como Afonso Costa, Grandella e França Borges. Mas o governo, não fosse a falta de visão em manter no Ministério os nomes supracitados, durante algum tempo conseguiu uma certa estabilidade.
Porém, a Carbonária Portuguesa, liderada por Luz de Almeida, a partir de 1909, apoiada pelo próprio grão-mestre do Grande Oriente Lusitano Unido, lançou-se no patrocínio das bombas dos anarquistas como João Borges e no recrutamento de fidelidades nos quartéis, especialmente na Marinha.
Estas dissidências não se verificavam por exemplo do lado da maçonaria, nem no Partido republicano Português, que mesmo reunindo membros que nutriam uns pelos outros ódios figadais, mantiveram a união até ao golpe revolucionário que implantou o Estado das Coisas republicano a 5 de Outubro de 1910.
Ao 1.º governo do reinado de Dom Manuel II, segue-se o Governo de Sebastião Teles, apoiado por Veiga Beirão e pelos lucianistas, visando pôr ordem no exército, mas já era tarde. As chefias militares, a braços com a pesada burocracia, enredavam-se na análise de relatórios detalhados e de falsos e elaborados planos revolucionários gizados pelos republicanos como engodo, sem tomar consciência da enraizada 5.ª Coluna Carbonária entre marinheiros, soldados e sargentos. Os governos que se sucederam, cegamente mediam a lealdade dos militares ao regime através de consecutivas e inócuas visitas a regimentos por El-Rei que era sucessivamente aclamado, pois o problema não era o benquisto Monarca – o problema não residia nas estrelas!
A 11 de Abril sucede o Congresso do Partido Republicano Português, em Setúbal, com a subida de carbonários ao Directório republicano e que termina com a aprovação do programa que prevê o derrube da Monarquia pela via revolucionária.
Segue-se o Governo de Wenceslau de Lima, mas que sofre forte oposição do ciumento José Luciano, que o apelida de valido de Teixeira de Sousa e qualifica o Gabinete como o governo da Politécnica do Porto.
Talvez por ser a época de maior liberdade que Portugal gozou, com censura inexistente – lembremos só as caricaturas de Bordallo Pinheiro – e total liberdade de expressão, verifica-se uma forte propaganda republicana em que se insulta o Rei por panfleto e escrito impresso através de pasquins como A Cartilha do Cidadão da Carbonária, e revistas como a Alma Nacional – dirigida por António José de Almeida – e dos mais diversos jornais criados com esse propósito, o que leva o republicano Brito Camacho, a dizer, ‘quanto mais liberdades nos derem, mais delas usaremos contra eles’. As mentiras eram descaradas: vociferavam que Portugal era um País atrasado e o Povo analfabeto. Ora em 1910, ainda na vigência da Monarquia o PNB per capita era de 60%, havia 4400 escolas públicas e 1000 particulares, e os maiores vultos das letras portuguesas assim como o progresso material haviam surgido a partir do Reinado de Dom Luís I…. mas a propaganda republicana não era coarctada, em nome da liberdade de imprensa!
À Polícia Preventiva, rede de serviços de informação pouco eficaz da Monarquia Constitucional, passou quase tudo ao lado: primeiro o Regicídio, depois, os engenhos artesanais de João Borges e Manuel Ramos, o recrutamento da Carbonária nos quartéis, os tumultos e a organização da comissão militar republicana para o derrube da Monarquia.
No Exército e na Marinha contínua o vazio de fidelidades que já vinha da deposição de Vasconcellos Porto e Ayres Dornellas – esta quebra da estratégia reformista levou à confusão, ao imobilismo e à deserção para as hostes carbonárias, que alcança o perigoso número de 40 mil primos.
Entretanto, atiravam ao Monarca Dom Manuel II as culpas que eram dos políticos e do sistema que os últimos foram viciando, de sorte que, por parte do rotativismo partidário nos últimos tempos da Monarquia não havia senão interesses e nenhuma sincera dedicação à Figura Real – sobretudo com a saída forçada de uns poucos capazes e devotados ao Rei e à Monarquia. Todos diligenciavam as suas comodidades e agenciavam o seu sossego e ninguém dentro do sistema estava disposto ou tinha coragem para sacrificar a vida pela bondade do regímen e do Rei.
