Em Junho de 1906, por ocasião da Sessão Solene de Abertura das Cortes, El-Rei Dom Carlos I de Portugal profere o seu 17.º Discurso da Coroa, tão mais importante quanto havia um novo Governo de aliança parlamentar entre o pequeno partido Regenerador-Liberal do Chefe do Ministério João Franco e o Partido Progressista e que tomara posse a 19 de Maio.
Depois do aparato do Cortejo Real no Coche da Coroa, os Reis de Portugal acompanhados do Infante Dom Afonso – irmão do Rei – chegam ao Palácio de São Bento e entram nas Cortes com toda a pompa e circunstância. SS.MM.FF. o Rei Dom Carlos I e a Rainha Dona Amélia ocupam o seu lugar protocolar nos Tronos colocados sob um estrado na tribuna do hemiciclo.
As Palavras do Rei tinham um papel fundamental pois Sua Majestade, como escreveu Raul Brandão: ’Se o deixam viver, tinha sido um dos maiores reis da sua dinastia. Só ele fala (e sonha) num Portugal Maior, e num Portugal esplêndido. O resto é visão de pequenos estadistas de trazer por casa.’
Perspicaz e com visão de Estadista tinha uma capacidade enorme para fazer discursos, e ao contrário do que se, maldosamente, fazia crer não se limitava a articular as palavras escritas do Chefe do Ministério, conforme acontece hoje nas Monarquias Constitucionais. Embora, numa Monarquia Constitucional ‘o Rei reina e não governa’, Dom Carlos era, o oposto de uma figura de retórica cerimonial, mas como dizia Eça de Queiroz ‘é El-Rei a única força que no País ainda vive e opera’, ou, como haveria de escrever Homem Cristo in “Monarchicos e Republicanos”, 1928: ‘foi o político mais inteligente do seu tempo e o único, de todos, que tinha carácter’.
Sempre disposto a sacrificar o seu bem-estar em prol da Nação, cumpria escrupulosamente o seu dever: era um Rei que, claro está, relativamente aos Antigos Reis perdera poderes, mas que sem dúvida mantivera papel fundamental e responsabilidades que nenhum outro homem estava habilitado a desenvolver. O mandato para governar derivava do Rei, pois com o seu Poder Moderador era aceite como juiz-árbitro entre os partidos, poder esse que na 1.ª república seria atribuído não a uma figura de cera como era o presidente, mas à violência – sem dúvida por defeito do cargo. O artigo 71.º da Carta Constitucional de 1826 estatuía: ‘O Poder Moderador é a chave de toda a organização política e compete privativamente ao Rei, como Chefe supremo da Nação, para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais Poderes Políticos’.
Com Dom Carlos I, na Chefatura do Estado estava Alguém, que por prerrogativa de nascimento ocupava esse cargo, mas que estava preparado desde cedo para a função de realizar o bem comum e o desígnio nacional e funcionar como uma figura supra-partidária. Apoiado na Constituição o Monarca era a chave de toda a estrutura política, como Chefe de Estado e Chefe Supremo da Nação, e incansavelmente guardava a manutenção da independência e estabilidade dos mais Poderes Políticos. A suprema magistratura do Estado recebeu-a por via hereditária da Sua Dinastia reinante, mas o Seu papel Real conciliava-se com a subsistência de uma Constituição que lhe conferia legitimidade democrática. O Monarca era um de diferentes órgãos do Estado e que exercia os poderes que lhe estavam consagrados na Lei Fundamental do País: direito de nomear o chefe do governo e exercer controlo sobre a composição do gabinete – afastando nomes indesejáveis -, dissolver a Câmara dos Deputados, nomear os Pares do Reino – membros da Segunda Câmara, a Câmara dos Pares -, acompanhar a governação no que dizia respeito às relações externas, representar a Nação no estrangeiro, outorgar honrarias e, além disso, o monarca era o comandante-em-chefe das Forças Armadas – era prerrogativa do soberano declarar guerra, fazer a paz e orientar as acções dos militares – pelo que nenhum ditador podia tomar para si o controlo do exército e usá-lo em proveito próprio.
Na sua fala do trono, o famoso Discurso da Coroa, Dom Carlos I de Portugal, Pela Graça de Deus e Vontade dos Homens, Rei de Portugal e dos Algarves, d’Aquém e d’Além-Mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, etc., com uma natural facilidade para discursar, brilhava. Os deputados e os Pares do Reino ouviam embevecidos o Seu Rei que lia de forma perfeita, com voz colocada e comunicativa, eloquente, que, como escreveu João Franco Castello-Branco, ‘batendo as palavras, recortando as frases, acentuando-lhes numa simples inflexão de voz o alcance e o sentido, muita vez trouxeram movimento e vida à prosa mortiça e frouxa de mais de um discurso da coroa’.
No Discurso da Coroa El-Rei disserta sobre o programa do Seu Governo, pois apesar de o Presidente do Ministério deter o poder executivo, é-o porque o monarca adjudica o poder e permanece apenas com a posição de titular e portanto o Governo era sempre o Dele. Este governo de concentração-liberal chefiado por João Franco governaria à inglesa, isto é, com firmeza mas equitativamente, cimentando a democracia: dedicando-se à implantação de reformas na liberdade de imprensa – ‘tolerância e liberdade para o país compreender a monarquia’ –, na contabilidade pública, na responsabilidade ministerial, e na repressão anarquista por intermédio da Polícia Preventiva, ou seja, um governo convictamente defensor das instituições representativas e das liberdades. Pretendia a concretização do sempre frustrado programa de Vida Nova, com um regime de correcção dentro de um quadro liberal.
Escreveria, mais tarde El-Rei: ‘Até ao momento, tenho tido sucesso, e tudo vai bem, até melhor do que eu julgava possível. Mas para isso, preciso de estar constantemente na passerelle e não posso abandonar o comando um minuto que seja, porque conheço o meu mundo e se o espírito de sequência se perdesse por falta de direcção, tudo viria imediatamente para trás, e então seria pior do que ao princípio.’
Mas, naturalmente que, as favoráveis intenções do Monarca e do Seu novo governo, não foram bem recebidas pelos que delas não beneficiariam…
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