sábado, 20 de janeiro de 2018

O Epílogo da Monarquia: oito séculos de História que se desfizeram num dia

Foto de Nova Portugalidade.


Na manhã de 5 de Outubro de 1910, um conjunto de republicanos chefiados por José Relvas proclamava a República Portuguesa na varanda do edifício da Câmara Municipal de Lisboa. Mais do que olhar unicamente para o golpe de estado ocorrido neste dia, que pôs termo à Monarquia Portuguesa, convém olhar para as grandes questões de fundo que explicam os motivos que levaram à derrocada da Realeza ao fim de oito séculos de existência. 

Se atentarmos mais para o processo no seu todo, podemos constatar que a data de 5 de Outubro foi apenas um ponto final na decomposição da instituição da realeza, que se vinha arrastando há várias décadas. A crise do Ultimato em 1890 já havia servido para propalar o movimento republicano e desprestigiar a figura do Rei, que foi duramente atacado pela eficaz máquina de propaganda do Partido Republicano. Os Republicanos não se poupavam a críticas e moveram uma feroz perseguição contra D. Carlos, apresentando-o como «anti-português», ao mesmo tempo que o Partido se auto-proclamava monopolizador do patriotismo. 

O fracasso financeiro e económico da Monarquia Constitucional, em conjunto com a descrença no modelo político de então, cujo rotativismo entre Progressistas e Regeneradores não ofereceria alternativas viáveis para a solução dos graves problemas estruturais que afligiam o país, contribuíram decisivamente para a descredibilização do regime. Além do mais, a decisão de D. Carlos no final do seu reinado de governar com mão-de-ferro através da ditadura de João Franco revelou-se desastrosa, pois isolou o monarca e atraiu um sem número de hostilidades. O resultado foi o completo isolamento do Rei e da própria instituição monárquica, isolamento esse ainda mais acentuado devido ao facto de as grandes cerimónias régias, como os casamentos, não terem um carácter popular e aberto ao público, como acontecia em Inglaterra. Sem o apoio das massas, a Monarquia estava sozinha. 

Na verdade, a Monarquia que existia em 1910 já não era uma Monarquia no sentido tradicional. Primeiro, porque os governantes liberais da Monarquia desde 1834 a tinham concebido como um «Estado cívico», uma comunidade soberana de cidadãos patriotas, apenas sujeitos à lei, e que aceitavam um chefe de Estado dinástico, mas com poderes limitados pela Constituição. Segundo, porque depois da guerra civil de 1832-34, os liberais tinham atacado e enfraquecido as instituições da antiga Monarquia, como a grande nobreza e a Igreja, nomeadamente através da expropriação do seu património. Diminuíram ainda a importância política da fidelidade à dinastia reinante. Os liberais definiram geralmente a Monarquia Constitucional como a «melhor das repúblicas», combinando o princípio da igualdade e o da soberania nacional com o respeito prudente pela tradição dinástica e católica, de modo a não suscitar reações. Mas a Monarquia era ainda a «melhor das repúblicas» porque todos os seus governantes, desde a Regeneração de 1851, se esforçaram por integrar e contentar a esquerda democrática radical. A cultura política da Monarquia sofreu desta forma uma evolução no sentido da «republicanização», especialmente no tempo de Fontes Pereira de Melo.

D. Carlos, segundo constava, dizia que em Portugal havia uma «Monarquia sem monárquicos». Como muitos concluíram, a Monarquia constitucional era já de facto «uma República com um Rei». Por isso mesmo, para a derrubar nunca teria sido preciso fazer uma revolução social ou institucional – isto é, atacar uma grande nobreza, ou um Igreja autónoma e poderosa. Bastaria dispensar o Rei – para o que, devido ao papel do Rei como árbitro da vida política, se poderia contar sempre com aquela parte da classe política descontente com as escolhas de governo do monarca: em 1910 eram muitos os políticos nesta situação. 

Facilmente se compreende, vistas estas razões, a frágil e débil resistência que o golpe de 5 de Outubro encontrou por parte das forças do Rei. Poucos eram aqueles que ainda sentiam uma devoção pessoal ao jovem e inexperiente D. Manuel II, que, após o regicídio do pai, não soube lidar com a situação extremamente delicada e complexa que herdou. O resultado era mais do que previsível: a República seguiu-se e um novo capítulo da História portuguesa iniciar-se-ia.

Miguel Martins



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