sexta-feira, 15 de abril de 2016

Crime de Lesa-majestade – Parte I


Lesa-magestade


O hediondo atentado terrorista perpetrado pela Carbonária que ceifou barbaramente as vidas d’El-Rei Dom Carlos I de Portugal e do Príncipe Real Dom Luís Filipe de Bragança, marcaram o princípio do fim da Monarquia Portuguesa. Com o patrocínio da maçonaria e a conivência do Grupo dos 18 composto pelos membros do Comité revolucionário para a revolução pelas armas da qual faziam parte membros do Partido Republicano, da Maçonaria, da Carbonária e dissidentes do Partido Progressista, o Regicídio foi o trágico e imprescindível desfecho para a agenda desta coligação negativa de terroristas e criminosos sediciosos que visava depor o Rei e apropriar-se dos meios de poder e coacção.

Mártires na Capela

Nessa mesma noite do magnicídio, que se ganhou costume de chamar Regicídio, para além dos fiéis de sempre como o Marquês de Lavradio, o Conde de Arnoso, o Conde de Sabugosa, o Visconde de Asseca, o Marquês de Soveral, Ayres D’ Ornellas, e poucos mais, que subsistiam de revólveres na mão como uma última linha pretoriana de defesa do Rei e da Coroa, represtinando esses tempos em que era a nobreza de espada a assegurar a guarda do Rei, pouca foi a fidalguia que acorreu ao Paço para partilhar a dor da Família Real e ainda menos os políticos, persistindo apenas um João Franco e um Vasconcellos Porto, juntando-se a áulicos como o General Craveiro Lopes que passava para Chefe da Casa Militar do novo Rei Dom Manuel II. Todos os outros refugiavam-se na penumbra do medo ou na indiferença das suas casas; outros, jogadores demagogos da política aguardavam para ver no que ia resultar daquela situação – os habituais vira-casacas do até ver quem teria a sorte do seu lado! Havia ainda os que o progresso existente ainda não bastava para lhes fazer chegar a notícia à província, onde cidadãos urbanos nostálgicos da vida rural e descontentes com o rumo do rotativismo se haviam refugiados nas suas Casas e Solares apalaçados.

Mas os dias seguintes trouxeram, não um clamor de justiça e resgate pela afronta do assassínio daquelas vidas cortadas aos 44 anos e 22 anos, mas um torpor revoltante.

‘Que País é esse onde matam um rei e um príncipe e a primeira medida que se toma é demitir o Ministério?!’, vociferou o Rei britânico Eduardo VII descontente com a responsabilização, demissão e degredo de João Franco, após o trágico Regicídio. Eduardo VII, que conservava duas pequenas molduras de ouro com os retratos de D. Carlos e D. Luís Filipe, entre os seus objectos pessoais, exclamou ainda: ‘Matam-se dois Cavaleiros da Jarreteira como se fossem cães e no seu próprio País ninguém se importa com isso’.

Dom Carlos gozava de admiração tal por parte de Eduardo VII – seu primo -, que pela primeira vez um Rei inglês, simultaneamente Chefe da Igreja Anglicana, entrou numa Igreja Católica, o que aconteceu na missa de requiem pelas almas d’El-Rei e do Príncipe Real, em St. James.

João Franco foi demitido, de facto, e se podia ser culpabilizado de negligência na segurança da Família Real, que quase sem escolta percorreu os 100 passos até à morte num laudau, expostos à mercê dos terroristas carbonários, e também, podia ser responsabilizado por levantar inoportunamente a falsa Questão dos Adiantamentos à Casa Real, não podia ser admoestado pela política que desenvolvia em consonância com o Rei – cada vez mais executivo -, pois o rotativismo partidário tornara impossível governar com o Parlamento. O afastamento do Presidente do Governo seria uma opção de consequências trágicas para a Monarquia, porque a estabilidade governamental só voltara com a reforma que El-Rei Dom Carlos I estava a empreender com o governo de João Franco que perdurou entre Maio de 1906 e Fevereiro de 1908 – antes disso, nos anos anteriores sucediam-se governos um atrás do outro.

