‘Coragem!’, sim aquela era a luta de todos e por isso tão longe alcançaram. Assim se vai aos astros e não é com um rebanho servil. O trabalho era de equipa, não havia um mandante e mandados. Raça enorme, a dos nossos antigos Reis que ainda podemos sentir nas muralhas seculares dos nossos castelos! Sim, Portugal é um País quase milenar, construído a golpes de espada e heroicidade!
O Rei de Portugal ia combater em Pessoa, não mandava os soldados sozinhos, era o Comandante-em-Chefe e o primeiro a avançar. Adiantava-se mesmo, não ficava no conforto dos gabinetes, assarapantado em hesitações. Foi sempre assim, depois veio a ‘implantada’ e os soldados foram atirados, sozinhos, para uma guerra estrangeira, para morrer, na primeira linha – aquela que faz dos jovens mancebos carne para canhão.
Servir, sempre servir os interesses supremos da Nação, era esse o lema dos nossos tão amados quanto saudosos Reis, contanto não se pense que guerrear era um impulso básico, mas uma forma de manter a paz: si vis pacem, para bellum (lat) – se queres a paz, prepara a guerra. Gnoma ainda, hoje, seguido pelas nações, que procuram fortalecer-se a fim de evitar uma eventual agressão.
Todavia, mens sana in corpore sano (lat) – mente sã em corpo são. Frase de Juvenal, utilizada para demonstrar a necessidade de corpo sadio para serviços de ideais elevados. Os nossos Reis conciliavam a capacidade e a capacitação inerentes a um soldado apto para comandar um teatro de guerra, sem descurar as faculdades intelectuais, até porque o melhor dos generais é o mais inteligente dos homens. Nisso seguiam os exemplos clássicos de Alexandre e de César, os mais brilhantes generais e os mais ilustrados das respectivas épocas.
Muitas vezes, e não poucos, atribuem ao corajoso Rei Dom Sebastião a imaturidade na sua resolução na empresa de Alcácer-Quibir, ora que injustiça chamar irreflectido ao Rei-menino que com tão exemplar acto de bravura procurou manter o Império que herdara e que sofria as investidas das hordas mouriscas. A Coroa sempre serviu o Império português fosse em que parte fosse da sua dilatada extensão e que estivesse disso necessitada.
Porventura, ficou o Desejado, na penumbra de uma tenda de comando jogando xadrez com as suas peças de cavalaria ou com os seus peões?! Não, não ficou, avançou temerário! Não se conte o que sucedeu em seguida lançando o nome Sebastião no auto dos culpados, mas sim como o resultado de uma maquinação estrangeira para anexar o Portugal que havia perdido e cobiçava desde os tempos em que Aquele conde da Borgonha, ilustre descendente dos Reais Capetos, teve a intenção de formar a mais Augusta e Antiga Dinastia Peninsular. Caso único no Mundo é um facto que, desde Dom Afonso I Henriques, a Monarquia Portuguesa conheceu quatro Dinastias, todas elas pertencentes à mesma Família.
E não foi no Reinado de Dom Sebastião que se avançou pela África e foi fundada a cidade de Luanda, e não foi, também, no Seu Reinado que se consolidou o domínio da costa brasileira?! Pergunta retórica, pois, necessária resposta não é!
Mas porquê Reis-soldados já depois do Império conquistado e restabelecido, porquê aios, mestres de armas, esgrima, tiro ao alvo?! Porque um Rei deve estar sempre pronto para servir a Nação como e da forma que for necessária: se umas vezes o faz com as artes da ciência política moderando e gerindo os administradores do Seu Reino, se outras serve diplomaticamente luzindo o seu francês ou inglês perfeitos junto dos monarcas ou plenipotenciários estrangeiros, outras vezes há que quando acoitadas as suas fronteiras, perigado o Seu Povo, tem que vestir o uniforme de Generalíssimo e ir à guerra!
O Rei enquanto era o Comandante Supremo das Forças Armadas tinha a noção de que não era apenas uma figura de pompa nem o Seu cargo de circunstância, era efectivamente o General dos Generais, aquele que fazia a Guerra e decidia a Paz! Um Rei é para todos os momentos, sejam aqueles os mais prolixos e abundantes, ou os mais conturbados e de carestia. E para tudo deve estar preparado, habilitado.
