segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Os vários funerais do nosso e vosso Pedro Álvares Cabral

Foto de Nova Portugalidade.


Se entre os grandes portugueses o nome de Pedro Álvares Cabral ocupa proeminente lugar na memória da nação, sobre o homem pouco se sabe após o grande feito que o projectou para sempre como descobridor daquele imenso Portugal a que depois se daria o nome de Brasil. Porém, o homem Pedro Álvares será certamente das figuras menos conhecidas, obscura até, naquela plêiade de homens de acção que forjaram esse tremendo salto do Ocidente que foi a expansão ultramarina. Incompreensível tal desconhecimento, pois Cabral parecia reunir todas as condições para, no tempo em que viveu, ter podido ascender às mais altas funções após a sua triunfal viagem ao Brasil e ao Oriente. Nobre nascido numa família muito influente e com larga folha de serviços à monarquia – o seu trisavô fora um dos braços militares de D. João I, o pai, Fernão Cabral, veterano das guerras de África no reinado de D. Afonso V – Pedro entrou no paço como moço fidalgo de D. João II, passando depois para fidalgo do Conselho de D. Manuel I. Casou com D. Isabel de Castro, trineta do rei D. Fernando, pelo que a sua condição era das mais relevantes ao tempo em que regressou do Oriente no comando da Armada.

O descobridor do Brasil regressou triunfante a Lisboa em 1501, mas incompatibilizou-se com D. Manuel e, de pronto, sobre ele caiu a animadversão régia e, logo, o esquecimento. Viveria em Santarém até 1520, data possível da sua morte, afastado da corte e imerso na solidão. Enquanto Vasco da Gama foi cumulado de mercês e títulos (almirante-mor do Mar da Índia, privilégio do tratamento de Dom, Senhor de Sines, Conde da Vidigueira e uma tença generosa), Pedro Gouveia (assim se chamou Pedro Álvares até à morte do seu irmão mais velho) apenas recebeu uma tença. Tudo indica ter sido esquecido em vida, pois a Santarém recolheu em 1509, vindo a falecer sem que a Coroa sentisse obrigação alguma em lembrá-lo para além de uma tença destinada à viúva.

Apenas se sabe que era de elevada estatura, pois que do rosto, não havendo qualquer retrato coevo, pouco ou nenhum crédito podemos conceder ao prodigioso surto de retratos imaginados no século XIX. Os muitos retratos oitocentistas apresentando-o como um homem de longas barbas brancas , tendo ao fundo a linha da costa brasílica, constituem mera fantasia, pois que o navegador teria pouco mais de 30 anos quando ali desembarcou.

Sobre o carácter de Pedro Álvares a informação é mais basta. Se Vasco da Gama era assomadiço perante os adversários, extremamente áspero com os seus subordinados mas manso perante o rei, Pedro Álvares era conhecido pela permanente acutilância e até violência do trato, não se deixando domesticar e a todos respondendo com ira incontrolável. Depreende-se, pois, que houvesse tentado fazê-lo perante o Rei. 

Agitada foi a história dos seus restos mortais, inicialmente inumados em campa rasa e depois transladados em 1526 para um túmulo de família na igreja de Nossa Senhora da Graça daquela cidade ribatejana. Na década de 1870, a pedido do Imperador D. Pedro II do Brasil, o túmulo foi aberto e, para espanto de todos, nela se encontraram vestígios de um homem, duas mulheres (talvez a viúva e a filha, mas sem sinais do filho) e de uma cabra. A cabra, sendo elemento do brasão dos Cabrais, não incomodou de sobremaneira os arqueólogos. Contudo, em 1903, o Brasil solicitou a Portugal que os restos do navegador fossem oferecidos à terra que o nauta descobrira. Espanto maior. Dentro do túmulo foram então reconhecidos esqueletos de cinco homens e de duas mulheres, pelo que foi necessário recorrer à maior perícia forense para escolher o esqueleto que mais se aparentasse com a ideia que persistia de um Cabral de estatura elevada. O terceiro funeral de Pedro Álvares teve lugar no Rio de Janeiro, onde os restos repousam na Igreja do Carmo, antiga Catedral Metropolitana. Belmonte, porém, terra dos Cabrais, também exigiu [um] corpo, o qual foi logo expedido para a Igreja de Santiago daquela vila da Beira Baixa. O eminente capitão tem hoje, pois, não menos que três túmulos: o de Santarém, o do Rio de Janeiro e outro ainda em Belmonte. Isso, sem dúvida, dirá muito da envergadura do homem.

Miguel Castelo-Branco




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