Além disso, com a queda do Governo de João Franco Castello-Branco as forças militares fiéis à Monarquia sofreram um rude golpe, quando o novo governo de Acalmação presidido por Ferreira do Amaral afastou o Ministro da Guerra Vasconcellos Porto e o Ministro da Marinha Ayres D’Ornelas – um dos últimos heróis de África ao lado de Mouzinho e Paiva Couceiro. Foi um desacerto fatal, pois o ministro da guerra e o ministro da marinha, respectivamente, para além de brio e fidelidade à Coroa, eram excelentes estrategos e possuíam um forte ascendente sobre as altas e médias patentes militares, para além de serem especialistas nessa subestimada arte das nomeações. Soma-se ainda outras tolices imputadas ao novo governo: a substituição no comando militar de Lisboa de Pimentel Pinto por Rafael Gorjão; no dia 6 de Fevereiro revogada a Lei de Imprensa, ressurgem os jornais republicanos embargados por anteriormente terem sido acusados de incitamento à revolução, são eles o Correio da Noite, o Diário Popular, O País e o Liberal; em 12 de Fevereiro são amnistiados Afonso Costa, António José de Almeida, Egas Moniz, França Borges e João Chagas e ainda os marinheiros implicados nas revoltas de 8 e 13 de Abril de 1906.

Deste modo, com a demissão de João Franco o novo governo assina como primeiro Decreto, o do Fim da Monarquia!

Com o novo Gabinete Ministerial do Governo de Acalmação, no qual cabiam todos, penetravam no Ministério, além dos dissidentes Regeneradores e Progressistas, diz-se que, sub-repticiamente, os ideais republicanos, consequência das ligações sobejamente conhecidas do novo presidente do governo, o Almirante Ferreira do Amaral, com o Clube Makavenko. Mas o governo durante algum tempo manteve uma certa estabilidade – a falta de visão foi em não manter no Ministério os ex-ministros da Guerra e da Marinha.

Estas cisões não se verificavam por exemplo do lado da maçonaria, nem no Partido republicano Português, que mesmo reunindo membros que nutriam uns pelos outros ódios figadais, mantiveram a união até ao golpe revolucionário que implantou o Estado das Coisas republicano a 5 de Outubro de 1910. Exemplo disso é a Carbonária Portuguesa, liderada por Luz de Almeida, apoiada pelo próprio grão-mestre do Grande Oriente Lusitano Unido, que, tendo agora terreno fértil, lançou-se no recrutamento de fidelidades nos quartéis, especialmente na Marinha.

Ao 1.º governo do reinado de Dom Manuel II, segue-se o Governo de Sebastião Teles, apoiado por Veiga Beirão e pelos lucianistas, visando pôr ordem no exército, mas já era tarde. As chefias militares, a braços com a densa burocracia, emaranhavam-se em espessos relatórios e na sua análise, assim como da decifração de falsos e elaboradíssimos planos revolucionários idealizados pelos republicanos como engodo, sem que tomassem consciência do verdadeiro perigo: o enraizamento da Carbonária entre sargentos, soldados e marinheiros. Na Câmara Baixa das Cortes o deputado republicano António José de Almeida profere um discurso iníquo: ‘a bomba de dinamite em revolução, e em certos casos, pode ser tão legítima, pelo menos, como as granadas de artilharia, que não são mais do que bombas legais, explosivos ao serviço da ordem.’ Mas o que merecia bastão da Guarda e prisão por apelar à sedição nem sequer é alvo de suspensão. Era a banalização da liberdade, que nada valia porque tudo permitia!

Os governos que sucederam aos dois primeiros, avaliavam cegamente a lealdade dos militares ao regime através de sucessivas visitas a regimentos por El-Rei que era continuadamente aclamado, pois o problema não residia no Monarca de trato afável.

A 11 de Abril sucede o Congresso do Partido Republicano Português, em Setúbal, com a subida de carbonários ao Directório republicano e que termina com a aprovação do programa que prevê o derrube da Monarquia pela via revolucionária.

Segue-se o Governo de Wenceslau de Lima, mas que sofre forte oposição do despeitado José Luciano, que o apelida de valido de Teixeira de Sousa e qualifica o Gabinete como o governo da Politécnica do Porto.

Talvez por ser a época de maior liberdade que Portugal gozou, com censura inexistente – lembremos só as caricaturas de Bordallo Pinheiro – e total liberdade de expressão, verifica-se uma forte propaganda republicana em que se insulta o Rei por panfleto e escrito impresso através de pasquins como A Cartilha do Cidadão da Carbonária, e revistas como a Alma Nacional – dirigida por António José de Almeida – e dos mais diversos jornais criados com esse propósito; relembre-se o dito do republicano Brito Camacho: ‘quanto mais liberdades nos derem, mais delas usaremos contra eles’. A propaganda republicana demagógica assentava em mentiras descaradas: clamavam que Portugal era um País atrasado e o Povo analfabeto. Ora em 1910, ainda na vigência da Monarquia o PNB per capita era de 60%, havia 4.400 escolas públicas e 1.000 particulares, e os maiores vultos das letras portuguesas assim como o progresso material haviam surgido a partir do Reinado de Dom Luís I…. mas a propaganda republicana não era cerceada, em nome da liberdade de imprensa!