El-Rei Dom Manuel II era a única força viva e operante no País, desdobrando-se incansavelmente, muitas vezes para mal da Sua saúde, em exercer ao máximo o Seu poder moderador de forma a reformar a política de qui pro quos e de interesses que assolava o País. Prova da Sua visão política foi a tentativa de captar para o lado da legitimidade o emergente Partido saído da fusão do Partido dos Operário Socialistas com os outros socialistas, que por diferenças irreconciliáveis se afastaram dos republicanos, pelo que estes últimos nunca tiveram do seu lado as classes trabalhadoras. Estas diligências deixaram o Rei muito benquisto entre as classes operárias.
Acima de intrigas, nunca o Rei foi gerador de qualquer crise ou problema político ou social – talvez não se possa dizer o mesmo de alguns áulicos do Paço que com ideias demasiado aristocratizantes – e com aquele ‘prazer aristocrático de desagradar’ de que falava Beaudelaire – despertavam desdém e invejas dos políticos ou daqueles que o liberalismo fizera Pares e que alcançaram um estatuto social baseado na acumulação de bens, mas sem pingo de nobreza baseada no modelo de nascimento que funcionava como o mais importante classificador social em que a antiguidade era o bem fundamental da linhagem.
Já Sua Majestade o Rei Dom Manuel II calcorreava, ainda, o País de lés a lés, onde o Povo o aclamava entusiasticamente e exortava de alegria à Sua passagem, sugestionados não já pela expressão superlativa da imagem real, mas pela Sua simplicidade e bondade e que por isso sempre acorreu entusiasmado à entrada do Rei em qualquer localidade, com ruidosas manifestações de sentimento, porque mais do que nunca o trono do Rei de Portugal era alçado não num estrado, mas erguido nas bases sólidas do direito público nacional e argamassado na fidelidade e amor recíproco entre Monarca e Povo.
Júlio de Vilhena que se propunha formar um governo de combate, foi finalmente convidado por Dom Manuel II, mas para formar um governo que pudesse ser apoiado por todos e estabelecesse um período de trégua política entre os partidos. Vilhena não correspondeu com a diligência que se impunha ao mandado d‘El-Rei e deu-se por vencido avançando como razão lhe ser impossível conciliar os dissidentes e os teixeiristas com os progressistas. Foram então, também, encarregados de organizar o governo Teixeira de Sousa, António de Azevedo, Anselmo de Andrade e Wenceslau de Lima. Incumbe formar governo a Teixeira de Sousa, esse ser amigo pessoal de Bernardino Machado, Afonso Costa, Brito Camacho e França Borges. Teixeira de Sousa, aquele que considera que o governo estava sempre com a liberdade, ou melhor liberalidade, e não com a tradição. Assim, tal como os republicanos, estabeleceu como adversários primordiais os clérigos e o ultramontismo.
Emergiu então, do lado monárquico um coro oposicionista de progressistas, vilhenistas, henriquistas, franquistas e nacionalistas, todos Paivantes e todos contra o governo.
O Rei apela a uma trégua nas lutas partidárias, mas não é ouvido!
Teixeira de Sousa invoca a herança regeneradora da lei de imprensa de 1866, o código administrativo de Rodrigues Sampaio de 1878, a electividade dos pares de 1885 e a lei eleitoral de 1884. Sem lei nem ordem a propaganda republicana, as manifestações, os atentados sucedem-se. De acordo com Júlio de Vilhena seguiram-se cem dias tresmalhados que acabam com a dissolução das Cortes, logo em 27 de Junho. No Conselho de Estado, votaram contra a dissolução Júlio de Vilhena, Veiga Beirão e José Novais. Foram de parecer favorável Pimentel Pinto, António de Azevedo, Melo e Sousa e Wenceslau de Lima.
Na impossibilidade do ‘governo intermédio’ que desejava o Rei e que se exigia para o país e regímen, marcam-se eleições para 28 de Agosto.
