segunda-feira, 30 de novembro de 2015

RESTAURAÇÃO DA LEGALIDADE

El-Rei Dom João IV

Extinta a Dinastia de Avis, com o falecimento do Cardeal-Rei Dom Henrique e a debandada de Dom António, Prior do Crato, provocada pelos castelhanos, o trono de Portugal passou para Filipe II de Espanha, I de Portugal, e que originou a 3.ª Dinastia, a Filipina ou dos Habsburgos. Filipe I de Portugal era filho de Dona Isabel de Portugal, irmã do Cardeal-Rei e de Dom João III, e portanto neto do Rei Dom Manuel I de Portugal.

Mas de acordo com o hábito e costumes portugueses o poder do Rei sempre adveio de um pacto com as Cortes – que no fundo era um Congresso de Chefes – por isso o Rei de Portugal é Aclamado e não Coroado. Firmado esse pacto, o Rei seria assim o primus inter pares entre os barões do reino.

No caso particular de Portugal, e sempre tal aconteceu desde o próprio Rei Fundador Dom Afonso Henriques, o Rei é Aclamado e nunca imposto! Ou seja, apesar do Príncipe herdeiro suceder ao Rei falecido existe uma participação dos Pares do Reino e do Povo que ratifica essa sucessão sendo que esse passo é o acto jurídico que verdadeiramente faz o Novo Rei! Nos 771 anos da Monarquia Portuguesa o Rei sempre reinou por delegação da comunidade portuguesa que reunida em Cortes o Aclamou e fez Rei.

Então nesta sessão da Assembleia convocada por Dom Afonso Henriques que ficaram conhecidas como Cortes de Lamego reuniu-se a nobreza, o clero, assim como procuradores dos concelhos de todo o Condado Portucalense.

Nessa sessão, os representantes terão eleito o jovem Infante e regulado a sucessão dinástica do Reino de Portugal nas ACTAS DAS CORTES DE LAMEGO:

‘Em nome da santa, e indivisa Trindade Pai, Filho, e Espírito Santo, que é indivisa, e inseparável. Eu, Dom Afonso filho do Conde D. Henrique, e da Rainha Dona Teresa neto do grande D. Afonso, Imperador das Espanhas, que pouco há que pela divina piedade fui sublimado à dignidade Rei. Já que Deus nos concedeu alguma quietação, e com seu favor alcançamos vitória dos Mouros nossos, inimigos, e por esta causa estamos mais desalivados, porque não suceda depois faltar-nos o tempo, convocamos a Cortes, todos os que se seguem: o Arcebispo de Braga, o Bispo de Viseu, o Bispo do Porto, o Bispo de Coimbra, o Bispo de Lamego, e as pessoas de nossa Corte que se nomearão abaixo, e os procuradores da boa gente cada um por suas Cidades, convém a saber por Coimbra, Guimarães, Lamego, Viseu, Barcelos, Porto, Trancoso, Chaves, Castelo Real, Vouzela, Paredes Velhas, Seia, Covilhã, Monte Maior, Esgueira, Vila de Rei, e por parte do Senhor Rei Lourenço Viegas havendo também grande multidão de Monges, e de clérigos.

Juntámo-nos em Lamego na Igreja de Santa Maria de Almacave. E assentou-se o Rei no trono Real sem as insígnias Reais, e levantando-se Lourenço Viegas procurador do Rei disse:
“Fez-vos ajuntar aqui o Rei D. Afonso, o qual levantastes no Campo de Ourique, para que vejais as letras do Santo Padre, e digais se quereis que seja ele Rei.”

Disseram todos:
– “Nós queremos que seja ele Rei.”
E disse o procurador:
– “Se assim é vossa vontade, dai-lhe a insígnia Real.”
E disseram todos:
– “Demos em nome de Deus.”
E levantou-se o Arcebispo de Braga, e tomou das mãos do Abade de Lorvão uma grande coroa de ouro cheia de pedras preciosas que fora dos Reis Godos, e a tinham dada ao Mosteiro, e esta puseram na cabeça do Rei, e o senhor Rei com a espada nua em sua mão, com a qual entrou na batalha disse:
– “Bendito seja Deus que me ajudou, com esta espada vos livrei, e venci nossos inimigos, e vós me fizestes Rei e companheiro vosso, e pois me fizestes, façamos leis pelas quais se governe em paz nossa terra.”

