Com a distância e a análise histórica comparativa entre a Monarquia Constitucional Portuguesa e as repúblicas que se lhe seguiram – como têm dificuldade em acertar à primeira os republicanos portugueses já vão em três – pode-se concluir que havia mais liberdade, em todos os sentidos, durante a Monarquia Constitucional do que depois – inclusive, pelos padrões de hoje.
Havia mais liberdade de expressão que se reflectia em haver mais liberdade de todos os tipos: liberdade de opinião, liberdade de imprensa, liberdade de associação, etc., etc.
Efectivamente, a Monarquia, especialmente a Constitucional, não era fonte de bloqueio à liberdade, pelo contrário sublimava-a, pois era a sua maior garantia. Havia Liberdade!
Mas já havia liberdade mesmo antes da Monarquia Constitucional, pois desde o princípio do tempo português as liberdades municipais eram uma regra essencial de governação. O papel democrático dos municípios tornava-o em real representante de toda a comunidade local diante do Rei que valorizava o apoio popular. Esses conselhos municipais compostos por ‘vizinhos’ tinham capacidade política e um enorme conjunto de liberdades fundamentais, regalias e seguranças, normalmente consignadas em carta de Foral – que elencava as matérias relativas à liberdade das pessoas, ao direito de asilo, à defesa dos direitos em juízo, à tributação, à inviolabilidade do domicílio – tudo isto em plena Idade Média. A importância destes concelhos era tal que eram enviados representantes às cúrias extraordinárias, as Cortes, tendo assim participação na governação. Recorde-se a Monarquia democrática da Dinastia de Aviz, esse tempo Real, mas igualmente popular no qual, a qualquer hora do dia ou da noite o Juiz do Povo se poderia apresentar no Paço à Presença do Rei e reclamar de injustiças ou peticionar graças – que diria hoje, Sua Excelência O Senhor Protocolo de Estado sobre isto?!
Aliás, o reforço do poder dos municípios aparece como uma solução para a falta de representação política actual. Os municípios encontram-se hoje praticamente esvaziados de poderes e numa dependência gritante face à vontade do poder central. Ora com municípios com maior autonomia e competências, o cidadão poderia exercer a sua escolha em função de figuras que reconhece e que pode responsabilizar, se for esse o caso.
A Monarquia foi sempre oposta à tirania que é um poder de forma, também, talássica, mas não fundamentado no direito, uma vez que a soberania do monarca é sempre limitada por um conjunto normativo que a distingue da ditadura despótica: seja – como no antigo Regime – pelas leis de Deus ou pelas regras de justiça natural, seja hodiernamente nas Monarquias constitucionais pelas leis fundamentais do Estado. Desta forma a Monarquia sempre foi garantia de liberdade, pois não é, nem foi nunca, o governo de um só; antes sim, supõe o respeito de normas superiores que têm que ter em conta o interesse geral, o bem comum – dentro do qual se enquadra a liberdade.
Naturalmente, que foi na Monarquia Constitucional que surgiu uma maior consagração dos direitos, das liberdades e garantias nas diversas constituições.
Em 23 de Setembro de 1822, era promulgada a primeira Constituição Portuguesa. Em plena Monarquia, os direitos dos Cidadãos, porque se lhes dava enorme relevância, foram elencados logo nos primeiros 19 artigos, porque, e reproduz-se:
‘As Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes na Nação Portuguesa, intimamente convencidas de que as desgraças públicas, que tanto a tem oprimido e ainda oprimem, tiveram a sua origem no desprezo dos direitos do cidadão, e no esquecimento das leis fundamentais da Monarquia; e havendo outrossim considerado, que somente pelo restabelecimento destas leis, ampliadas e reformadas, pode conseguir-se a prosperidade da mesma Nação, e precaver-se, que ela não torne a cair no abismo, de que a salvou a heróica virtude de seus filhos; decretam a seguinte Constituição Política, a fim de assegurar os direitos de cada um, e o bem geral de todos os Portugueses’.
Ao ler alguns desses artigos não podemos deixar de concluir da importância que é dada à liberdade:
Art. 1.º – A Constituição política da nação portuguesa tem por objectivo manter a liberdade, segurança e propriedade de todos os portugueses;
Art. 2.º – A liberdade consiste em não serem obrigados a fazer o que a lei não manda, nem a deixar de fazer o que a lei não proíbe. A conservação desta liberdade depende da exacta observância das leis;
Art. 3.º – A segurança pessoal consiste na protecção que o Governo deve dar a todos para poderem conservar os seus direitos pessoais;
Art. 4.º – Ninguém deve ser preso sem culpa formada, salvo nos casos e pela maneira declarada no artigo 203.º e seguintes (…);
Art. 5.º – A casa de todo o português é para ele um asilo. Nenhum oficial público poderá entrar nela sem ordem escrita da competente autoridade, salvo nos casos e pelo modo que a lei determinar; Art. 6.º – A propriedade é um direito sagrado e inviolável que tem qualquer português de dispor à sua vontade de todos os seus bens, segundo as leis. Quando por alguma razão de necessidade pública e urgente for preciso que ele seja privado deste direito, será primeiramente indemnizado na forma que as leis estabelecerem;
Art. 7.º – A livre comunicação dos pensamentos é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo o português pode conseguintemente, sem dependência de censura prévia, manifestar as suas opiniões em qualquer matéria, contanto que haja de responder pelo abuso dessa liberdade nos casos e pela forma que a lei determinar;
Art. 8.º – As Cortes nomearão um tribunal especial para proteger a liberdade de imprensa e coibir os delitos resultantes do seu abuso, conforme a disposição dos artigos 177.º e 189.º (…);
Art. 9.º – A lei é igual para todos. (…);
Art. 11.º – Toda a pena deve ser proporcionada ao delito; e nenhuma passará da pessoa do delinquente. Fica abolida a tortura, a confiscação de bens, a infâmia, os açoites, o baraço e o pregão, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis e infamantes;
Art. 16.º – Todo o português poderá apresentar por escrito às Cortes e ao poder executivo reclamações, queixas ou petições, que deverão ser examinadas;
Art. 17.º – Todo o português tem igualmente o direito de expor qualquer infracção da Constituição e de requerer perante a competente autoridade a efectiva responsabilidade do infractor;
Art. 18.º – O segredo de cartas é inviolável. A administração do correio fica rigorosamente responsável por qualquer infracção a este artigo.’
