Deve o ensino privado português concorrer em paridade com a Escola Pública no acesso aos fundos do estado? Desconsiderando a natureza e objectivo privado de uma empresa, que deveria viver das quotas dos seus associados, convém desmontar o discurso da suposta qualidade de um sistema que é externo ao Estado (muitas vezes depende de outro Estado) e nunca soube sobreviver pelos próprios meios enquanto reclama direitos e privilégios. Não existe melhor exemplo do que a conduta de uma das mais exclusivistas e régias famílias do planeta: A Família Imperial do Japão.
Longe vão os tempos em que as Famílias Reais procuravam tutores privados ou escolas exclusivas para orientar a educação dos herdeiros do Trono. Os tempos mudaram e a qualidade e diversidade da Escola Pública têm mais para oferecer do que os antigos colégios internos.
O Caso Japonês
“A família imperial [do Japão] não procura a mudança, não é suposto(…) a Família Imperial ajusta-se à situação do país e procura reflectir os valores dos japoneses do seu tempo”, afirmaria Shinji Yamashita, antigo oficial da agência de comunicação da Casa Imperial do Japão, sobre a entrada do herdeiro - Príncipe Hisahito de 6 anos - numa escola primária pública.
O caso japonês é particularmente importante na avaliação dos novos tempos, não só devido ao contexto histórico que a Monarquia do Japão assume nos japoneses, afinal o Imperador não é visto como uma pessoa normal mas mais como um semi-deus, mas também pelo facto de o ensino ter um valor muito elevado que contrasta largamente com a leveza que lhe é atribuído pela sociedade ocidental.
Frequentar a escola primária, desprovido de títulos honoríficos, irá ajudá-lo a se preparar para a vida como um símbolo tanto do Estado como da unidade do povo japonês. “Queremos que ele gradualmente aprenda a levar uma vida social adequada à medida que avança [através do ensino primário, Liceu e Universidade].” Principe Akishino
O caso Europeu
O Caso europeu ainda é um processo de transição. Entre as Casas Reais mais tradicionais que mantêm o percurso académico longe do sistema público como o caso Inglês e de Espanha, noutras Monarquias o caso começa agora a ser o oposto, como o caso da Dinamarca e Holanda. Em ambos os casos parece haver uma forte relação entre o prestígio e o peso que o sistema de ensino privado têm na Economia dos respectivos países que secundariza o papel da educação como factor de unidade cultural. No caso da Noruega a retirada dos jovens herdeiros do sistema público de ensino foi visto pela sociedade como uma desvalorização do sistema e um desvio dos valores defendidos pelos noruegueses.
É dificil defender uma suposta maior qualidade do ensino privado quando a maioria dos prémios Nobel ensina e foi formada no sistema público de ensino dos respectivos países. A grande vantagem para o caso dos descendentes de Famílias Reais residiria em grande parte na convivência com outros membros de Casas Reais ou futuros membros proeminentes das respectivas sociedades, o que no caso Inglês é especialmente relevante face à importância de manter a unidade do império colonial com elites locais formadas em colégios privados ingleses.
A Escola como factor de unidade social
A Universidade de Coimbra foi o principal pilar da unidade do Império português porque todos os futuros dirigentes conviveram naquele espaço à beira do Mondego, é a este facto que podemos aludir quando se discute a estranha unidade social do Brasil face ao retalho de pequenas nações que formavam o antigo império de Espanha, afinal haviam várias universidades, cada uma seguindo uma abordagem diferente aos novos tempos. Entre escolas privadas (que vão do modelo empresarial a escolas para alunos naturais de outros países), corporativas (como o caso da UC) , semi-privadas (como o caso de colégios militares) ou religiosas a Escola Pública surge como a única que tem o meios, capacidade e aspiração natural para defender os valores primordiais da sociedade sem atender a este ou aquele interesse de um pequeno grupo dentro da sociedade, ou noutros casos interesses minoritários externos à própria sociedade.
Foi este motivo que levou a geração de 1850 a criar de raiz um sistema de ensino público que chegasse a toda a população. O Portugal do séc XIX percebia que a literacia e a cultura eram essenciais para qualquer sociedade ganhar relevância e prosperidade e o projecto foi largamente consolidado nos anos seguinte e com outros regimes que sabiam que a Portugalidade começava cedo e com a aprendizagem da Língua comum, por todos.
A Escola Pública, é talvez, o maior legado que a Monarquia Constitucional deixou para o Portugal do séc XX. Ao contrário de territórios, glória e riqueza, consumidos pelo tempo, ganância e morte, passíveis de extorsão e divisão, o património cultural não se extingue nem é passível de ser conquistado. Os novos castelos de Portugal são as escolas.
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