segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

2018, cem anos depois do Presidente-Rei

Foto de Nova Portugalidade.

No terrível ano de 1917, o que aparentava ser um vulgar golpe de Estado com o objectivo de afastar do poder Afonso Costa depressa se transformou numa experiência política tão insólita como inovadora em Portugal e na Europa.

A chegada de Sidónio Pais ao poder foi fruto das circunstâncias ditadas por um dos períodos mais dramáticos da nossa história do século XX, foi em grande parte uma resposta aos problemas criados pela Grande Guerra. A falta de matérias-primas e géneros de primeira necessidade e o consequente agravamento da inflação provocaram o caos tanto nos países europeus beligerantes como nos neutrais. 
Sucederam-se quedas de governos. Portugal não foi excepção.

Essa pressão das condições provocadas pela guerra e a determinação inabalável da ditadura militar em manter o poder, a qualquer custo, vai adiando o inevitável. Mas será impotente para contrariar a crescente onda de contestação.

Nascido em 1872 em Caminha, Sidónio Pais entra com 16 anos para a Escola do Exército onde tirou o curso de Artilharia. Em 1895 já tenente frequenta a Faculdade de Matemática em Coimbra onde será mais tarde catedrático da cadeira de Cálculo Diferencial e Integral. 

Sabia-se que não nutria simpatias pela monarquia mas como militar não entrou cedo na vida política ativa. Logo após o 5 de Outubro é senador e faz parte do ministério de Manuel de Arriaga como ministro do Fomento e depois como Ministro das Finanças. 

Em 1912 é nomeado ministro plenipotenciário em Berlin e assim enquanto representante de Portugal consegue credibilizar o novo regime junto do Governo Alemão. Ao mesmo tempo vai salvaguardando os interesses de Portugal em Africa, numa altura em que é conhecido o intenso interesse germânico por Angola.

Confirmado o sucesso do golpe militar a 8 de Dezembro Sidónio foi surpreendido com banhos de multidão e aclamado como um salvador, numa conjuntura dantesca de fome e epidemia. 
As manifestações populares de apoio, numa dimensão sem paralelismo na República, que testemunha de Norte a Sul do país convencem-no da disponibilidade nacional para uma ampla reforma do sistema político. 

Na mente do novo líder e dos seus colaboradores mais próximos surge o esboço de um novo regime. Uma “Ideia Nova” que ultrapassasse os obstáculos dos partidos republicanos tradicionais e do sistema parlamentar. 

Sidónio declarou-se ‘chefe de todos os portugueses’, ‘mandatário da nação’ legitimado pela eleição por sufrágio universal, o que acontecia pela primeira vez. O sistema político, até aí “parlamentarista”, passou a “presidencialista”, à americana, com um Presidente da República que era também chefe do governo.
Em Fevereiro de 1918, acumula a chefia do governo, com as pastas dos Negócios Estrangeiros e da Guerra e a presidência da República Nova que se destacou por uma intensa atividade legislativa e administrativa.

Através de um senado profissional em vários domínios da governação, em apenas alguns meses implementa de imediato as seguintes medidas. No campo social, um consiste plano para estimular a criação de residências sociais em Lisboa e Porto de forma a institucionalizar as reformas necessárias para melhorar as precárias condições de vida. 

A faceta mais visível desta política de ajuda aos mais carenciados é a distribuição de alimentos, a conhecida ‘Sopa de Sidónio’. Com a sua presença nas diversas cozinhas, cultiva a imagem de presidente generoso e amigo dos mais desfavorecidos. 

O seu governo dedica grandes verbas no combate às duas epidemias que atingiam o país - a febre tifóide e a gripe pneumónica.

No âmbito do modelo económico sidonista, a agricultura passa a ser encarada com sector fundamental traduzindo-se no aumento dos preços agrícolas, até aí mantidos artificialmente baixos, na proibição de exportação de adubos e mais facilidade de acesso ao crédito agrícola. 

São também desenvolvidas medidas orientadas para elevar a capacidade de produção nacional e travar a especulação sobre produtos de primeira necessidade. 

Outras linhas de força da política sidonista é a restituição das relações diplomáticas entre estado e a Igreja Católica.

Este regime, assente na figura carismática do presidente, é uma experiência inovadora e que antecipa em diversos aspetos - populismo carismático - a tendência totalitária de vários governos desenvolvidos na Europa durante o período entre as guerras mundiais. Por isso, Benito Mussolini chegou a considerá-lo a figura-chave na criação do fascismo.

Na noite de 14 de Dezembro de 1918, dirigia-se para a estação do Rossio a fim de apanhar um comboio para o Porto. Quando a multidão que sempre o esperava o vê surgir, ovaciona-o como sempre. Entretanto a banda da Guarda Nacional Republicana começara a tocar o hino nacional. Sidónio vaidoso, ao ver tamanha multidão terá dito "Que quantidade de gente! É então baleado à queima-roupa, por balas vindas de duas direções. Apercebendo-se do sucedido, terá dito: "Mataram-me! Morro, mas morro bem! Salvem a Pátria...".

Será mais tarde apelidado de “presidente-rei”, pelo poeta Fernando Pessoa, seu contemporâneo e confesso admirador, numa alusão ao líder carismático escolhido pelo povo para o seu governo.

Quem ele foi sabe-o a Sorte,
Sabe-o o Mistério e a sua lei.
A Vida fê-lo herói, e a Morte 
O sagrou Rei!
(…)
Flor alta do paul da grei, 
Antemanhã da Redenção,
Nele uma hora encarnou el-rei
Dom Sebastião.”

Em apenas um ano de presidência, protagonizou o primeiro momento do republicanismo português e marcou de forma indelével o século XX. Muitas vezes esquecido, foi, sem dúvida, um dos políticos mais importantes de Portugal.

Gonçalo de Sampaio e Melo

Sem comentários:

Enviar um comentário