Ora aí está!!!
E na Carta Constitucional de 1826 esta garantia de liberdade não esmoreceu, se não leia-se o artigo
145.º: ‘- A inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Portugueses, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Reino, pela maneira seguinte: § 1.° – Nenhum Cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da Lei; § 2.° – A disposição da Lei não terá efeito retroactivo; § 3.° – Todos podem comunicar os seus pensamentos por palavras, escritos, e publicados pela Imprensa sem dependência de Censura, contanto que hajam de responder pelos abusos, que cometerem no exercício deste direito, nos casos, e pela forma que a Lei determinar; § 4.° – Ninguém pode ser perseguido por motivos de Religião, uma vez que respeite a do Estado, e não ofenda a Moral Pública; § 5.° – Qualquer pode conservar-se, ou sair do Reino, como lhe convenha, levando consigo os seus bens; guardados os Regulamentos policiais, e salvo o prejuízo de terceiro; § 6.° – Todo o Cidadão tem em sua Casa um asilo inviolável. De noite não se poderá entrar nela senão por seu consentimento, ou em caso de reclamação feita de dentro; ou para o defender de incêndio, ou inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada nos casos, e pela maneira que a Lei determinar; § 7.° – Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, excepto nos casos declarados na Lei, e nestes dentro de vinte e quatro horas, contadas da entrada da prisão, sendo em Cidades, Vilas ou outras Povoações próximas aos lugares da residência do Juiz; e, nos lugares remotos dentro de um prazo razoável, que a Lei marcará, atenta a extensão do Território: o Juiz, por uma Nota por ele assinada, fará constar ao Réu o motivo da prisão, os nomes dos acusadores, e os das testemunhas, havendo-as. ’
Também a derradeira das Constituições do Reino de Portugal não foi somítica a garantir as liberdades de opinião e associação:
‘Artigo 13º — Todo o cidadão pode comunicar os seus pensamentos pela Imprensa ou por qualquer outro modo, sem dependência de censura prévia. § 1.º — A Lei regulará o exercício deste direito; e determinará o modo de fazer efectiva a responsabilidade pelos abusos nele cometidos. § 2.º — Nos processos de liberdade de Imprensa, o conhecimento do facto e a qualificação do crime pertencerão exclusivamente aos Jurados;
Artigo 14º — Todos os cidadãos têm o direito de se associar na conformidade das Leis. § 1.º — São permitidas, sem dependência de autorização prévia, as reuniões feitas tranquilamente e sem armas. § 2.º — Quando, porém, se reunirem em lugar descoberto, os cidadãos darão previamente parte à autoridade competente. § 3.º — A força armada não poderá ser empregada para dissolver qualquer reunião, sem preceder intimação da autoridade competente. § 4.º — Uma Lei especial regulará, em quanto ao mais, o exercício deste direito.’
Foi no regime da Monarquia que a Liberdade ganhou foros de valor supremo e não depois!
‘Que a Justiça e a Liberdade reinem comigo, que só posso considerar-me feliz pela felicidade de todos.’, terminava assim o Discurso da Coroa de S.M.F. El-Rei Dom Pedro V de Portugal após a cerimónia de Aclamação como Rei e de prestar Juramento nas Cortes, dando o mote do que seria o seu reinado, ainda que demasiado curto. Dos inúmeros escritos que deixou, todos esses milhares de páginas nos quais analisava todas as questões importantes de governação do País, são de facto a Justiça e a Liberdade que transparecem como os maiores ensejos e preocupações do Monarca preclaro que era Rei de todos e para todos, pois um Rei não tem ideologia, não é parte, mas inteiro; completo.
‘Liberdade de pensar, liberdade de escrever – não são compreendidas, se não no estado de cerceamento, pelos que se temem da acção revolucionária da pena, e que ignoram que a sua inacção faz com que a pena possa fazer alguma coisa. Não compreendo a liberdade sem a imprensa livre. O homem é pouco quando lhe cortam a língua.’, discorreu Dom Pedro V de Portugal in Escritos, o mesmo que instruído numa noção voluntarista de governação e em prol do bem da coisa comum, enquanto pupilo de Alexandre Herculano, mandou pôr à porta do Palácio da Ajuda a famosa caixa verde, cuja chave guardava, para que o seu povo pudesse falar-Lhe com franqueza, depositando lá as suas expectativas e queixas. Situação bem diferente é mesmo hoje em que políticos alçados no cadeirão republicano do poder se ufanam dando ares de superioridade e vêem como dever do Povo, sofrê-los.
(Continua in Liberdade… Foi Em Monarquia! – Parte II)
Miguel Villas-Boas – Plataforma de Cidadania Monárquica
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