segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

A RAINHA DONA AMÉLIA DE PORTUGAL - POR EÇA DE QUEIROZ



“(…) A rainha de Portugal recebeu do céu favorável este dom de uma beleza adoçada de graça, qu’il fait bon de regarder, e que, só porque aparece, governa. E esta qualidade de mulher se torna social, quase se torna uma virtude de Estado, entre um povo, como o português, tão prontamente, tão finamente sensível à formosura, sobretudo quando ao prendedor encanto da presença se junta, como na rainha, para mais lhe alargar a irradiação, o espírito de sociabilidade, que ela herdou da sua raça e que foi sempre uma das elegâncias morais da sua casa. (...) Na Rainha de Portugal, este encanto de sociabilidade está todo na sua dignidade familiar, repassada de atenção, penetrada de sensibilidade, fácil em docemente se interessar, fácil em discretamente se igualar, mas séria e concertada, e que sempre um poeta um pouco precioso, como Carlos de Orleães, compararia ao arbusto grácil que se debruça, espalha perfume, derrama frescura, e logo formosamente retoma a sua elevação natural! A nós, Portugueses, povo de porte taciturno que durante séculos se embuçou sempre em grandes capotes e carregou sobre os olhos largos sombreiros, esta fácil, ridente, aberta e desembuçada sociabilidade desconcerta (…) O nosso velho escarpamento moral quase nos impossibilitava de compreender que uma afabilidade sempre activa e difusa, um interesse atento que todo se alvoroça, uma efusão em que se entrega a alma no lampejar de um sorriso, não proviessem do esforço da astúcia, para captar perfidamente a clientela dos simples… E, certamente, a simplicidade conversável da Rainha, a sua afluência de simpatia, a graça acolhedora da sua expressão surpreenderam, quase inspiraram desconfiança a este povo habituado, desde o estabelecimento da monarquia absoluta, a não separar majestade de imobilidade. E data este sentimento do Portugal restaurado, porque então se cimentou entre nós a hirta pragmática cesariana, deixada em Lisboa pela realeza de Espanha, que a herdara da Casa de Áustria. No tempo dos nossos velhos reis, ao contrário, todos os educadores de príncipes lhes ensinavam o alto dever real de comunicar docemente com o povo. Na sua «Doutrina ao Infante D. Luís», o douto humanista Lourenço de Cáceres gravemente lhe recomenda “que se não aparte da afabilidade nem dê pouca parte de si ao povo, pois que não há erro mais nocivo para quem seja de senhorear ânimos portugueses!” E D. Aleixo de Menezes, na sua fala e despedida sublime a el-rei Dom Sebastião, lança estas grandes palavras: “o excesso de afabilidade, senhor, não compromete a autoridade do príncipe… Mas muitos príncipes, relaxando a sua autoridade com os validos e conservando trato altivo para o seu povo, vieram a ser aborrecidos de uns e desestimados de outros.» Hoje, deus louvado, na nossa sociedade tão igualada como um campo de restolho, já não existe possibilidade para reis «de trato altivo».
 
(…) Esta afabilidade transparente da rainha permite que se distingam alguns modos do seu pensar e modos do seu sentir, sempre tão difíceis de perceber em príncipes, pois que três opacas muralhas os dissimulam: a etiqueta, o resguardo contra a familiaridade e a timidez, inconveniente tão congénere em príncipes que não faltou a Luís XIV nem a Augusto! Ora, de muitas mulheres, sobretudo de muitas rainhas, apenas se relatou a sua elegância e a sua gentileza – logo se findou a sua curta e mundana história. Na Rainha, porém, para além do brilho visível, existe ainda um harmonioso conjunto de ideias e de sentimentos, interessantes de estudar pela sua elevação e rectidão – e ainda porque, pertencendo a uma Rainha de Portugal, esses pensamentos e esses sentimentos, beneficamente reverterão, como diz a nossa velha lei, «em prol do comum e aproveitança da terra».
 
O que logo surpreende e cativa na Rainha é a sua completa e carinhosa nacionalização portuguesa; e, no entanto, bem sabemos, nós todos que lidamos com a história, quanto a flor-de-lis é flor difícil de enxertar! Mas aqui o lírio de França mergulhos tão profundamente a raiz no torrão português e tão gratamente absorveu a sua substância que, hoje, na forma, na cor, no aroma, já se não diferença de qualquer fresca e genuína rosa de Portugal. A Rainha ama a nossa terra como se dela houvesse brotado.”

Recolha do texto por Plataforma de Cidadania Monárquica
 



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