O Rei ou o regímen da Monarquia não eram, nem nunca foram os bloqueadores do funcionamento das instituições, mas, pelo contrário, os que mais contribuíam para o seu funcionamento.
‘Praticam actos que impedem a vida regular dos governos o Júlio Vilhena, a minoria, o Presidente da Câmara, a maioria?! O culpado sou eu, e eu só é que devo conseguir tudo, senão… não poderei contar com a fervorosa dedicação dos que eu agora abandono!… Mas quem é que eu abandono?! Tenho trabalhado com a máxima sinceridade e dedicação ao meu País e tenho feito, como bem sabe, tudo o possível para harmonizar! Sou eu, que tenho provocado os conflitos na Câmara? Sou eu que tenho acirrado a vivacidade das paixões políticas? De mim tudo se exige! Não poderei eu pedir aos políticos que por amor do País atenuem um pouco isto tudo?!’, escreveria um atilado Rei Dom Manuel II a José Luciano de Castro, fazendo ver o quanto os políticos com as suas questiúnculas estavam a prejudicar o País e a Coroa, a quem depois imputavam culpas, não merecidas, pela inaptidão própria destes homens que se meneavam em jogos dos interesses partidários.
Os republicanos cavalgam a onda e a 22 de Julho, José Relvas, Magalhães Lima e Alves da Veiga, mandatados pelo PRP, deslocam-se a Paris e Londres para contactos diplomáticos, regressando com o apoio da internacional maçónica. Ainda, em Julho, deu-se a solene instalação das oposições monárquicas e o Governo de Teixeira de Sousa, a 19 de Agosto, dizendo temer um movimento revolucionário das oposições monárquicas, põe as tropas de prevenção: errou o alvo!
Na 46ª eleição geral – a 37ª eleição da 3ª vigência da Carta – realizada a 28 de Agosto de 1910, pouco mais de três meses antes da revolução que instaurou a República, a ida às urnas traduz-se numa vitória dos Governamentais de Teixeira de Sousa (58%), mas sobretudo numa vitória dos Partidos Monárquicos (91%) contra uns meros 9% do Partido Republicano Português que não traduz em voto popular o barulho que faz nas ruas, pois esse é feito pelos seus acólitos e não pelo justo e bom Povo que é Monárquico. Abre o parlamento em 23 de Setembro, mas as questiúnculas partidárias mantêm-se, e no dia seguinte as Cortes são adiadas sine die.
‘O Povo às vezes tem-se revoltado por conta alheia. Por conta própria – nunca; nem mesmo lho consentiriam aqueles que o têm revoltado por interesse seu’, escreveu Eça de Queiroz in Farpas, 1872. Mas no caso da implantação da república, nem se poderá dizer que o Povo se revoltou por interesse alheio, uma vez que não se revoltou de todo.
Em 3 de Outubro de 1910, Miguel Bombarda, que era uma das figuras proeminentes dos republicanos é assassinado por um doente demente e os seus camaradas aproveitam e urdem uma teoria da conspiração: o médico fora assassinado! Num jantar com o Rei Dom Manuel II o presidente brasileiro de visita ao País informa Sua Majestade que se previam tumultos; Teixeira de Sousa quer pôr o exército em estado de alerta, mas o Gabinete não entende ser necessário. Dom Afonso Henriques, o último condestável do Reino e tio do Rei parte para a Cidadela de Cascais, o Rei fica mal guardado nas Necessidades, a jogar bridge com alguns dos seus mais dedicados áulicos.
De madrugada os republicanos apoiados no seu braço armado, os 3000 primos da Carbonária, assumem posições e perfilam-se para o combate. A Capital estava nas mãos do nervoso e inexperiente governador militar. O carbonário Machado dos Santos assalta o paiol do quartel de Campo de Ourique – sem resistência que se justifique relatar -, e segue com a sua milícia de maltrapilhos para a Rotunda. No Tejo o Adamastor e o S. Rafaelamotinam-se, o D. Carlos permanece fiel. Cândido dos Reis, perante a manifesta incapacidade da Carbonária se apoderar do Arsenal do Exército e julgando tudo perdido, suicida-se. A artilharia 1 coloca-se ao lado dos revolucionários, mas sem sair para a rua. Na Rotunda os terroristas acantonam-se, junta-se-lhe a súcia de Lisboa que vai engrossando o número da ralé, os comandantes monárquicos ficam impávidos e não atacam. O Comandante Paiva Couceiro em torno do qual se haviam colocado as oposições monárquicas, que pernoitava em Cascais, é posto ao corrente da situação. Dirige-se ao seu quartel, mas os seus homens já haviam saído, junta-se-lhes e verifica que a moral dos soldados está em baixo. Começam as deserções em todos os quartéis que ainda se mantinham do lado do regime legítimo.