Por isso nunca a formação militar foi descurada com Príncipes herdeiros e Infantes, mesmo depois dos primeiros reis da Primeira Dinastia Portuguesa com preocupações marcadamente políticas e com a formação e manutenção do território, mesmo depois de Aljubarrota, mesmo depois de Restaurada plenamente a Independência, mesmo depois da opressão da barbárie francesa, mesmo já em Monarquia Constitucional e Portugal, finalmente, ganhou a estabilidade necessária para o progresso material.
Enquanto infante, ainda longe de pensar vir a ser rei, Dom Luís (futuro Rei D. Luís I) serviu na Marinha e exerceu o seu primeiro comando naval em 1858, visitando as colónias africanas portuguesas. Seu irmão o Infante Dom Augusto serviu no exército, vindo mesmo a ser Condestável do Reino aquando do reinado do irmão.
Já, Dom Carlos nasceu na qualidade de príncipe herdeiro da coroa, pelo que recebeu desde cedo os títulos oficiais de Príncipe Real e Duque de Bragança. Ministradas as primeiras letras, passou a acumular a aprendizagem das mais variadas disciplinas em que se distinguia – sempre com ‘louvor’ – com a instrução militar para o que, El-Rei D. Luís nomeou o tenente-coronel de engenharia Gromicho Couceiro. Na equitação, Dom Carlos, recolheu ensinamento do general Vito Moreira. Em pouco tempo seria atribuído a D. Carlos o posto de comandante honorário do Colégio Militar. Aperfeiçoou a esgrima e ainda mais o tiro, no qual foi reconhecidamente, exímio. Em 28 de Setembro de 1879, D. Carlos é nomeado guarda-marinha e ainda alferes do Regimento de Lanceiros 2 da Rainha.
D. Carlos começou, então, a Sua preparação para Reinar e conheceu e privou com os Ministros. Várias vezes recolheu ensinamentos de estratégia militar do general de engenharia e Ministro da Guerra, o Conselheiro Caetano Sanches de Castro que fora membro da Comissão da Defesa de Lisboa e dos seus fortes, algumas das famosas linhas de Torres, membro da Comissão incumbida de apresentar o plano geral das obras de melhoramento da Capital – sendo-lhe confiada pessoalmente a apresentação do plano geral das obras de defesa do porto de Lisboa. Sanches de Castro serviria ainda o Rei D. Luís I como Conselheiro, fora Director-Geral das fortificações e Presidente da Comissão de Defesa e que formulou os projectos, considerados excepcionais, das baterias do Bom Sucesso, do Forte de São Julião da Barra e dos redutos de Sacavém e Alto do Duque. Essas conversas e alguns ensinamentos com o Ministro da Guerra Sanches de Castro haveriam de ser muitos importantes para Dom Carlos como se verá adiante.
Aos 21 anos, D. Carlos é promovido a capitão de Lanceiros 1, ficando no entanto a prestar serviço no Quartel da Calçada da Ajuda nos Lanceiros 2.
Passou, já casado com a Princesa Maria Amélia de Orleães e Bragança, a tenente-coronel e, em 1887, é nomeado presidente da Subcomissão de Defesa Marítima da Barra do Tejo e da Cidade de Lisboa, onde demonstrou de forma inequívoca os seus vastíssimos conhecimentos militares e inteligência estratégica e que culminaria na publicação da obra de referência: A Defesa do Porto de Lisboa e a Nossa Marinha de Guerra, e que haveria de ser aprovada unanimemente pela Comissão de Defesa. A Comissão Superior da Guerra entendeu ser obra de antologia e considerou-a como Anteprojecto Geral da Organização da Defesa do Porto de Lisboa e que seria obra de referência para todos os vindouros estudos e projectos que concernente à defesa da barra do rio Tejo. O brio militar mereceu-lhe a promoção a coronel e a nomeação para membro da Comissão Superior da Guerra.
«O Rei está morto! Viv’ó Rei!» e o Duque de Bragança sobe ao trono como Dom Carlos I. Passa a usar, como é apanágio dos Reis, o uniforme e o posto de Marechal-General do Exército – continuamente o brio, sempre envergando o uniforme do serviço!
Já a descendência real, Dom Luís Filipe, Príncipe Real e Duque de Bragança e o Infante Dom Manuel, então, Duque de Beja, tiveram o tenente-coronel José de Castro como preceptor de balística, táctica e topografia, e, a equitação fazia, naturalmente, também, parte da educação dos Príncipes.