Disseram todos:
– “Queremos Senhor Rei, e somos contentes de fazer leis, quais vos mais quiserdes, porque nós todos com nossos filhos e filhas, netos e netas estamos a vosso mandado.”
Chamou logo o Senhor Rei os Bispos, os nobres, e os procuradores, e disseram entre si, façamos primeiramente leis da herança e sucessão do Reino, e fizeram estas que se seguem.

Viva o Senhor Rei Dom Afonso, e possua o Reino. Se tiver filhos varões vivam e tenham o Reino, de modo que não seja necessário torná-los a fazer Reis de novo. Deste modo sucederão. Por morte do pai herdará o filho, depois o neto, então o filho do neto, e finalmente os filhos dos filhos, em todos os séculos para sempre.

Se o primeiro filho do Rei morrer em vida de seu pai, o segundo será Rei, e este se falecer o terceiro, e se o terceiro, o quarto, e os mais que se seguirem por este modo.

Se o Rei falecer sem filhos, em caso que tenha irmão, possuirá o Reino em sua vida, mas quando morrer não será Rei seu filho, sem primeiro o fazerem os Bispos, os procuradores, e os nobres da Corte do Rei. Se o fizerem Rei será Rei e se o não elegerem, não reinará.

Disse depois Lourenço Viegas Procurador do Rei, aos outros procuradores:
– “Diz o Rei, se quereis que entrem as filhas na herança do Reino, e se quereis fazer leis no que lhes toca?”

E depois que altercaram por muitas horas, vieram a concluir, e disseram:
– “Também as filhas do senhor Rei são de sua descendência, e assim queremos que sucedam no Reino, e que sobre isto se façam leis”, e os Bispos e nobres fizeram as leis nesta forma.

Se o Rei de Portugal não tiver filho varão, e tiver filha, ela será a Rainha tanto que o Rei morrer; porem será deste modo, não casará se não com Português nobre, e este tal se não chamará Rei, se não depois que tiver da Rainha filho varão. E quando for nas Cortes, ou autos públicos, o marido da Rainha irá da parte esquerda, e não porá em sua cabeça a Coroa do Reino.

Dure esta lei para sempre, que a primeira filha do Rei nunca case senão com português, para que o Reino não venha a estranhos, e se casar com Príncipe estrangeiro, não herde pelo mesmo caso; porque nunca queremos que nosso Reino saia fora das mãos dos Portugueses, que com seu valor nos fizeram Rei sem ajuda alheia, mostrando nisto sua fortaleza, e derramando seu sangue.

Estas são as leis da herança de nosso Reino, e leu-as Alberto Cancheler do senhor Rei a todos, e disseram, boas são, justas são, queremos que valham por nos, e por nossos descendentes, que depois vierem.

E disse o Procurador do senhor Rei.
– “Diz o senhor Rei. Quereis fazer leis da nobreza, e da justiça?”

E responderam todos:
– “Assim o queremos, façam-se em nome de Deus”, e fizeram estas.
Todos os descendentes de Sangue Real, e de seus filhos e netos sejam nobilíssimos. Os que não são descendentes de Mouros ou dos infiéis Judeus, sendo Portugueses que livrarem a pessoa do Rei ou o seu pendão, ou algum filho, ou genro na guerra sejam nobres. Se acontecer que algum cativo dos que tomarmos dos infiéis, morrer por não querer tornar a sua infidelidade, e perseverar na lei de Cristo, seus filhos sejam nobres. O que na guerra matar o Rei contrário, ou seu filho, e ganhar o seu pendão seja nobre. Todos aqueles que são de nossa Corte, e têm nobreza antiga, permaneçam sempre nela. Todos aqueles que se acharam na grande batalha do Campo de Ourique, sejam como nobres, e chamem-se meus vassalos assim eles como seus descendentes.

Os nobres se fugirem da batalha, se ferirem alguma mulher com espada, ou lança, se não libertarem ao Rei, ou a seu filho, ou a seu pendão com todas suas forças na batalha, se derem testemunho falso, se não falarem verdade aos Reis, se falarem mal da Rainha ou de suas filhas, se forem para os Mouros, se furtarem as coisas alheias, se blasfemarem de nosso Senhor Jesus Cristo, se quiserem matar o Rei, não sejam nobres, nem eles, nem seus filhos para sempre.

