domingo, 17 de maio de 2015

REPÚBLICA DE ABRIL (*)


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Por pensar que continua actualizada a mensagem deste artigo que publiquei em 2010, aqui o reproduzo no dia do 41.º aniversário, da revolução dos cravos (25 de Abril de 2015).

Na sessão solene comemorativa dos 36 anos da Revolução do 25 de Abril, o Presidente da República, Prof. Cavaco Silva alertou para existência de desigualdades sociais, destacando a presença de situações de miséria ao lado de ''casos de riqueza imerecida que nos chocam''. "A sociedade portuguesa é hoje mais justa do que aquela que existia há 36 anos. No entanto, persistem desigualdades sociais e, sobretudo, situações de pobreza de exclusão que são indignas da memória dos que fizeram a revolução de Abril". Lembrou ainda que o 25 de Abril foi feito em "nome da liberdade", e de uma sociedade mais justa e solidária, reconhecendo que é nessas áreas que "porventura", o balanço destas décadas de democracia se mostra "menos conseguida".

Concordamos plenamente com o Chefe de Estado, ''a república de Abril'' não foi conseguida, pois a injustiça social dominante cria sentimentos de revolta ao povo português, ''sobretudo, quando lhe está associada a ideia de que não há justiça igual para todos'' Após ter focado os males que afligem o nosso país, apontou aquelas que devem ser as prioridades de Portugal para sair da crise: o mar e as indústrias criativas. ''Que justificação pode existir para que um país que dispõe de tão formidável recurso natural, como é o mar, não o explore em todas as suas vertentes, como o fazem os outros países costeiros da Europa?'', "Poderemos ser uma porta por onde a Europa se abre ao Atlântico, se soubermos aproveitar as potencialidades do mar", conclui Cavaco Silva, considerando que há que ponderar a relação com o mar e apostar mais no sector dos transportes marítimos e dos portos.

Também aqui estamos em sintonia total; pena é que há alguns anos atrás as propostas de proeminentes monárquicos, como Gonçalo Ribeiro Telles, sobre o Mar e os recursos marítimos nunca tenham tido o necessário acolhimento.

Este discurso do PR agradou a vários sectores da sociedade portuguesa e reforça a ideia que, afinal, Abril ainda não foi alcançado.

Ao invés, a República de Abril (1974) trouxe a corrupção e acentuou as desigualdades sociais, que se verificavam até então e trouxe uma justiça onde os ricos saem impunes e os pobres são condenados. Mas não está sozinha: a República de Maio (1926) trouxe a ditadura e a República de Outubro (1910) trouxe o caos e a intolerância religiosa, as perseguições políticas e os assassinatos.

Estranhamos por isso que a RTP, canal público de televisão, nos tivesse brindado, no dia 25 de Abril, com um espectáculo apresentado por Sílvia Alberto e de Júlio Isidro, de nome pomposo ''Gala República de Abril'', comemorativo do 36º aniversário da Revolução e que foi uma homenagem à Mulher Portuguesa.

Porque a República é representada por um busto de mulher, porque os direitos da Mulher são uma das importantes conquistas de Abril de 1974 (mas, pelos vistos, não das repúblicas anteriores…), porque o papel da mulher na luta contra a ditadura e nas conquistas de Abril é uma história ainda não contada (bem como a que se seguiu à implantação da república em 1910), pretendiam os mentores deste programa, estabelecer uma ligação entre os ideais republicanos e os de Abril (vejam só o desplante…), cantando a Liberdade, a Fraternidade e a Igualdade…

Pensarão estes senhores que a democracia é propriedade exclusiva da esquerda ou dos republicanos? Não ignoram, com certeza, que a mais velha democracia do mundo é a Grã-Bretanha, uma monarquia… E que aqui já estiveram no poder os Conservadores e agora estão os Trabalhistas…

Após tecer vários elogios ao 5 de Outubro libertador, que tirou as mulheres da opressão, logo se adiantou a acrescentar que ''foi preciso esperar 60 anos" para que às mulheres fosse reconhecido o estatuto de igualdade face aos homens, ou seja, já após a República de Abril. Então o 5 de Outubro foi libertador de quem? Afinal a 1ª República e também a 2ª República mantiveram oprimidas as mulheres… E mesmo a República de Abril só consagrou essa igualdade, não em 1974 mas em 1977, mais concretamente com o Decreto-Lei n.º 496/77 de 25 de Novembro!

