sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

O Mapa Cor de Rosa, Serpa Pinto, e o Ultimatum de 1890

Foto de Nova Portugalidade.


Há precisamente 128 anos Portugal recebia, à margem do Tratado de Windsor, o «Ultimatum» Inglês. Foi uma vil e desonesta atitude por parte da coroa britânica, que estimularia a instabilidade e o declínio da governação portuguesa no final do século XIX e início do século XX. Em meados de oitocentos, a Europa acorda perante a descoberta de uma nova fonte de rendimento: o poderio colonial. Começam a debruçar-se nessa altura alguns países europeus sobre novas formas de colonização e ocupação dos territórios africanos, elevando as potências europeias que agora se interessam pela África ocupação efetiva, o conhecimento geográfico e o avassalamento dos território a fonte de legitimidade para a posse. O motivo era claro: mantivessem-se os direitos históricos de descoberta e vassalidade até ali reconhecidos, quase toda a África teria acabado na esfera portuguesa.

Em Lisboa, um grupo de notáveis funda a Sociedade de Geografia no ano de 1875, sendo também criada a "Comissão da África" com o objetivo de se debruçar para as possibilidades de Portugal continuar o investimento nas campanhas de avassalamento, mapeamento e exploração do interior africano. Estas campanhas não eram novas, pois Portugal não era estranho ao interior africano: já no século XVI tivera forças militares no Monomotapa; no século XVIII, ainda, fora o primeiro a atingir o coração de África com a expedição de Francisco de Lacerda, em 1798. Seguiram-se numerosas empresas de exploração e mapeamento e, em 1876, um dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa, Alexandre de Serpa Pinto, desembarca em Luanda afim de atravessar o continente africano de Benguela, à contracosta. Esta expedição em que Portugal investiu e que resultou num sucesso, tornada possível pela vontade intensa e coragem de quem a levou avante, tinha também como fim fazer o reconhecimento do território e cartografar o interior daquele continente, para preparar a entrada de Portugal na discussão pela ocupação dos territórios africanos que até então apenas utilizara como entrepostos comerciais ou destino de degredados; à semelhança do que outras potências já tinham feito. 

Porém, a instabilidade que a disputa do Congo gerava levou o Chanceler do Império Alemão, Otto Von Bismark, a convocar a Conferência de Berlim (1884-85) com o objetivo de decidir a ocupação e divisão dos territórios (partilha de África), e regulamentar as regras de colonização. Assim, uma série de países europeus estiveram à mesa em Berlim, para decidir o futuro africano. É nesta altura que Portugal apresenta o célebre Mapa Cor-de-Rosa, elaborado pela Sociedade de Geografia, em que, cedendo à França na Guiné e à Alemanha no Sul de Angola, Portugal une os seus interesses entre Angola e Moçambique. Portugal tinha agora uma nova missão: ocupar efetivamente a zona que reclamara e que lhe fora atribuída.

Dois anos mais tarde, o primeiro ministro britânico recusou reconhecer aqueles territórios que considerou que não estavam ocupados com força suficiente para manter a ordem e desenvolver a região, proteger os estrangeiros e controlar o comércio. Os interesses da Grã-Bretanha naqueles territórios deviam-se à aspiração megalómana da construção de uma ferrovia que ligava o Cabo ao Cairo, cruzando toda a África, e afirmando a Inglaterra como a maior potência colonial, bem como todos os recursos e benefícios económicos que isso acarretaria. Como é óbvio, esse megaprojeto nunca foi executado, pelos custos brutais de que dependia, e pelas dificuldades ao nível da geografia das regiões por onde a linha de comboio passaria. Portugal, tenta dar uma resposta, quase imediata, atuando no terreno. Em janeiro de 1890, desembarca na costa Atlântica Paiva Couceiro e o major Serpa Pinto que dirige as suas tropas a todas as aldeias e povoamentos do vale do Niassa que a Inglaterra estava a tentar monitorizar. Apesar de não haver qualquer presença britânica, as tropas inglesas tinham hasteado a bandeira do Reino Unido em várias aldeias indígenas. Serpa Pinto vai falando com os régulos e convencendo-os que a presença portuguesa lhes trazia mais vantagens do que a britânica e arreia todas a bandeiras britânicas que estavam hasteadas nas comunidades por onde passava. Em certa parte do caminho, o major e as tropas são interrompidos por um oficial inglês, que impediu as tropas portuguesas de continuar o seu percurso, alegando que o país dos macololos estava em guerra, e que o rei dos macololos estava sob a proteção da coroa britânica. A esta intervenção inesperada, Serpa Pinto responde com uma carta muito elegante, dizendo que «ainda bem» que o rei dos macololos está sobre a proteção da coroa britânica, pois se está sobre a proteção da coroa britânica, também está sobre a proteção da coroa portuguesa, uma velha aliada sua. Foi chamada a esta atitude corajosa de afronta ao altivo e orgulhoso nariz britânico, o «incidente Serpa Pinto». Furiosos, os Ingleses, a 11 de janeiro do corrente ano, lançam a partir de Londres para Lisboa o «ultimatum» que obrigava as tropas sob a bandeira das quinas a retirarem-se dos espaços monitorizados pelos ingleses, caso contrário era declarada guerra. D. Carlos, sem margem para manobra, cede. 

O que seria da Portugalidade, hoje, se por ventura os ingleses tivessem reconhecido - como era o seu dever - a soberania de Portugal na Rodésia e na Zâmbia? Teria, logo a seguir à conferência de Berlim, o frio vitorianismo negociado somente a presença inglesa em territórios portugueses? É uma questão que fica para divertir o pensamento de cada um. Talvez existisse hoje somente um imenso Estado africano de língua e cultura portuguesas entre as costas angolana e moçambicana? 

Tomás Severino Bravo




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