A luta intensifica-se nas ruas, os ministros da Guerra e da Marinha estão completamente desorientados, o Palácio das Necessidades começa a ser bombardeado e o Rei em perigo e sem protecção de artilharia que havia sido desviada para fazer frentes aos revolucionários da Rotunda, é aconselhado pelo via telefone pelo presidente do Governo a ir para Mafra, o Rei recusa, mas os áulicos insistem e insistem e o jovem Rei anui. O Rei quase perde a vida quando uma granada é atirada contra o automóvel em que seguia a caminho de Mafra, ainda que não soubessem que nele seguia Dom Manuel II vestido à civil, contrariamente ao que pretendia, pois quis substituir o anterior uniforme de gala e vestir o uniforme de general, mas não o deixaram.
A corveta D. Carlos cai nas mãos dos marinheiros revoltosos, eram 22 horas, a Monarquia caía com as ameaças de bombardeamento das forças monárquicas. Apenas 60 homens perderam a vida nesse dia, o que mostra a insipiência dos combates. Ou melhor a Monarquia não caiu, deixaram-na cair.
‘Os crimes da república, tornados possíveis pela desgraçada incapacidade monárquica e pela indiferença da maioria dos portugueses, estão agora dando o seu fruto, que, quando absolutamente maduro, será a derrocada de tudo! Estamos chegados ao “fim do fim”!’ haveria de escrever S.M.F. El-Rei o Senhor Dom Manuel II de Portugal.
No dia 5 de Outubro de 1910 na varanda da Câmara Municipal de Lisboa José Relvas, acompanhado de por exemplo Inocêncio Camacho, proclama a república diante dos 300 ou 400 maltrapilhos das milícias carbonárias, mas perante a indiferença dos populares que passavam, muitos dos quais nem sabiam o que se tinha passado.
Horas após o golpe revolucionário El- Rei Dom Manuel II e último de Portugal, juntamente com Sua augusta Mãe, Avó e restante comitiva de fiéis monárquicos, embarca numa barqueta de pescadores rumo ao Yacht Amélia onde os aguardava o Infante D. Afonso de Bragança. O Rei deposto, mas que ainda não se dera por vencido olha o mar de frente, sem se despedir da Terra Portugal, que não imaginava, ainda, não voltaria a ver. Julgava ir para o Porto onde organizaria a resposta monárquica ao coup, mas pouco depois o comandante do navio, ‘para segurança de Sua Majestade’, recusa essa responsabilidade até porque dizem recebera ordens do presidente do Governo para rumar a Gibraltar, mas que parece mais um repentinamente convertido em republicano, seguindo a onda de adesivismo que se seguiu, maculando-se assim com um acto de Traição e Crime de Lesa-majestade. Os italianos recolheram a Rainha Dona Maria Pia e depois, já em Gibraltar, El-Rei Dom Manuel II e a Rainha Dona Amélia embarcariam no iate particular do seu primo George V, o Rei-Imperador do Reino Unido e do Império Britânico, rumando o último Rei de Portugal exilado para Inglaterra.
‘A situação de Portugal, proclamada a República, é a de uma multidão amorfa de pobres-diabos, governada por uma minoria violenta de malandros e de comilões. O constitucionalismo republicano, para o descrever com brandura, foi uma orgia lenta de bandidos estúpidos.’, Fernando Pessoa, monárquico convicto traçou assim, depois, na sua forma única, o retrato do novo regime.
Miguel Villas-Boas – Plataforma de Cidadania Monárquica
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