A rede de serviços de informação da Monarquia Constitucional era assegurada pela pouco eficaz Polícia Preventiva, à qual escapou primeiro o Regicídio, depois, os engenhos artesanais de João Borges e Manuel Ramos, o recrutamento da Carbonária nos quartéis, os tumultos e a organização da comissão militar republicana para o derrube da Monarquia.

No Exército e na Marinha contínua o vazio de fidelidades que já vinha da deposição de Vasconcellos Porto e Ayres Dornellas – esta quebra da estratégia reformista levou à confusão, ao imobilismo e à deserção para as hostes carbonárias, que alcança o perigoso número de 20 mil primos. A Carbonária era uma organização política, mas de cariz armado, uma espécie de brigada de artilharia, terrorista e secreta, inimiga da Monarquia, do clero e das congregações religiosas. Oficialmente, foi fundada em 1898 e de acordo com uma descrição do seu líder, desde 1900, Luz de Almeida. Era paralela da Maçonaria, embora sem ligações orgânicas à Maçonaria Portuguesa ou outras Obediências Maçónicas, não obstante ter utilizado algumas lojas do então Grande Oriente Lusitano Unido para aquartelar os seus órgãos superiores, e colaborado oficialmente com esta Obediência para a tentativa de revolução republicana falhada de 28 de Janeiro de 1908 – conspiração urdida pelos republicanos, pela Carbonária e pelos dissidentes progressistas -, para o Regicídio de 1 de Fevereiro de 1908, e, depois para a implantação da República. A Carbonária impunha aos seus filiados que ‘possuíssem ocultamente uma arma com os competentes cartuchos’.

Entretanto, atiravam ao Monarca Dom Manuel II as culpas que eram dos políticos e do sistema que os últimos foram viciando, de sorte que, por parte do rotativismo partidário nos últimos tempos da Monarquia não havia senão interesses e nenhuma sincera dedicação à Coroa – especialmente com a partida forçada de uns poucos aptos e dedicados ao Rei e à Monarquia. Todos diligenciavam as suas comodidades e agenciavam o seu sossego e ninguém dentro do sistema estava disposto ou tinha coragem para sacrificar a vida pela bondade do regímen e do Monarca.

El-Rei Dom Manuel II subsistia como a única força ainda viva e operante no País! Bem ciente e zeloso das suas funções enquanto Rei procurava cumprir da melhor maneira possível as suas funções de Chefe de Estado. Dentro dos princípios da Carta Constitucional e da legalidade, sabia que naqueles momentos de nova degradação do constitucionalismo, o Monarca era essencial e deveria reinar de forma muito activa, dedicada e exercendo escrupulosamente o seu Poder Moderador, desdobrando-se incansavelmente, de forma a reformar a política de desentendimentos, de ódios invejosos e de interesses que assolava o País, pelo que se dedicava exclusivamente à servidão de reinar: ’Depois de Vós, Nós’, rezava a divisa D’El-Rei Dom Manuel II de Portugal.

Dom Manuel II Sempre Rei

Prova da Sua visão política foi a tentativa de captar para o lado da Monarquia o emergente Partido saído da fusão do Partido dos Operário Socialistas com os outros socialistas, que por diferenças irreconciliáveis se afastaram dos republicanos, pelo que estes últimos nunca tiveram do seu lado as classes trabalhadoras. Estas diligências deixaram o Rei muito benquisto entre as classes operárias.

‘Os homens de hoje, como eu, crêem com ardente fé na redenção da nossa Pátria pelo Povo, o qual intervindo, a exemplo de outros países, de um modo directo, consciente dos próprios interesses e, ouso, dizer, preponderante no andamento dos negócios públicos, há-de regenerar fundamentalmente a sociedade…, põem todas as esperanças, como uma espécie de fetichismo, na vontade indomável, na largueza de vistas, na energia que em Vossa Majestade são preciosas qualidades individuais, mas também qualidades inalteradamente herdadas’, escreveu o socialista Alfredo Achiles Monteverde a El-Rei Dom Manuel II, em 07 de Outubro de 1909.

Miguel Villas-Boas – Plataforma de Cidadania Monárquica

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