No emaranhado de crenças que obscurecem o conhecimento das relações entre o mundo islâmico e o mundo cristão, avulta aquela que nos pretende fazer crer que havia portugueses que se convertiam ao Islão, vulgarmente chamados de renegados (ou arrenegados). Havia arrenegados, pois, mas esquece-se amiúde que havia conversões em sentido contrário, ou seja, de muçulmanos que expostos à cultura e usanças portuguesas exprimiam vontade em conhecer a doutrina cristã e a ela se converterem.
Tais mouros, sobretudo norte-africanos e, com mais precisão, marroquinos, começaram a aderir à religião dos portugueses por alturas das primeiras conquistas de praças no norte de Marrocos, no século XV, mas nos séculos que se seguiram, o seu número aumentou, exigindo-se das autoridades eclesiásticas portuguesas especial acompanhamento de tais conversos.
Ali para os lados de S. Roque, entrando pelo Bairro Alto, chega-se à Rua dos Calafates. A cerca de trinta metros da esquina da Travessa da Queimada, situa-se o Colégio Real dos Catecúmenos, fundado em 1579 por ordem do Cardeal Rei Dom Henrique e destinado a mouros aliados de Portugal e que haviam participado na Jornada de África nas hostes de Dom Sebastião na malograda batalha de Alcácer Quibir. Inicialmente destinado a catorze mouros, a instituição foi acolhendo levas de novos refugiados que iam chegando a Lisboa e manifestavam vontade de se familiarizarem com a doutrina católica. Esse constante movimento prolongou-se pelos séculos XVII e XVIII e exigia dos pretendentes a conversos que aprendessem a língua portuguesa e alguns rudimentos de latim antes de iniciarem a frequência da catequese, processo lento de aprendizagem que só terminava quando os catequistas confirmavam a plena aptidão dos seus alunos para conscientemente receberem o baptismo.
No dia da cerimónia de conversão pública, realizava-se uma procissão que atravessava solenemente as ruas da capital. Os neófitos faziam-se acompanhar dos seus padrinhos de baptismo, habitualmente grandes do Reino que a partir desse momento os acolheriam como membros das suas famílias, tratando-os como se filhos seus fossem. Posto tratarem-se de jovens adultos no pleno das suas faculdades, os conversos escolhiam um nome de baptismo, a que juntavam o nome da família de adopção, eram baptizados e recebiam a comunhão.
Ainda hoje, volvidos quase quinhentos anos, remanesce o edifício desse Colégio dos Catecúmenos, felizmente poupado aos estragos e intolerâncias do século XIX. Encimado pelas armas reais portuguesas, o pórtico lembra aos viandantes: "Este Colégio ordenou Sua Majestade para nele serem instruídos os catecúmenos que se convertem à nossa Santa Fé Católica".
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