Pavilhão real siamês, c. 1820 |
A ordem chegou do palácio real por intermédio do Chaophraya Maha Senabodi, ministro do Kalahom (Guerra) no quarto mês (Agosto) do ano de 2380 da era budista, ou seja, 1837 da Era Comum. O destinatário, o governador da província de Tonburi, recebia instruções para mobilizar tropas destinadas a apoiar o Camboja, que se preparava para se rebelar contra o ocupante vietnamita e pedira ajuda a Banguecoque. Organizava-se grande expedição militar e fora investido como seu comandante o temível Chao Phraya Bodindecha, que anos antes (1828) fora investido de plenos poderes para reduzir a pó as veleidades independentistas de Lan Chang, ou seja, do actual Laos. Nessa terrível guerra, a hegemonia siamesa fora conseguida pelo poder de fogo do corpo móvel de artilharia constituído por peças que Wellington utilizara em Waterloo e que, após o colapso de Napoleão, haviam sido enviadas para a Ásia e vendidas aos siameses como favor pelo apoio que o Sião dera aos britânicos na primeira guerra anglo-birmanesa (1824-26).
Tonburi, hoje cidade-satélite de Banguecoque, situada na outra margem do rio Chao Phraia - como o é Almada para Lisboa - fora por alguns anos capital do Sião após a queda de Ayutthaya e aí residia uma numerosa comunidade luso-descendente em torno da sua igreja. Os católicos portugueses eram, no quadro do regime social que vigorava no Sião, algo equivalente aos servos russos do século XIX. Mas estes servos eram considerados homens livres, exigindo-se-lhes apenas que pagassem corveia de trabalho anual obrigatório ao Rei em troca de protecção. No Sião, havia duas categorias de homens livres: os Phrai Som, que tinham por senhores príncipes ou nobres semi-hereditários, e os Phrai Luang, que eram servidores do Rei. Na categoria de Phrai Luang havia uma elite, dispensada de trabalhos pesados na construção de templos e palácios, abertura de canais, pavimentação e preparação de muralhas. Este grupo de Phrai Luang - os Phrai Suay - eram artífices, engenheiros, artistas, médicos e boticários, ou especialistas na produção de pólvora, o alimento dos numerosos conflitos militares em que o Sião se encontrava envolvido: a oeste com a Birmânia, no sul com os sultanatos malaios e no leste com o arqui-inimigo vietnamita.
Os cálculos demográficos a que temos procedido parecem coincidir, com uma ou outra flutuação, com os quantitativos opinados pelas missões diplomáticas britânicas e norte-americanas que tocaram o Sião nas década de 20 e 30 de Oitocentos. Em Tonburi, o número de luso-descendentes ascenderia a 600-700 pessoas, pois o efectivo militar que lhe corresponde (250 homens) parece cobrir o universo masculino de uma população integrada num regime social que era decalcado do modelo militar. Com exclusão dos idosos - a esperança de vida andaria então pelos 40 anos de idade - e das crianças, haveria cerca de 280 homens entre os 16 e os 35 anos aptos para prestar serviço militar em situação de guerra.
Recentemente acedi a um censo populacional datado de 1854. Em Tonburi, a quadrícula militar registava 256 artilheiros. Estes artilheiros tinham por função guarnecer as baterias de artilharia incumbidas de flagelar embarcações inimigas que subissem o rio. No lado oposto, na margem de Banguecoque, outras baterias permitiam varejar em fogo cruzado qualquer navio inimigo. Era, como se dizia na gíria militar do tempo, o feu d'enfer. Mais uma prova, pois, da importância que os protuket detinham no exército siamês.
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