Neste programa aplaudiu-se a República do 5 de Outubro (1.ª República) – visceralmente intolerante com os sacerdotes e até com os monárquicos a quem proibiu de servir no exército português quando o nosso país entrou na 1ª guerra mundial - e apontaram-se baterias à de Maio (consulado de Salazar) à qual, após 48 anos de república ditatorial, se seguiu a actual República de Abril – marcada pela crescente corrupção e o descrédito internacional do nosso Portugal -.

Mas comparar uma revolução libertadora como a do 25 de Abril, que restituiu as liberdades aos Portugueses e que foi posteriormente ratificada em sufrágio, com uma pseudo-revolução de 5 de Outubro de 1910, onde a Carbonária, organização terrorista, tomou parte activa, juntamente com um grupo de assassinos – que em 1908 mataram o rei e o príncipe herdeiro –, é, no mínimo, intelectualmente desonesto…

Aqueles que pensam que o Abril em Portugal é apenas dos socialistas, dos comunistas, dos de esquerda ou dos republicanos esquecem-se dos muitos monárquicos, como Francisco Lino Neto, Francisco Sousa Tavares, Sophia de Mello Breyner, Fernando Amado, João Camossa, Henrique Barrilaro Ruas, Victor Quintão Caldeira, Gonçalo Ribeiro Telles, José Luís Nunes (destacado militante e dirigente do Partido Socialista), o próprio Francisco Sá Carneiro, e tantos outros que lutaram por uma mudança de regime e até que alguns dos militares de Abril eram simpatizantes do ideal monárquico.

Aliás, analisando honestamente a questão, o 25 de Abril de 1974 - no séc. XX – devolveu aos portugueses os direitos e as liberdades acauteladas nas várias constituições monárquicas do século XIX (de 1822, 1826 e de 1838) e especialmente na que estava em vigor à data de 5 de Outubro de 1910 como sejam a igualdade perante a lei (art. 10º CMP de 1838, § 12º do art. 145º CC de 1826 e art. 9º CMP de 1822), a separação de poderes (art. 35º CMP de 1838, art. 10º CC de 1826 e art. 30º CMP de 1822), a liberdade de opinião e de imprensa, “sem dependência de censura” (art. 13º CMP de 1838, § 3º do art. 145º CC de 1826 e arts. 7º e 8º CMP de 1822), a liberdade de associação política e de reunião (art. 14º CMP de 1838), a inviolabilidade do domicílio e da correspondência (arts. 16º e 27º CMP de 1838, arts. 5º e 18º CMP de 1822), eleições de 3 em 3 anos ou de 4 em 4 anos ou ainda de 2 em 2 anos, para a Câmara dos Deputados (art. 53º CMP de 1838, arts. 17º e 34º CC de 1826 e art. 41º CMP de 1822), o direito de resistência “a qualquer ordem que, manifestamente, violar as garantias individuais” (art. 25º CMP de 1838) e até o direito de petição que garantia a todo o cidadão o poder de « não só apresentar aos Poderes do Estado reclamações, queixas e petições sobre objectos de interesse público ou particular mas também expor quaisquer infracções da Constituição, das Leis, e requerer a efectiva responsabilidade dos infractores » (art. 15º CMP de 1838, § 28º do art. 145º CC 1826 e arts. 16º e 17º CMP de 1822).