Dom Luís Filipe assentou praça de tenra idade; El-Rei Dom Carlos I foi atribuindo, ainda, ao Príncipe Real e Duque de Bragança, postos do exército, como no Esquadrão de Lanceiros do Rei, Regimento de Cavalaria nº 2 e nomeou-o ainda Comandante honorário do Colégio Militar. Dom Luís Filipe ocupou os postos de oficial às ordens do Rei, alferes em 1902, tenente em 1906, capitão em 1907 e os Regimentos de Cavalaria n.º 8 e de Infantaria n.º 18 carregavam às ordens do Príncipe Real.
Aos treze anos do Príncipe Real, é nomeado Seu aio o herói Mouzinho de Albuquerque, e a sua instrução passou a ter uma componente ainda mais militar e a ser uma verdadeira preparação para reinar. Com a morte de Mouzinho é nomeado como aio do Príncipe Real o coronel Francisco da Costa.
Já o infante Dom Manuel, que aos seis anos já falava e escrevia em francês, estudou línguas, história e música com o professor Alexande Rey Colaço, e, em 1907, iniciou os seus estudos de preparação para ingresso na Escola Naval, preparando-se para seguir carreira na Marinha. Após uma estadia de alguns dias em Vila Viçosa, com toda a família, havia regressado mais cedo a Lisboa precisamente para se preparar para os exames da Escola Naval, tendo ido esperar os pais e o irmão ao Terreiro do Paço e eis que o destino de todos foi interrompido pelo terrível e terrorista Regicídio que a Dom Carlos I e a Dom Luís Filipe veio arrancar tão cedo à vida e a Dom Manuel baralhar e voltar a dar noutra direcção. Dom Manuel II viu-se alçado Rei.
No tocar de finados da Monarquia portuguesa, com o trágico resultado do regicídio, os republicanos do PRP lançaram-se na propaganda demagógica e na unidade maçónica que permitiu a formação de uma organização secreta conjurante, a Carbonária. A Carbonária Portuguesa, liderada por Luz de Almeida, a partir de 1909, apoiada pelo próprio grão-mestre do Grande Oriente Lusitano Unido, lançou-se no patrocínio das bombas dos anarquistas e no recrutamento de fidelidades nos quartéis. E, no lado da legitimidade, as forças militares fiéis à monarquia sofreram uma feroz estocada, quando no seguimento do regicídio, o governo afastou o ministro da guerra e o ministro da marinha que possuíam denodo, inteligência e um forte ascendente sobre as altas e médias patentes militares, para além de serem especialistas nas nomeações. Os governos que se sucederam, cegamente mediam a lealdade dos militares ao regime através de consecutivas e inócuas visitas a regimentos por El-Rei Dom Manuel II que era sucessivamente aclamado, pois o problema não era o benquisto Monarca – o problema não residia nas estrelas! Outro desacerto capital dos governos posteriores a 1908 foi a da mudança no Comando Militar de Lisboa.
Consumado o derrube da Monarquia Portuguesa que durante 771 anos fez a glória da Nação, Dom Manuel II no exílio não se eximiu das funções para as quais tinha sido preparado. Assim, com o dealbar da 1.ª Grande Guerra, o Monarca exilado, em Inglaterra, colocou-se à disposição dos aliados para servir como melhor pudesse. Inicialmente, tomou-o o desapontamento quando o colocaram como oficial da Cruz Vermelha Britânica, mas o empenho que mostrou no decorrer da guerra, cooperando em conferências e na recolha de fundos, visitando hospitais e mesmo os feridos na frente, acabou por ser-Lhe muito gratificante. Porém, o seu zelo nem sempre foi penhorado, e certa vez lamentou-se disso: “A sala de operações do Hospital Português, em Paris, durante a guerra, foi montada por mim. Sabe o que puseram na placa da fundação? ‘De um português de Londres‘.” El-Rei criou, ainda, o departamento ortopédico do hospital de Sheperds Bush, que por perseverança do Monarca continuou a funcionar até 1925, dando assistência aos mutilados de guerra. Uma prova de reconhecimento dos ingleses para D. Manuel II de Portugal foi quando o Rei britânico Jorge V – primo do Monarca português pelos laços da Casa de Saxe-Coburgo e Gotha – tê-Lo convidado e à Rainha Augusta Victória a ficar a seu lado na tribuna de honra durante o Desfile da Vitória, em 1919.
Servir, sempre servir! El-Rei Dom Manuel II tinha como divisa «Depois de Vós, Nós», premissa de que o Rei serve primeiro os interesses da Nação: País e Povo; pois aos monarcas sempre foi dado o status de “servidores”.
Miguel Villas-Boas – Plataforma de Cidadania Monárquica
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