Estas são as leis da nobreza, e leu-as o Chanceler do Rei, Alberto, a todos. E responderam: “boas são, justas são, queremos que valham por nós, e por nossos descendentes que vierem depois de nós.”
Todos os do Reino de Portugal obedeçam ao Rei e aos Alcaides dos lugares que aí estiverem em nome do Rei, e estes se regerão por estas leis de justiça. O homem se for compreendido em furto, pela primeira, e segunda vez o porão meio despido em lugar público, aonde seja visto de todos se tornar a furtar, ponham na testa do tal ladrão um sinal com ferro quente, e se nem assim se emendar, e tornar a ser compreendido em furto, morra, pelo caso, porem não o matarão sem mandado do Rei.
A mulher se cometer adultério a seu marido com outro homem, e seu próprio marido denunciar dela à justiça, sendo as testemunhas de crédito, seja queimada depois de o fazerem saber ao Rei e queime-se juntamente o varão adultero com ela. Porem, se o marido não quiser que a queimem, não se queime o cúmplice; mas fique livre; porque não é justiça que ela viva, e que o matem a ele.
Se alguém matar homem seja a quem quer que for, morra pelo caso. Se alguém forçar virgem nobre, morra, e toda sua fazenda fique a donzela injuriada. Se ela não for nobre, casem ambos, quer o homem seja nobre, quer não.

Quando alguém por força tomar a fazenda alheia, vá dar o dono querela dele à justiça, que fará com que lhe seja restituída sua fazenda.

O homem que tirar sangue a outrem com ferro amolado, ou sem ele, que der com pedra, ou algum pau, o Alcaide lhe fará restituir o dano e o fará pagar dez maravedis.

O que fizer injúria ao Agoazil, Alcaide, Portador do Rei, ou a Porteiro, se o ferir, ou lhe façam sinal com ferro quente, quando não 50 marevedis, e restitua o dano.

Estas são as leis de justiça e nobreza, e leu-as o Chanceler do Rei, Alberto, a todos, e disseram:
– “Boas são, justas são, queremos que valham por nós, e por todos nossos descendentes que depois vierem.”

E disse o Procurador do Rei, Lourenço Viegas:
– “Quereis que o Rei nosso senhor vá às Cortes do Rei de Leão, ou lhe dê tributo, ou a alguma outra pessoa tirando o senhor Papa que confirmou no Reino?”

E todos se levantaram, e tendo as espadas nuas postas em pé disseram:
– “Nós somos livres, nosso Rei é livre, nossas mãos nos libertarão, o senhor que tal consentir, morra, e se for Rei, não reine, mas perca o senhorio.”

E o senhor Rei se levantou outra vez com a coroa na cabeça, e espada nua na mão falou a todos:
– “Vós sabeis muito bem quantas batalhas tenho feitas por vossa liberdade, sois disto boas testemunhas, e o é também meu braço, e espada; se alguém tal coisa consentir, morra pelo mesmo caso, e se for filho meu, ou neto, não reine”: e disseram todos: “boa palavra, morra o Rei se for tal que consinta em domínio alheio, não reine”; e o Rei outra vez:

– “Assim se faça, etc.”

Recorde-se que extinta a Casa de Avis, o trono de Portugal passou para Filipe II de Espanha, I de Portugal, e que originou a 3.ª Dinastia, a Filipina ou dos Habsburgos. Mas, entende-se então, que, de acordo com a Lei que resultou das Cortes de Lamego e o Direito Consuetudinário portugueses que Filipe, sendo um Príncipe estrangeiro, não tinha direito ao trono português, tanto mais que havia, segundo estas leis do País um candidato natural e legítimo: Dona Catarina, Duquesa de Bragança, e tal como Filipe I, neta d’ El-Rei Dom Manuel I. Dona Catarina contraiu matrimónio com D. João I de Bragança e o seu primogénito D. Teodósio II, foi o 7.º Duque de Bragança e foi pai de Dom João II de Bragança que viria a ser o Rei Restaurador Dom João IV de Portugal.

Lembre-se que a Sereníssima Casa de Bragança teve a sua fundação em Dom Afonso I, filho ilegítimo de Dom João I e de Inês Pires, uma mulher solteira. Tendo sido legitimado pelo Rei que lhe concedeu o título de conde de Barcelos, Dom Afonso contraiu matrimónio com a filha de Dom Nuno Álvares Pereira, Dona Beatriz Pereira Alvim. Mais tarde, já na regência do seu meio-irmão Dom Pedro, foi por este concedido a Dom Afonso, o título de Duque de Bragança – que por ser uma Casa cujo 1.º Duque era filho de Rei, os Duques têm numeração como os Reis.

Assim a Revolta de 1640 não viria mais do que, pondo os pontos nos is, repor e restaurar a legalidade, pois a legitimidade estava do lado de Dom João IV, enquanto neto de Dona Catarina de Bragança.

Miguel Villas-Boas – Plataforma de Cidadania Monárquica

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