Consagravam ainda as Constituições monárquicas do século XIX, em vigor em 1910 “a instrução primária e gratuita” (art. 28º nº 1 CMP de 1838 e § 30 do art. 145º CC de 1826), que a soberania reside na Nação, “da qual emanam todos os poderes políticos” (art. 33º CMP de 1838 e art. 26º CMP de 1822), que “o ensino público é livre a todos os cidadãos” (art. 29º CMP de 1838, art. 237º CMP de 1822), que todos os cidadãos podem ser admitidos aos cargos públicos sem mais diferença que não seja “a dos seus talentos e das suas virtudes”, por sinal coisa rara hoje em dia, onde impera o compadrio e a filiação partidária no acesso aos cargos públicos (art. 31º CMP de 1838, § 13º do art. 145º CC 1826 e art. 12º CMP de 1822), que o número de ofícios públicos “será rigorosamente restrito ao necessário” (art. 1º CMP de 1822) e que “os ministros e secretários de Estado são responsáveis pela falta da observância das Leis, pelo abuso do poder que lhes é confiado, por suborno, pelo que obrarem contra a liberdade, segurança e propriedade dos cidadãos e por dissipação ou mau uso dos bens públicos” (art. 116º CMP de 1838 e art. 103º CC 1826) – tão diferente de hoje em dia…

E todos estes direitos e liberdades nos foram retirados nas duas primeiras repúblicas e mesmo na actual república nem sempre são cumpridos!

Afinal de que república festejamos os 100 anos? É que a de Abril tem apenas 36 anos e dela já o povo português – à semelhança do que aconteceu no final da 1ª república e depois no final da 2ª república – está cansado, saturado…

Por isso a rainha D. Amélia – viúva do rei D. Carlos e mãe, infortunada, do príncipe herdeiro assassinado – foi saudada com enormes manifestações de entusiasmo pelos portugueses quando, em Maio de 1945, regressa a Portugal para rezar junto do marido e dos filhos enterrados no Panteão de S. Vicente. E talvez por isso os portugueses recebam, hoje, jubilosamente, a família real de Espanha, o príncipe do Mónaco e acudiram, em massa, ao Mosteiro dos Jerónimos, por ocasião do casamento do Senhor D. Duarte de Bragança.

É que todos sabem que os príncipes estão para servir (a Pátria) e os outros estão para se servir (da Pátria).

É, do mesmo modo, intelectualmente desonesto e revelador de uma total ignorância da história portuguesa associar a república ao socialismo e à defesa dos direitos dos trabalhadores. Aliás os diplomas legais aprovados pelos últimos governos socialistas provam exactamente o contrário…

Desde 1891 que o Partido Socialista em Portugal se encontrava dividido em várias facções, situação essa fomentada, na sua maioria, pelo Partido Republicano, que lhe moveu uma guerra feroz, fazendo com que as várias facções nunca estivessem de acordo.

Também é sabido que, poucos dias antes da queda da Monarquia, desenvolviam-se em Portugal, sob o perseverante apoio do Rei D. Manuel II, enérgicos trabalhos tendo em vista a consubstanciação de um poderoso lobby operário com vista à melhoria das condições gerais do trabalho – na sequência do estudo feito por um famoso sociólogo francês que o rei, a expensas suas, chamara a Lisboa para vir observar as condições de vida no nosso país (dos camponeses, dos marinheiros, dos mineiros, dos trabalhadores da indústria e do comércio) e indicar as medidas necessárias à promoção do crescimento económico – e à entrada do partido Socialista, liderado por Alfredo Aquiles Monteverde, para o poder. É que Teófilo Braga (presidente do 1º governo provisório da república e 2º presidente da república portuguesa) achava um grande erro abandonar a questão política (a mudança do regime) pela questão social (a melhoria das condições de vida dos portugueses).

Se os esforços do Rei D. Manuel II tivessem sido concretizados, o nosso país podia ter sido pioneiro nesta área, e ter, no parlamento, um ou mais representantes de um partido operário, antes que isso acontecesse em quase todos os outros países europeus. Mas tudo isto parou com a queda da Monarquia em Portugal…

E o partido Socialista só chegou ao poder após Abril de 74 pois nunca conseguiu participar no Governo da 1.ª República e no da 2.ª também não, uma vez que esta proibia os partidos políticos.

Por isso não compreendemos o intransigente republicanismo da maioria dos actuais dirigentes do Partido Socialista.

(*) Artigo publicado no jornal «O Povo do Lima», n.º 31, II série, 1 de Maio de 2010.

Publicado por José Aníbal Marinho Gomes, em 25.04.15, no blogue "Risco Contínuo"

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